Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O DESEMPREGO NO PAIS. CRITICAS AO PACOTE DE COMBATE AO DESEMPREGO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, LANÇADO EM OUTUBRO DO ANO PASSADO.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O DESEMPREGO NO PAIS. CRITICAS AO PACOTE DE COMBATE AO DESEMPREGO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, LANÇADO EM OUTUBRO DO ANO PASSADO.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 06/02/1997 - Página 3876
Assunto
Outros > DESEMPREGO.
Indexação
  • APREENSÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, PAIS, CRITICA, GOVERNO, FALTA, PROVIDENCIA, COMBATE, REDUÇÃO, OFERTA, EMPREGO.
  • CRITICA, INEFICACIA, PROGRAMA, COMBATE, DESEMPREGO, LANÇAMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

      O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, é um prazer falar sob sua Presidência, na primeira sessão ordinária que preside. Os baianos dão sempre, nesses momentos, o testemunho de sua unidade. Podem ter divergência de pensamento, mas nunca divergem a serviço da Bahia.

      Srªs e Srs. Senadores, nesses tempos de propaganda e busca de reeleição e de viagem de pompa à Petrópolis Imperial, urge que se retorne ao problema do desemprego, esquecido pelo Governo.

      Não irei fazer comentários de caráter geral sobre a política e suas divergências nos diferentes países. Não irei, mesmo, examinar o quadro do conjunto das desigualdades que dividem os brasileiros em ricos, pobres e miseráveis. O próprio tempo me recomenda tratar objetivamente do problema.

      De toda a Casa é sabido que cresce o desemprego no País há vários anos, principalmente a partir do momento em que se instituiu a atual política dominante: a de combate à inflação e de manutenção do valor do real.

      Ninguém contesta que a inflação deva ser contida, nem que o real precisa ser valorizado. O de que se trata é de salientar que nenhuma política pode ser desenvolvida tendo em conta apenas determinados valores, distantes da realidade de vida do conjunto da sociedade. E sem ir mesmo aos anos anteriores, limitando-me a fazer referência do ano de 1996 aos dias presentes, cumpre que se saliente que todas as notícias indicam desemprego maior do que em 1995.

      Mas não basta a afirmativa de caráter genérico, é bom que acompanhemos os dados. Segundo o noticiário geral da imprensa, que não foi contestado pelo Governo, assim se vê que a indústria de São Paulo demitira 9.462 empregados em outubro, eliminando 900 mil vagas desde 1990. Seria uma afirmativa de caráter amplo, indeterminado? Não, porque também em novembro de 1996 uma notícia específica dizia assim: "As indústrias paulistas não param de demitir. Na primeira semana de novembro informa a FIESP" - note-se bem, a Fiesp, e não o Dieese - "que o nível de emprego caiu em 0,16%".

      Em janeiro deste ano noticiado foi: "Desemprego deve crescer no trimestre". E o desemprego está crescendo. Não há nenhum sinal de melhoria da situação. Ao contrário. A realidade está a nos mostrar que aumenta a violência no País. Por que aumenta? A violência não está aumentando entre os integrantes das classes altas, privilegiadas. A violência está aumentando entre os quadros da população que vivem de salário. E porque lhes vai faltando salário, o desespero se vai transformando em violência. É impressionante o quadro de violência no País, já agora invadindo a sociedade na chamada classe média ou nos bairros considerados dos ricos. Mesmo cidades que não eram marcadas por grande percentual de violência, marcam-nas agora, de maneira impressionante, como por exemplo em Salvador. Em outubro de 1996, o Governo lançava um pacote contra o desemprego. Quais as conseqüências desse pacote contra o desemprego? Perguntaria melhor: quais as providências concretas que o Governo tem adotado, do conhecimento da população? Não importa que nos refiram estatísticas devidamente preparadas na intimidade das agências do Governo. O que vale para a população é o conhecimento dos fatos, segundo a veracidade deles para o conjunto da população.

      Não se teve mais nenhuma notícia desse complexo de providências contra o desemprego. E se, em outubro, o Governo lançava a notícia de um pacote - e pacote é sempre idéia geradora de temeridade, porque desde o regime militar que a todo pacote dito em favor da população concorria um maior aumento das condições de desgraça coletiva - , em novembro, reunia-se a SBPC, e uma de suas preocupações era o aumento da desnutrição no Nordeste. Tem diminuído? Gostaria que o Governo pudesse fazer a demonstração em contrário. Pudesse trazer-nos os dados concretos da melhoria de condições de vida. Repare-se mesmo que, apesar de um trabalho coletivo da representação nordestina, não se estabelece um conjunto de programas devidamente planejados para a Região. As providências são sempre isoladas, parciais. Mas o complexo das providências indicativas de soluções dos problemas do Nordeste, esse conjunto de previdências dele não se tem conhecimento.

      O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

      O SR. JOSAPHAT MARINHO - Darei já o aparte a V. Exª.

      Em outubro, a imprensa noticiava, e o Governo não contestou, que os acordos salariais se faziam sem reposição da inflação. Vale dizer: os salários sempre em situação desprezível. E assim prossegue.

      Mas, antes que possa dar continuidade, quero ter o prazer de ouvi-lo.

      O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Josaphat Marinho, gostaria de poder subscrever o discurso que a sua inteligência lúcida, que a sua consciência social, altamente gabaritada, acaba de pronunciar. Realmente, o problema do desemprego e essas outras mazelas sociais a que V. Exª acaba de se referir, principalmente o desemprego, preocupa os maiores pesquisadores, os grandes cientistas sociais, não aqueles tecnocratas, não aqueles que desprezam o ser humano, não aqueles que são sacerdotes do capital e querem apenas acumular mais e indicar as regras da acumulação, que dispensa mão-de-obra, através desse down sizing, dessa reengenharia, dessa nova tecnologia, desumana, mecanizada, metalizada. Assim, nos encontramos hoje diante de um bilhão de seres humanos desempregados em escala mundial, e 3.7 bilhões de pessoas no mundo ganham apenas US$2,00 por dia. De modo que, realmente, é preocupante o que ocorre no Brasil, uma vez que nós também vestimos a camisa-de-força que fez com que a Argentina, por exemplo, situasse seu desemprego em 24%, fez com que a Argentina se empobrecesse, nos últimos 15 anos, em 3% da sua renda per capita; o México, 9%; e o Brasil, de 1980 a 1995, não cresceu nada. Foi zero o aumento da renda per capita no Brasil. V. Exª tem toda a razão em apontar aí, nesse problema crucial, as causas mais profundas de toda essa agressividade de que somos testemunhas, de que a sociedade brasileira é vítima. Muito obrigado, Senador.

      O SR. JOSAPHAT MARINHO - Nobre Senador Lauro Campos, não é apenas, ou não é sobretudo, V. Exª que gostaria de subscrever o que digo, eu é que me sinto bastante fortalecido nas observações que venho fazendo, ouvindo os aditamentos do seu aparte. V. Exª fala mais do que como homem de partido, fala como professor de economia, que oferece aqueles dados que nem sempre chegam ao conhecimento de um leigo como eu. V. Exª traz os elementos mais profundos, em demonstração dessa realidade que vai entristecendo a sociedade brasileira.

      Eu dizia: contesta o Governo tudo que a imprensa diz, o que se diz do Parlamento? Não. Nem pode fazê-lo, porque os fatos são absolutamente resistentes às informações da fantasia.

      No meu Estado, ainda há pouco, já neste ano, no último dia de janeiro, o jornal A Tarde publicava uma notícia, porém, mais do que ela, vale a fotografia que a acompanha. A Prefeitura de Jequié abriu concurso, ou possibilidade de inscrição, para provimento de alguns lugares. Foram centenas, ou milhares de pessoas, que, em fila, contornaram ruas da cidade à busca daqueles poucos empregos. Por que isso se verifica? Porque, com o decréscimo das atividades econômicas no País, com a freqüente queda das empresas, com as falências que se multiplicam, com as concordatas que a todo momento são anunciadas, a capacidade econômica de viver se reduz, prejudicando, sobretudo, aqueles que vivem de salário.

      Enquanto isso, a preocupação do Governo é com reformas institucionais. E até essas reformas institucionais são postas em segundo plano, quando para o primeiro sobe, em ambiente de alegria, o problema da reeleição, que não traz nenhuma felicidade ao povo brasileiro nem concorre para resolver nenhuma de suas questões.

      Em agosto de 1996, o Jornal do Brasil anunciava que "o número de falências em São Paulo aumentou em 152%, na primeira quinzena daquele mês". Atente-se para esse fenômeno: um aumento de 152%! E transforme-se isso em perda de lugares de trabalho e, conseqüentemente, no aumento do volume de desempregados.

      Enquanto isso, no Brasil e no mundo, aumenta a percentagem de crianças sendo obrigadas ao trabalho. As informações oficiais dizem que o trabalho infantil no mundo atingiu 250 milhões de crianças. Ao invés de cuidarem da educação, ao invés de se instruírem, estão sendo obrigadas ao trabalho pelas desigualdades que a política de globalização vem produzindo no mundo. Essa é a triste realidade do mundo e do Brasil.

      Ainda agora, os que defendem a política de globalização hão de estar sentindo o impacto da resistência das grandes nações às nossas exportações, ao aproveitamento dos nossos produtos no estrangeiro. Por que insistem, então, na política de globalização, se ela cada dia mais revela que é a política de domínio ou de colonização dos povos poderosos sobre os povos apenas em desenvolvimento?

      Enquanto insistem nessa política, a população sofre, a população experimenta mais dissabor, a violência cresce no País.

      Aqui está, no jornal de 30/01/97: "Homicídios crescem 21,3% na Zona Oeste de São Paulo". Atente-se neste problema: não é o aumento da violência e dos homicídios nos Estados menos desenvolvidos do País; não é o aumento da violência nas regiões economicamente fracas. É o aumento da violência fatal na Grande São Paulo, na região oeste da capital de São Paulo.

      Tudo isso se passa - não há exagero nem injustiça em dizer-se - com a indiferença do Governo. Preocupam-no problemas institucionais, reeleição, visita a Petrópolis em ambiente de pompa. Enquanto isso, a população sofre.

      Ainda agora, no Brasil, Roberto Lavagna, ex-ministro do Presidente Alfonsín, deixou este conselho ao Brasil: - "O Brasil deve apoiar pequenas e médias empresas, para evitar o desemprego que a Argentina enfrenta hoje". Onde está, entretanto, a política de amparo e de ajuda à pequena e média empresa? Experimentam mais dificuldades para a obtenção de recursos ou de empréstimos junto às agências oficiais do que as grandes empresas perante os bancos, muitos deles em regime de falência.

      Desperte o Presidente da República para esses fatos!

      Não basta que se anuncie que continua contida a inflação e que está valorizado o real. Ainda há pouco a Senadora Benedita da Silva mostrou, desta tribuna, que quem quer que vá ao mercado - e eu também vou -, e faça a verificação de preços, observa que a realidade não é a dos dados oficiais. Se não há a inflação do passado, há uma inflação contínua que se reflete nos preços dos produtos. Esse fenômeno precisa ser seguido, seriamente, pelo Governo, porque, por mais que seja útil a política de contenção da inflação e de valorização do real, a política do desenvolvimento não está aí, mas na multiplicação das atividades econômicas do País.

      Somente na medida em que o Governo for capaz de conseguir o equilíbrio entre a contenção da inflação, a valorização da moeda e, ao mesmo tempo, a multiplicação das atividades econômicas, é que o povo brasileiro encontrará condições de vida razoáveis e dignas. Mas não há de ser apenas nesse processo de sistematização da economia no plano teórico, esquecida a realidade movediça dos fatos, com a qual vive o povo.

      Eram essas observações que desejava fazer nesta sessão de véspera de encerramento da Convocação Extraordinária.

      O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª uma outra intervenção?

      O SR. JOSAPHAT MARINHO - Tem V. Exª a palavra.

      O Sr. Lauro Campos - Senador Josaphat Marinho, sinto um desejo insopitável de tecer alguns comentários a essa corajosa e desassombrada manifestação de V. Exª. Eu, que já o admirava há muitas décadas, como Jurista e como Professor, cada dia mais o admiro nessa dimensão de humanismo, de preocupação social, que sempre perpassa os seus pronunciamentos. Perry Anderson, grande historiador inglês, autor, entre outros livros, de A Crise da Crise do Marxismo, há poucos dias afirmou, a respeito do Brasil, que uma verdadeira êxtase estatística havia dominado a nossa realidade, mascarando-a. Entre outras coisas, o desemprego, por exemplo, que, de acordo com o IBGE, estaria em 5,6%, na realidade, de acordo com o DIEESE, encontra-se em mais de 13%. A apuração feita pelo IBGE conta apenas seis dias de desemprego; consideram os outros desempregados, eufemisticamente, como inativos, colocando-os em outra categoria; não são considerados desempregados se estiverem nessa situação há mais de seis dias. Isso é realmente um absurdo. De modo que V. Exª, trazendo a sua preocupação, passou sobre esse assunto para o qual eu gostaria de chamar a atenção, apoiando integralmente esse bravo pronunciamento de V. Exª.

      O SR. JOSAPHAT MARINHO - Renovo-lhe o agradecimento, nobre Senador, por esse segundo aparte, que me faz relembrar, na comparação de estatística, fato que tive oportunidade de discutir com o Presidente Jânio Quadros.

      Assumira eu a Presidência do Conselho Nacional do Petróleo e, 48 horas depois, tive que aumentar os preços dos derivados do petróleo. Seria uma leviandade alterar os critérios existentes. Apliquei-os para verificar a realidade e, depois, adotar as providencias que me parecessem adequadas. Vieram os dados estatísticos. Quando se aplicava o chamado cálculo atuarial, a informação era de que o aumento sobre o custo de vida, decorrente da nova política resultante da Instrução nº 204, seria ínfimo, ou pequeno. Mas quando se transformava isso em moeda real o aumento era uma exorbitância. Levantada a estrutura de preços, imediatamente vim a esta Capital e mostrei ao Presidente da República: estão cumpridas as determinações de Vossa Excelência; está aqui a nova tabela de preços. Mas quero, com toda a delicadeza, dizer-lhe que não fui convidado por Vossa Excelência para ser apenas um aplicador de medidas sistemáticas, abstratamente estabelecidas. Nem Vossa Excelência foi eleito Presidente da República com essa finalidade. O aumento no preço de gasolina e, sobretudo, nos preços de gás liquefeito de petróleo e de querosene, que são os produtos de consumo direto do povo no interior do País, é este excesso que está aqui, o qual não está absolutamente antevisto nos chamados cálculos atuariais, que não nos dão a dimensão da realidade.

      Felizmente, o Presidente da República teve a decisão de me perguntar: "E qual é a solução?" Disse-lhe: "Reduzir o preço do gás liquefeito do petróleo e do querosene, mesmo quebrando a unidade de preços, que muito agrada a Petrobrás." E o Presidente da República disse: "Se tem elementos para fazê-lo, faça-o; busque o acordo da Petrobrás; se a Petrobrás resistir, faça a redução, sob nossa responsabilidade comum." E os preços do querosene e gás liquefeito foram reduzidos.

      Essa é a realidade para a qual o homem de governo tem que atentar. Não pode ser a da abstração, mas a dos dados reais, que influem no padrão de vida da população.

      Sr. Presidente, devo concluir. Essas observações não têm o propósito de contestação, mas a finalidade de despertar a atenção do Governo para os problemas reais do País; que afaste a fantasia das reformas institucionais e baixe à realidade do sofrimento coletivo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/02/1997 - Página 3876