Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ELEIÇÃO DA MESA DIRETORA DO SENADO FEDERAL E A SUA CANDIDATURA A PRESIDENCIA DESTA CASA. CRISE DE LEGITIMIDADE DO PODER QUE ATINGE OS PODERES DA REPUBLICA. ABERTURA COMERCIAL, CAUSA E EFEITO DO DESEQUILIBRIO NA BALANÇA DE PAGAMENTOS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SENADO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A ELEIÇÃO DA MESA DIRETORA DO SENADO FEDERAL E A SUA CANDIDATURA A PRESIDENCIA DESTA CASA. CRISE DE LEGITIMIDADE DO PODER QUE ATINGE OS PODERES DA REPUBLICA. ABERTURA COMERCIAL, CAUSA E EFEITO DO DESEQUILIBRIO NA BALANÇA DE PAGAMENTOS.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 07/02/1997 - Página 3932
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SENADO.
Indexação
  • CRISE, LEGITIMIDADE, PODERES CONSTITUCIONAIS, EFEITO, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESEMPREGO, AMPLIAÇÃO, MERCADO INTERNO, MERCADORIA ESTRANGEIRA, PRODUTO SUPERFLUO, PREJUIZO, PRODUTO ALIMENTAR BASICO, CONSUMO, POPULAÇÃO CARENTE, PAIS.
  • ANALISE, PROCESSO, ELEIÇÃO, MESA DIRETORA, SENADO, CANDIDATURA, ORADOR, PRESIDENCIA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faz agora dois anos que me tornei aquilo que na ocasião chamava de calouro na atividade parlamentar. Antes, jamais havia exercido qualquer cargo político, jamais havia tido o desempenho do mandato.

Ao adentrar esta Casa, diante de apenas uma candidatura à sua Presidência, lancei a minha, o meu modesto nome, de um professor universitário que jamais aceitou exercer qualquer função administrativa de chefe ou de diretor - as duas vezes em que fui obrigado a fazê-lo pedi demissão ao final de, no máximo, uma semana.

Sou exclusivamente professor, de dedicação exclusiva. Desde a minha juventude tinha a convicção de que ali, na universidade, poderia me enriquecer e me realizar como ser humano. Portanto, não foi ambição, não foi a vontade de que as luzes da ribalta iluminassem a minha modesta figura que fez com que eu lançasse o meu nome à Presidência do Senado; foi a convicção, a certeza de que era necessário que houvesse uma disputa e que houvesse, pelo menos, uma anticandidatura, pelo menos um nome apagado, sem nenhuma chance de vitória, como o meu. E se essa chance existisse, não lançaria o meu nome.

Quando fui candidato a Governador de Brasília, numa conjuntura política muito desfavorável em que o Presidente Collor estava aqui impondo o seu governo sucateador, despótico e, para mim, autoritário e impatriótico, que veio se revelar na CPI aqui constituída, como também, tangenciando a linha da moralidade, dizia, no início, da campanha: "Se eu ganhar, estou perdido". Diante dessa convicção, renunciei também à uma candidatura a governador que tinha óbvias e grandes oportunidades de vitória.

Portanto, foi com tranqüilidade que lancei o meu nome às vésperas da eleição, pois havia reiterado ao Senador Eduardo Suplicy que ele deveria desempenhar esse papel. Como S. Exª não quis, então eu assumi o ônus, do que hoje não me arrependo. Naquela ocasião, me inscrevi disposto a ter um único voto: o meu. Alguns minutos antes, meu companheiros de Partido tinham dúvidas a respeito da minha iniciativa. Não me arrependo. Àquela época, disseram que minha candidatura era anti-regimental. Disse que, se assim fosse considerada, recorreria à Justiça.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje estamos aqui diante do resultado de uma eleição que engrandeceu esta Casa, de uma disputa em que dois candidatos, com grande respaldo eleitoral, se apresentaram à nossa escolha democrática. Naquela ocasião, afirmei que o que eu estava fazendo, entre outros significados, objetivava romper com a tradição pouco democrática da candidatura única, muito a gosto dos governos ditatoriais de esquerda e de direita. Portanto, escrevi algumas páginas que nunca li e nunca divulguei, pois minha candidatura foi lançada poucas horas antes da votação e em condições muito particulares.

Estou, portanto, realizado ao perceber que agora, desta vez, também a disputa democrática se instaura nesta Casa, dando início a um processo mais livre, mais democrático de escolha da Mesa Diretora, sendo, portanto, estas palavras impronunciáveis.

A crise da economia brasileira atingiu a sociedade toda, tragou a vitalidade de instituições arcaicas, sem que a seiva do novo pudesse circular, revelou a podridão do conteúdo que alimentou um crescimento econômico, concentrador de renda, de poder, de capital, de saúde, de vida, de saber e de fartura, nas mãos de uma minoria cada vez mais rala, mais privilegiada, mais egoísta e mais disposta a usar e apoiar a violência como instrumento de preservação de seus privilégios ameaçados pela crise. O processo fracassado de crescimento, por meio da exclusão da massa dos trabalhadores e dos funcionários dos resultados do trabalho coletivo, encontra as suas raízes fincadas numa estrutura produtiva voltada para a produção de artigos de luxo, de carros, de duráveis, de perfumarias, cuja reativação - agora apelidada de crescimento sustentado - impõe o recrudescimento da concentração de renda, da ampliação do mercado interno para os artigos de luxo e de superluxo aqui produzidos ou importados em troca da exportação de commodities, de alimentos, de artigos essenciais de consumo popular.

A crise econômica, política, social, ética, jurídica e institucional, está sendo exorcizada pela exacerbação do caos, pela aplicação e repetição de medidas inadequadas para superar as contradições, os conflitos e as angústias que se aprofundam após cada tratamento em que os tecnocratas mudam os rótulos mas preservam os seus equivocados e perversos receituários.

A reprodução do sistema distorcido exige que o paciente Brasil seja silenciado pela anestesia da falsa consciência tão bem produzida nos meios de comunicação coniventes, no analfabetismo funcional, na amnésia das experiências fracassadas e dolorosas, pela utilização de relações e de instrumentos autocráticos, despóticos - militares ou civis -, tidos como necessários para assegurar o silêncio do protesto, calar o clamor dos excluídos e o estertor dos sacrificados.

O Senado não poderia deixar de expressar as contradições que se acirram, pois é ele o locus em que se congregam os portadores políticos das agruras da sociedade. Esta Casa do Legislativo não poderia se vacinar contra a corrupção, evadir-se do cumprimento de seus deveres, insensibilizar-se diante da exacerbação do egoísmo e da covardia, do grito de salve-se quem puder, que se transformou no lema e na palavra de ordem envergonhada de uma elite que sente que seus privilégios, transformados em direito e aplicados pela força coercitiva cada vez mais violenta, estão impondo o distanciamento crescente entre o legal e o legítimo, entre a ordem jurídica e a justiça social.

A crise de legitimidade do poder atinge os três Poderes da República e mostra que a massa da população, nela incluída contingentes significativos da classe média empobrecida, não tem confiança em que os poderes estabelecidos poderão resolver os problemas cruciais da sociedade. O Executivo confunde pusilanimidade e subserviência ao FMI e aos interesses dos capitais especulativo, mercantil e produtivo cêntricos ou hospedados no Brasil com a declarada falência do Governo e com a desconstrução do Estado nacional periférico. Transforma estes dois falsos mitos - a falência do Poder Executivo e a necessidade de desconstrução do Estado - em parâmetros de ação. Desde Collor, pelo menos, o Governo se erigiu num instrumento de violento empobrecimento dos mais pobres para sustentar o mercado para os ricos consumidores dos produtos de luxo e de superluxo importados ou aqui produzidos pelo capital anteriormente transplantado. A abertura que protege a produção e as exportações dos Países Capitalistas Adiantados (ACC) são medidas sucateadoras das oportunidades de emprego e da produção nacionais, apoiando-se a autofagia covarde na hipócrita defesa da importação de luxo que seria a portadora da modernidade cretina. O Poder Executivo deixa passar em seu pescoço mole a corda do equilíbrio orçamentário num mundo cuja história econômica mostra que nenhum país jamais conseguiu crescer, jamais preservou suas forças internas, seu volume de emprego, jamais ganhou uma guerra contra inimigos externos ou contra o desemprego, contra a fome e as carências alimentares, contra o colapso do sistema de saúde, contra a marginalização e a criminalidade social por meio do tal equilíbrio orçamentário e sem o aumento da dívida pública.

O Poder Executivo se desmoraliza, frauda as eleições por meio da utilização da monopolização dos meios de comunicação transformados em veículos de inverdades irrecuperáveis como as do atual Embaixador em Roma, Ministro Ricupero, e as do Diretor Gustavo Franco, da carteira de mentiras, injúrias e difamações do Banco Central, associados a marqueteiros emprestados pelo Tio Sam à candidatura assim vitoriosa. O dinheiro podre e mal cheiroso, sobre o qual a legislação espúria dos bônus eleitorais derramou o perfume de uma repugnante legalidade, empinou de vício insanável e fez aprofundar a crise de legitimidade sobre todos os eleitos em 1994.

O Executivo perdido, tendo à frente da estrada que seu combate à inflação deverá percorrer os cadáveres dos derrotados nas batalhas antiinflacionárias anteriores - do Cruzado I ao Plano Calote - quer lançar a culpa de sua perdição sobre o Poder Legislativo, sobre a rigidez e o falso engessamento que estaria provocando a crise das finanças públicas. Os partidos e candidatos vitoriosos não têm o pudor para declarar aos eleitores que eles nunca tiveram plano algum de governo, que o engessamento e a incapacidade de ação são causados por um sistema que entregou aos banqueiros e à especulação mais de 60% das receitas ordinárias, que as dívidas com a saúde, com os funcionários, com as empreiteiras, com a educação, com as estradas esburacadas, com as crianças analfabetas, com os sem-teto e os sem-terra já escreveram em negro as prioridades reais e balizaram os próximos anos de um governo refém de heranças malditas.

A única saída apresentada pela social-democracia brasileira, tão falida quanto a extinta social-democracia européia, é a privatização, a terceirização dos serviços públicos, da aposentadoria, da saúde pública, da seguridade social, da segurança, da educação, do sistema viário, do socorro às crianças abandonadas, do socorro e ao abandono e sucateamento da terceira idade. A população que pagou pelos serviços privados, que foram assaltados e malversados por um modelo de desadministração pública co-autora do esbulho, poderá pagar de novo a hospitais privados, a escolas e universidade privadas, a seguradoras privadas, às estradas privatizadas, às creches falidas, os preços de mercado escorchantes cobrados de novo pelos serviços privatizados que já caminham para a falência, dão golpes nos usuários, deterioram as promessas de atendimento. E os brasileiros que perderam os benefícios da seguridade pública e social agora poderão retirar de seus 2.820 dólares de renda per capita, de seu salário mínimo de 112 reais, o dinheiro magro e sofrido, inexistente quase, para pagar médicos, professores, estradas, aposentadorias terceirizadas pelos sociais-democratas ao leme da nau sem rumo...

Sem saber o que fazer, totalmente inconsciente em meio da hipnose em grupo produzida pelo movimento pendular dos combates fracassados à inflação, querem eles, os neojuristas, desconstitucionalizarem o Brasil, depois de terem desconstruído o Poder Executivo. De Chico Campos, os neo-neoclássicos não aprenderam as artes e quiromancias do direito constitucional burguês, apenas o conteúdo autoritário, despótico, antidemocrático que a ditadura do mercado livre exige para respaldar e legalizar a força e a coerção centralizadas no executivo "neoliberal".

E todas estas desventuras, somadas às contradições inerentes às relações internacionais, aos problemas dos desequilíbrios na balança comercial e nas contas correntes, à internacionalização do subsolo, à doação dos restos das empresas estatais, à oligopolização do petróleo, ao sucateamento do parque industrial, tudo isto sob o falso pretexto de fornecer recursos a um Governo que afirma que quer desgovernar, desconstruir, demitir, desempregar, emagrecer, laissez-faire, laissez-passer... Todo este caos será conduzido pelos descaminhos da perdição, para o Poder Legislativo, para o Senado, onde desembocarão seus poderes desordeiros e deletérios. Do Senado eles esperam o milagre de encontrar, na superestrutura jurídica, as respostas que o desgoverno não soube descobrir na infra-estrutura, nas condições reais e contraditórias da produção, da distribuição e do consumo coletivos.

A elite brasileira não precisa entender "As Palavras e as Coisas", "Les Mots et Les Choses", de Foucault, mas as palavras, a linguagem e os gestos das coisas violentadas e dos homens desesperados. Enquanto a Constituição e as leis deste País não se transformarem no repertório do direito à vida, do respeito à inquietude humana expressa no trabalho dos homens, em seu operar manual, em suas produções artísticas, em seu fazer cultural, em seu labor amoroso e curativo, medicinal, na construção da herança social transmitida pelo ensino, pela pesquisa, pelo estudo, em sua interação com a natureza da qual nós somos parte, em seu mover-se para o próximo, que não será o inferno, o agressor, o violentador, mas o nosso complemento indispensável, enquanto o direito não favorecer o abandono da placenta individualista e egoísta, a queda da prisão da propriedade privada que aprisiona nossas energias potenciais, aquelas leis serão ilegítimas, a ordem jurídica será sediciosa, a cooperação coletiva será obtida pela coerção e pela força e o direito elaborado e aplicado será o avesso, o oposto do tecido que a inteligência descompromissada sonha tecer com os fios do social, com os laços coletivos que interpenetram nossas individualidades inermes enquanto solitárias e narcisistas.

O chamamento à utopia e o apelo ao delírio que se tornou insano diante do tormento da realidade maldita são necessários para que os seres que não gostam de sonhar, que têm medo de sonhar porque seu sonhar está carregado de pesadelos, lembranças de um passado recalcado para as profundas do inconsciente, para que estes seres não-sonhadores se envergonhem diante do confronto entre a utopia dourada e a realidade modelada por seus sanhudos desejos de poder, por suas pulsões tanáticas, pelo pavor ao sonho em que inexistem as tramas rasteiras de um jogo sujo que eles pensam ser a ação política. Mas, felizmente, desde Aristóteles pelo menos, até Marx, Tiradentes e Guevara muitos sabem que aquilo não é política mas a utilização indevida de um nome. A rosa política existe sim. Sua realidade, seu aroma, seu colorido permanecem o que na realidade são, seu significado será sempre admirado por mais que o significante, o nome da rosa política se deteriore e apodreça.

Regarei com minhas forças pequenas, nos próximos anos, a minha rosa política, protegerei com meus desvelos a vida da rosa cujo trato a mim foi confiado pelas consciências incorruptas de meus eleitores. A eles prometo continuar a ser um sonhador e a cuidar, nos jardins da utopia, da essência, das raízes do existir social, do significante, da rosa em si, real, bela e ameaçada.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não. Com muito prazer, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Aguardei que V. Exª concluísse a leitura do documento, porque tenho a impressão de que é exatamente o que V. Exª escreveu quando se candidatou à Presidência da Casa. E o que quero assinalar neste instante é a linearidade do seu pensamento. O que V. Exª escreveu naquele momento, pôde repetir hoje, sem nenhuma contradição. E o que é mais: o que V. Exª prevê dos inconvenientes da política de liberalização, os fatos o confirmam. Parabéns a V. Exª.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço muito as palavras do eminente Senador Josaphat Marinho, que engrandecem e dão um fecho de ouro às minhas modestas palavras, escritas há cerca de 2 anos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/02/1997 - Página 3932