Discurso no Senado Federal

COMENTANDO REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO DO ULTIMO DIA 2, SOBRE O ALTO INDICE DE VIOLENCIA CONTRA AS MULHERES NO ESTADO DO ACRE.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • COMENTANDO REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO DO ULTIMO DIA 2, SOBRE O ALTO INDICE DE VIOLENCIA CONTRA AS MULHERES NO ESTADO DO ACRE.
Publicação
Publicação no DSF de 07/02/1997 - Página 3941
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, AUMENTO, INDICE, CRIME, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, ESTADO DO ACRE (AC), EFEITO, DESEMPREGO, SITUAÇÃO SOCIAL, DESAJUSTAMENTO, ECONOMIA, REGIÃO.
  • DEFESA, APOIO, INICIATIVA, COMBATE, VIOLENCIA, MULHER, REVISÃO, CODIGO PENAL, REFORÇO, DELEGACIA, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, POPULAÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Para uma breve comunicação. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal O Estado de S. Paulo, em matéria publicada no dia 2 do corrente, dá conta de que as agressões cometidas contra as mulheres atingem, proporcionalmente, um dos maiores índices no meu Estado, o Acre, particularmente em um bairro denominado Cadeia Velha. Realmente, o número registrado na Delegacia especializada é bastante alarmante, por se tratar de um bairro de periferia, onde a grande maioria das vítimas são mulheres envolvidas em relações amorosas e afetivas.

Levantamento feito pelo Cedepe indica que, de 1992 a 1996, ocorreram, no meu Estado, lamentavelmente, 67 assassinatos, dos quais 80% estavam no âmbito das relações amorosas e afetivas. Ou seja, eram companheiros ou namorados que assassinaram suas esposas ou suas namoradas.

Quero registrar aqui que uma série de iniciativas vem sendo tomada, principalmente na tentativa de se fazer face ao processo de violência que acontece contra as mulheres, uma violência que ocorre em todos os níveis. As mulheres agredidas, mesmo quando procuram socorro nos serviços de saúde, ainda são agredidas novamente, pois são destratadas, são recebidas muitas vezes com galhofas, porque foram agredidas por seus maridos, e as pessoas não compreendem que, por mais divergências que haja, ou mesmo que uma companheira rejeite, do ponto de vista amoroso, o seu companheiro, isso não lhe dá o direito de agredi-la fisicamente. Muitas vezes, esse atendimento é secundarizado, e essas pessoas não são atendidas com a prioridade necessária, o que certamente deixa muitas seqüelas. Por exemplo, se chegarem duas pessoas: uma mulher que foi agredida pelo marido, porque supostamente cometeu um erro, e outra pessoa que sofreu outro tipo de problema, é claro que esta segunda seria atendida com prioridade, porque, de acordo com essa mentalidade preconceituosa, a primeira teria que continuar a ser punida com o seu castigo.

Aconteceu, recentemente, uma reunião promovida pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Mulher - a pessoa que está à frente desse órgão tem um compromisso muito grande com o assunto e tem também um entendimento muito grande sobre a questão feminina, a Drª Rosiska -, que propõe um plano de ação nacional de gênero. Esse plano de ação nacional de gênero seria a implementação da plataforma de Beijing e trata de várias questões atinentes aos mais diferentes setores como saúde, educação, segurança, para uma verdadeira cruzada, a fim de oferecer condições de cidadania para as mulheres.

E podemos destacar aqui, do ponto de vista do combate à violência contra a mulher, que lamentavelmente o meu Estado aparece como sendo um dos recordistas. A implementação dessa plataforma indica algumas ações como, por exemplo, a revisão do Código Penal, para que tenhamos leis atualizadas e não tratemos mais as mulheres como incapazes e como tuteladas por seus maridos, por seus irmãos mais velhos ou até mesmo por seus filhos, já que parece que sempre somos consideradas incapazes. Quando não é o marido o nosso tutor, se não o temos e somos viúvas ou separadas, automaticamente, muitas vezes, o filho mais velho assume essa posição. Quando não somos casadas, é o nosso irmão ou nosso pai que continua regendo a orquestra da dominação feminina. Então, há um processo de reformulação das leis, para que sejamos tratadas como pessoas capazes e não como seres que, por sua incompetência, devam ser tutelados por alguém.

Um outra idéia é a criação de albergues ou casas-abrigo para abrigarem aquelas mulheres, com seus filhos, identificadas como passíveis de serem assassinadas por seus ameaçadores. Sabemos que isso diminui e muito o número de assassinatos, porque, muitas vezes, quando a vítima está sendo constantemente ameaçada e não tem para onde ir, geralmente acontece que o ameaçador cumpre as suas promessas.

Nesse sentido, temos o exemplo da Inglaterra, que tem 300 casas de abrigo para essas mulheres, o que diminuiu muito o índice de violência. No Brasil, é ínfima essa possibilidade, porque o número dessas casas é muito pequeno.

Uma outra ação no combate à violência é o fortalecimento das delegacias das mulheres, porque muitas estão sucateadas; o que temos ali são delegadas trabalhando a ferro e fogo, sem as mínimas condições, muitas vezes discriminadas dentro do próprio sistema de segurança, com comentários do tipo "aquilo não é delegacia de mulheres, é delegacia de fuxico, onde as mulheres vão falar mal dos seus maridos" e não têm a devida atenção por parte do Poder Público. A plataforma que tenta implementar as resoluções de Beijing também está atenta para isso.

Um outro aspecto muito importante é o que se refere à questão da educação. O maior índice de pobreza na população do planeta recai sobre as mulheres. E um dos fatos identificados é que, muitas vezes, a desqualificação profissional, o não-acesso ao conhecimento ou ao dito saber sistematizado fazem com que tenhamos que ficar sempre em profissões secundárias. Muitas vezes, recebemos salários menores por atividades iguais, mesmo quando temos o mesmo nível de competência profissional - todos sabemos que não existe essa diferença de inteligência entre os dois sexos.

Como disponho de cinco minutos, Sr. Presidente, faço apenas esse registro, porque o Estado de São Paulo coloca o Acre como um dos Estados com maior índice de violência contra a mulher, proporcionalmente falando. Na verdade, o desemprego, a falta de condições sociais e a desagregação econômica e social do meu Estado têm levado a uma desagregação de valores. Pessoas que moravam nas suas colocações, famílias inteiras hoje estão em periferias, vivendo nas piores condições, em lugares onde não há acesso à educação, a condições dignas de vida; é um espaço propício para que atitudes dessa natureza aconteçam e proliferem com uma força muito grande, o que é lamentável.

Parabenizo aqui tanto as ações que estão sendo feitas por pessoas ligadas a instituições, quanto o próprio trabalho do movimento de mulheres no sentido de que estas deixem de ser vítimas desse tipo de atitude, que muitas vezes chega até à sua eliminação física.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/02/1997 - Página 3941