Discurso no Senado Federal

CAMPANHA DA FRATERNIDADE DA CNBB, COM O TEMA 'A FRATERNIDADE E OS ENCARCERADOS'. DEFENDENDO A REFORMULAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIARIO BRASILEIRO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • CAMPANHA DA FRATERNIDADE DA CNBB, COM O TEMA 'A FRATERNIDADE E OS ENCARCERADOS'. DEFENDENDO A REFORMULAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIARIO BRASILEIRO.
Aparteantes
Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DSF de 28/02/1997 - Página 4694
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • ANALISE, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), OPORTUNIDADE, PRESO, REINTEGRAÇÃO, SOCIEDADE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, INTERIOR, PRESIDIO, PAIS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há muito gostaria de ter me pronunciado sobre o tema da Campanha da Fraternidade da CNBB, entidade com que tenho um relacionamento de muitos anos, pois aprendi na sua cartilha a também trabalhar as questões sociais.

A CNBB sempre foi uma referência onde buscamos parceria na luta contra a opressão, na defesa dos oprimidos, dos menos favorecidos. E agora ela dá demonstração, mais uma vez, do seu compromisso, quando propõe uma campanha que trata de um tema extremamente difícil de ser tocado neste País, mas bem oportuno, que é "A Fraternidade e os Encarcerados".

A CNBB, tenho certeza, pautou-se pelos ensinamentos bíblicos no compromisso social, e o fez no momento em que estamos comemorando dois mil anos da fundação da Igreja de Jesus Cristo no mundo, com o seu objetivo de anunciar boas novas aos pobres, liberdade aos cativos, aos oprimidos, de dar vista aos cegos.

Sabemos que não se trata apenas de uma questão religiosa, filosófica, é também um compromisso social e com os direitos humanos.

Talvez nós, cristãos, que estamos acostumados a ver uma grande e belíssima oratória ou pregação em nossas Igrejas, sejam elas protestantes ou católicas, pudéssemos até pensar que esses são apenas princípios que nos levam a Deus. Mas não. Também são princípios de compromisso do homem com o homem, dessa criatura de Deus.

Uma das coisas memoráveis da Bíblia é ser ela para cada cristão não apenas um livro de reflexão, mas de compromisso e de exortação, sobretudo aos covardes, àqueles que não têm coragem de colocar - em linguagem popular - o dedo na ferida; àqueles que não se comprometem; àqueles que não se envolvem nas causas sociais, porque querem manter o seu status.

São muito mais profundos os ensinamentos que recebemos da Bíblia, por isso dissemos que dois mil anos da fundação da Igreja de Jesus Cristo significam compromisso, porque anunciam as boas novas.

A CNBB, anunciando as boas novas, nessa campanha, fala a respeito da fraternidade com os encarcerados. E sabemos que falar dos direitos humanos neste País é muito difícil, porque logo imaginam que queremos dar pão-de-ló para os marginais.

Mas vejamos. Vivemos com os presídios abarrotados, superlotados; temos um sistema penitenciário que não reintegra de forma alguma nenhum indivíduo; convivemos todo o tempo com o medo, com a ameaça de vingança, com a rejeição, com a atuação dos policiais, com um risco tremendo, haja vista o que aconteceu em Carandiru e em tantos outros lugares.

Vivem juntos nos presídios marginais de alta periculosidade com o indivíduo que praticou aquilo que podemos identificar como um pequeno furto, como um pequeno deslize em sua vida. E lá está ele, condenado para todo o sempre. Sabemos que existem delegacias com espaço físico tão pequeno que é inferior a um metro quadrado para cada indivíduo; sabemos que existe revezamento entre os presos, para eles poderem dormir em determinados presídios, por falta de espaço.

A Lei nº 7.210/94 muda um pouco esse cenário. Mas temos que enfocar quais são as finalidades da pena privativa da liberdade. Uma delas é a punição retributiva pelo mal causado - está aí colocado claramente; a segunda é a prevenção de novas infrações por meio da intimidação - está aí colocado; e a terceira é a regeneração do condenado. As outras são até exageradamente cumpridas, mas o terceiro item, Sr. Presidente - V. Exª, que é um homem da lei, sabe perfeitamente disso - é ignorado.

A regeneração do condenado inexiste no nosso País. Precisamos tomar uma decisão e não ter medo de dizer que não podemos conviver com "fábricas de fazer marginais", produção que começa com a morosidade do Judiciário e vai até a perpetuação, nos presídios e penitenciárias, da convivência de seres humanos que são transformados em feras feridas, porque já feriram alguém ou já cometeram um delito. Há também aqueles que sequer delitos cometeram, mas, por erro judicial, ali também se encontram.

Temos que conviver com situações como a que foi publicada no jornal O Globo. No dia 8 de abril de 1996, o referido jornal publicou um fato que ocorreu no Rio de Janeiro. O preso Marcelo Medeiros Custódio, de 25 anos, foi condenado por furto, em 23 de fevereiro de 1995, a um ano de prisão com direito a sursis. Ficou em liberdade por oito dias; para averiguações, foi recolhido novamente à prisão. A Vara de Execuções Criminais não havia informado à Polinter sobre o sursis, e ele acabou por cumprir toda a sua pena em regime fechado, em uma das celas da 14ª Delegacia, no Leblon - que conheço. A pena de Marcelo acabou em 23 de fevereiro de 1996, mas, até hoje, o seu alvará de soltura não chegou.

Não é possível garantir a regeneração do condenado se não usarmos a lei para que ele possa verdadeiramente ser regenerado, com uma oportunidade de integração social.

O Sr. Ernandes Amorim - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço, com prazer, o aparte de V. Exª.

O Sr. Ernandes Amorim - Nobre Senadora, V. Exª está trazendo um tema a esta Casa que, há muito, já devia ter sido discutido. A Igreja está de parabéns pela iniciativa de trazer a público essa questão. Observamos, através da Imprensa, a situação dos presos. Parece até que são bichos e, como disse V. Exª, não têm condições de sobreviver ou de viver num lugar onde as pessoas dormem umas em cima das outras. Essa situação é desumana e não lhes dá condição de recuperação. Há necessidade de se fazer profundas mudanças no sistema penitenciário. O Governo Federal e esta Casa deveriam agilizar essa questão. O Governo, que a todo momento baixa medidas provisórias, deveria tomar providências no sentido de equacionar o problema. A esta Casa cabe aprovar leis, inclusive que dêem condições aos presos de trabalhar, nem que fosse trabalho forçado. Dever-se-ia dividir os presos em níveis de periculosidade: os mais perigosos teriam um tipo de recolhimento, os menos graves poderiam prestar serviços. As penas deveriam ser impostas de acordo com o grau do delito cometido. Tudo isso no sentido de se buscar meios para resolver esse grave problema. Vejo o Governo gastar milhões e milhões com a Justiça do Trabalho para cuidar de quase nada em relação ao sistema trabalhista, quando deveria criar mecanismos no próprio Judiciário para averiguar a situação dos presos; muitos deles têm condições de trabalhar fora das cadeias. Outros têm até condições de ser liberados, mas estão amontoados nas celas. No momento, o sistema de educação do País está falido; as crianças, em sua maioria, estão sem escola, sem emprego, e a tendência é o aumento da criminalidade, o aumento de presos. Como não há lugar para tantos, temos que buscar uma solução. Por isso, cabe a esta Casa e ao Governo Federal providências urgentes no sentido do equacionamento do problema.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o pertinente aparte de V. Exª, que só vem respaldar a nossa preocupação, que é o sistema penitenciário brasileiro.

V. Exª enfoca, com muita propriedade, a questão do trabalho do preso. Em 1995, fiz desta tribuna um pronunciamento a respeito e apresentei três projetos que tratavam do trabalho e da saúde do preso; acesso à cultura, ao esporte e a programas educacionais. O projeto está tramitando há dois anos com certa morosidade.

Espero que a Campanha da Fraternidade possa ajudar o Congresso Nacional brasileiro, no sentido de que os projetos que tratam dessa questão possam ser aprovados e sancionados pelo Presidente da República.

Gostaria de dizer que desejamos que se cumpra a lei com humanidade. Não podemos, de forma alguma, aceitar "feras feridas" - que é o que estamos vendo - e presídios que mais parecem jaulas, ocasionando medo, rebelião, fuga e sofrimento entre os policiais, os diretores e os familiares dos detentos, o que gera uma situação altamente constrangedora e perigosa por conta do abandono total em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro.

Temos hoje - pesquisas levantadas nos demonstram - 124 mil homens e 4.800 mulheres distribuídos em 55 mil vagas - V. Exª abordou esse fato. Não é possível conviver com uma situação dessas. Sabemos que isso traz um outro resultado: doenças. Não há assistência de saúde preventiva ou mesmo curativa.

Hoje, por coincidência, vimos no jornal O Globo reportagem dizendo que, no Rio de Janeiro, a Juíza Cristiane de Sá concedeu liberdade ao preso Gutemberg, porque ele, baleado, não fora recebido nos hospitais em que foi levado, não teve qualquer atendimento. Assim sendo, a juíza foi obrigada a pedir a sua liberdade, pois, caso contrário, o Estado estaria cometendo um assassinato, caso ele viesse a morrer por conseqüência do tiro que levara e por não ter recebido atendimento médico. Ela teve que tomar essa atitude mesmo sabendo que ele comprovadamente havia cometido o delito, porque foi preso portando 14 papelotes de droga. Foi constatado o crime; mesmo assim, a juíza foi obrigada a pedir a libertação do Gutemberg, uma vez que não lhe prestaram atendimento médico.

Isso não é possível. Não podemos conviver com essa escuridão. Não podemos conviver com esses dias difíceis, nos quais o Sistema Penitenciário encontra tantos entraves. Reporto-me agora ao Presidente em exercício, Senador Ramez Tebet, que, como homem conhecedor das leis, sabe que 85% dos presos não têm condições financeiras para pagar um advogado para cuidar dos seus interesses. Sabe também V.Exª que o número de defensores públicos está reduzidíssimo.

Não há atendimento em área nenhuma. Antes, morria-se de tuberculose - aliás, ainda há nos presídios -; hoje é a AIDS, para cujos pacientes em estágio terminal não há atendimento. Essa é a razão pela qual sou autora de um projeto segundo o qual devem ser soltos os pacientes de AIDS, em estágio terminal. Não há, para esses doentes, nenhum tipo de tratamento. Quem são esses encarcerados? São os pobres, são os jovens de classes populares, de diferentes regiões, costumes, mentalidades, comportamentos, religiosidades. Precisamos impedir que tenha continuidade, à luz dos nossos olhos, essa outra atrocidade, que é o abandono total dos presos. Não se trata de dar pão-de-ló aos presos, mas de dar-lhes ocupação, trabalho, assistência de saúde, fazendo com que ele se profissionalize, fazendo com que se possa garantir - e é essa a intenção do meu projeto - que os presos sejam mantidos com os recursos oriundos do seu trabalho.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me um aparte, Senadora?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Senador, lamento, mas a Mesa já me havia comunicado que meu tempo se encontrava esgotado. Lamento profundamente não poder conceder o aparte a V. Exª. Mas quero crer que todos teremos a oportunidade de abordar esse assunto, que é importante, apaixonante.

Mais uma vez, manifesto o meu apoio total a essa grande iniciativa. Quero estar engajada nessa campanha da CNBB, porque nós, evangélicos, protestantes, também prestamos relevantes serviços ao sistema penitenciário no sentido da recuperação e reintegração dos presos.

Acredito que esta Casa votará leis que possam beneficiar essa iniciativa da CNBB.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/1997 - Página 4694