Discurso no Senado Federal

EXIGENCIA INTRODUZIDA POR S.EXA. QUANDO DA ELABORAÇÃO DE SEU RELATORIO SOBRE O PROCESSO DO MUNICIPIO DE OSASCO-SP, PARA QUE A EMISSÃO DE TITULOS DOS MUNICIPIOS E DOS ESTADOS PUDESSE TER A ACEITAÇÃO DO SENADO FEDERAL. AUTORITARISMO E DESPOTISMO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • EXIGENCIA INTRODUZIDA POR S.EXA. QUANDO DA ELABORAÇÃO DE SEU RELATORIO SOBRE O PROCESSO DO MUNICIPIO DE OSASCO-SP, PARA QUE A EMISSÃO DE TITULOS DOS MUNICIPIOS E DOS ESTADOS PUDESSE TER A ACEITAÇÃO DO SENADO FEDERAL. AUTORITARISMO E DESPOTISMO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Publicação
Publicação no DSF de 01/03/1997 - Página 4802
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, EXIGENCIA, ORADOR, QUALIDADE, RELATOR, PROCESSO, PRECATORIO, MUNICIPIO, OSASCO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), NECESSIDADE, COMPROVAÇÃO, PAGAMENTO, DIVIDA, POSSIBILIDADE, ACEITAÇÃO, SENADO, EMISSÃO, TITULO DA DIVIDA PUBLICA, MUNICIPIOS, ESTADOS.
  • CRITICA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, TENTATIVA, IMPEDIMENTO, SENADO, CUMPRIMENTO, FUNÇÃO FISCALIZADORA, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).
  • CRITICA, AUTORITARISMO, INCOERENCIA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo tratar de maneira rápida de um assunto; em relação a outro, que considero principal, farei apenas uma introdução com rápidas pinceladas, porque necessito dos cinqüenta minutos a que temos direito quando nos inscrevemos para falar após a Ordem do Dia.

Portanto, inicio dizendo que grande parte dos problemas que estão se centrando na Comissão Parlamentar de Inquérito dos Precatórios poderia, talvez, ter sido evitada.

Quando relatei o processo originário da cidade de Osasco, introduzi uma exigência para que a emissão de Títulos dos Municípios e dos Estados pudesse ter a aceitação do Senado Federal: que os Municípios comprovassem que os recursos obtidos por eles, através da venda dos Títulos Públicos, tinham realmente se destinado única e exclusivamente ao pagamento das dívidas transitadas em julgado no Supremo Tribunal Federal, e que, portanto, as Disposições Transitórias da Constituição de 88 tinham sido obedecidas.

Pois bem, o que acontece é que, se não me engano, anteontem, meu nome foi referido por esse Sr. Wagner como se o fato de que eu tivesse sido o Relator daquele processo poderia constituir uma pia-abluente, uma forma de exclusão de suspeitas por parte desses ladrões do Erário, desses enganadores profissionais.

Quando relatava o processo de Osasco, fui procurado, através de um eminente Deputado de meu Partido, que tinha sido - se não me falha a memória - Prefeito daquela cidade, o eminente Deputado, médico, Arlindo Chinaglia, por um cidadão que, ao adentrar o meu gabinete, ficou sabendo, naquela ocasião, que nada lhe adiantaria a respeito do meu parecer, que estávamos elaborando ainda, e que, portanto, nada tinha a adiantar a esse senhor. Foi justamente aí que introduzi essa exigência a que me referi agora: da comprovação, por parte dos Municípios que queriam se valer do direito constitucional de emissão de Títulos Municipais - LFTMs - para o pagamento de precatórios, de que tinham, realmente, aplicado o resultado da venda dos papéis no pagamento de dívidas transitadas em julgado.

Por uma feliz coincidência, auxiliares do meu gabinete detectaram que o meu parecer, depois de aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos e neste plenário, havia sido publicado de forma incompleta, faltando, no meu parecer, justamente essa inovação moralizadora que eu havia introduzido.

O meu parecer foi republicado e, novamente, essa parte que calçava com maiores cuidados a emissão de Títulos para o pagamento de precatórios de novo foi suprimida, não foi publicada. Obviamente estranhei que aquilo pudesse ocorrer. E, aqui no plenário, manifestei à Mesa a minha estranheza diante do ocorrido. Naquele momento em que levava minhas preocupações à Mesa do Senado, dizia que entre o meu parecer - que, se não me falha a memória, foi de março do ano passado - e aquela data, em que, pela terceira vez, ele tinha sido publicado - agora, de forma completa, escoimado das falhas das duas publicações anteriores -, entre as duas datas, a Prefeitura daquele Município poderia ter realizado emissões de Títulos sem obediência às minhas exigências.

Portanto, se houvesse a exigência de se demonstrar junto ao Banco Central que o Município estava agindo corretamente em relação à emissão e aplicação de Títulos, LFTMs, referentes aos precatórios, obviamente essas falcatruas teriam tido fim, porque só os Municípios que tivessem agido corretamente na emissão anterior desses Títulos poderiam ter o direito de realizar novas emissões de Títulos destinados àquele fim.

Portanto, naquele momento em que eu alertava à Mesa a respeito do que havia acontecido, ocorria algo realmente muito suspeito, cuja suspeição aumenta na medida em que se percebe o tamanho da falcatrua, a capacidade de planejamento, a capacidade de congregação de pessoas e de instituições financeiras, criando esse colar de perversidade, cujo desnudamento assistimos, felizmente, pelo trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Assim, o que sabemos é que a tentativa do governo despótico de impedir a criação de CPIs, como aconteceu com a CPI do Sivam, como aconteceu com a CPI do Sistema Financeiro, prova que não apenas o Banco Central, seguindo o modelo Collor de Mello, demite, desarticula a sua Diretoria de Fiscalização. E quanto menos fiscalizar-se, em todas as áreas da administração pública, obviamente maior será o espaço para o crescimento, a expansão, a organização e a lucratividade dessas atividades subterrâneas e criminosas.

Parece-me, portanto, que existe, na Administração Pública brasileira, uma evidente despreocupação, uma evidente vontade de emagrecer as atividades fiscalizadoras, de impedir que o Senado Federal cumpra as suas funções fiscalizatórias, e que CPIs esclarecedoras possam vingar. Na medida em que se aprofundam as investigações feitas pela CPI, mostrando o envolvimento não apenas desses "laranjas" e desses corretores de terceiro escalão, mas o envolvimento de bancos nessas operações fraudulentas, é óbvio que aumenta a vontade, o desejo de que se barrem as investigações e a própria existência dessa CPI.

Sabemos muito bem que não é por coincidência que, depois de um confronto na Câmara dos Deputados, onde o Sr. Paulo Maluf se colocou contrário à reeleição, quando os choques e os embates por interesses partidários separaram o Sr. Paulo Maluf do Presidente Fernando Henrique Cardoso, vemos agora que, no momento em que as investigações da CPI lançam a sua luz esclarecedora sobre o comportamento suspeito do Prefeito Celso Pitta, as antigas aversões se transformam em abraços, amplexos fraternais. Tomara, queira Deus, que essa aproximação dos adversários de ontem não signifique uma aliança também no sentido de pressionar a CPI, para que ela não descubra aquilo que o próprio Banco Central, no primeiro turno das eleições municipais, havia levantado espontaneamente! A lebre foi levantada não pelo PT, mas pela própria Diretoria do Banco Central.

De modo que o fato alegado, de que o Sr. Wagner era funcionário antigo da prefeitura, encontrando-se lá quando a companheira Luíza Erundina era Prefeita, mostra apenas que ela não deu espaço para que o mesmo manifestasse as suas habilidades no campo do roubo, do crime e da locupletação das funções públicas; prova, ao contrário do que se pretendeu insinuar aqui, hoje, a honradez da Srª Erundina e de sua administração, que não permitiram que o Sr. Wagner desenvolvesse, naquele período, as suas óbvias habilidades nesse campo das atividades subterrâneas, ilícitas, criminosas.

Portanto, desejo agora passar para o início de um problema que me preocupa há muito tempo e que vejo agora, com uma certa satisfação, que também é preocupação de antigos amigos, amigos de 40 anos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, professores, pesquisadores, cientistas sociais. Entre eles, um estrangeiro, amicíssimo do Presidente, Alain Touraine, e, no Brasil, Francisco de Oliveira, que, entre outras coisas, disse, em entrevista, que havia chegado à conclusão, depois de 12 anos de trabalho junto ao Professor Fernando Henrique Cardoso, no Cebrap, que em Sua Excelência a vaidade superara a inteligência; e, com essa superação do narcisismo, obviamente a sua conduta poderia influir na dura luta pela democratização do País, criando obstáculos a esse processo, que é um processo larvar, muito difícil de ser conduzido no nosso contexto. Também José Arthur Giannotti, amigo de 40 anos, que havia feito declarações alinhadas e em apoio ao momento inicial do Governo de Fernando Henrique Cardoso, e que é hoje Presidente do Cebrap, órgão de pesquisa criado pelo próprio Professor Fernando Henrique Cardoso, diz agora que teme que estejamos caminhando para o despotismo esclarecido.

Pois bem, Fernando Henrique Cardoso, o Professor, é doutor de borla e capelo em matéria de autoritarismo, porque escreveu um livro excelente intitulado "Autoritarismo e Democracia". Sua Excelência, portanto, o Presidente da República, deve perceber, ou pelo menos desconfiar do que está acontecendo na sociedade brasileira, em diversos setores, como as reações do Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, que tem por objetivo tentar preservar a independência do Judiciário, as reações que levaram, pela primeira vez na história, juízes à rua, indicando que a insatisfação não se encontra apenas na casa dos desempregados, na casa dos sacrificados e espoliados pelos R$112,00, na casa dos marginalizados, na casa dos sem-terra, mas também no Supremo Tribunal Federal, também entre os juízes, existe uma reação contra a capacidade que tem demonstrado o Presidente da República e o Poder Executivo de imiscuir-se nos outros Poderes.

Há quanto tempo, não apenas eu, esta voz humilde do Partido dos Trabalhadores, mas também Senadores de outras agremiações políticas têm acusado o Governo Federal, o Poder Executivo de uma hipertrofia, de um gigantismo inaceitável, que, obviamente, parece conduzir a centralização despótica do Poder, que é o vizinho próximo do fascismo, como alerta o próprio Presidente, digo, Professor Fernando Henrique Cardoso em seu livro "Autoritarismo e Democracia", que analisarei, se tiver tempo, na próxima semana.

Este caminho me faz lembrar de Mussolini, que também era socialista antes dos anos 20. Ele desarticulou os sindicatos e, se houvesse movimentos de sem-terra lá, ele também os desarticularia, como também desarticularia outras formas de organização da sociedade.

O sistema corporativista de Mussolini, inspirado por Mihail Manoilesku, o autor do livro "Le Siècle du Corporatisme", e por espíritos de outros intelectuais, aproveitou a estrutura sindical existente depois de esvaziar a organização sindical de seu conteúdo político. Agora, querem - e está ocorrendo - os sindicatos desmoralizados, os sindicatos sem conseguirem uma vitória sequer, os sindicatos esvaindo-se, devido à sua completa incapacidade de ação, promovida por este contexto que só pensa em arrocho e que considera qualquer reposição salarial como um crime de lesa majestade.

Nem o Supremo Tribunal Federal pode reconhecer os 28% a que fazem jus os funcionários do Executivo, quando os do Legislativo e os do Judiciário já conquistaram esse direito líquido e certo. Portanto, tudo parece um crime contra o Real, um crime contra a realeza, um crime contra a estabilidade dos preços.

O Presidente, o Sociólogo Fernando Henrique Cardoso sabe que isso é uma dominação de uma sociedade por um índice de preço. É o índice de preço que nos domina, que faz com que o Supremo Tribunal Federal não possa falar e nem proferir sentenças. É um índice de preço que impede que exerçamos aqui a nossa função de legislar e de fiscalizar.

Somos escravos de um índice de preço. Isso é fetichismo puro, sabe muito bem o Professor Fernando Henrique Cardoso.

Caminhamos seguramente ao desfazermos as conquistas dos trabalhadores, seus direitos conquistados a duras penas e num longo processo, permitindo que os empregadores demitam à vontade, que o contrato temporário de trabalho se instaure numa sociedade em que o trabalho informal, o trabalho dos sem-carteira, o trabalho daqueles que não chegaram a dar o primeiro passo no sentido da conquista da cidadania se estenda a uma grande massa de trabalhadores brasileiros. É preciso reduzir o custo do desemprego, para desempregar mais gente e mais barato. Enquanto isso: tudo ao capital.

Fernando Henrique Cardoso escreveu tantas vezes que o capitalismo é isso, que o capitalismo tende, de acordo com a expressão marxista usada por Sua Excelência, a aumentar, na composição orgânica do capital, a parte do capital constante de máquinas, equipamentos e matérias-primas, em detrimento da parte humana do capital, porque é o capital variável que produz lucro, riqueza, e que obviamente é o responsável pela transformação do mundo. Portanto, é natural que se pretenda salvar os bancos, que se pretenda salvar os exportadores, que se pretenda salvar os 15 setores, pelo menos, diz o Ministério da Indústria e Comércio, dos que foram destruídos pela avalanche das mercadorias importadas a uma taxa degenerada de câmbio.

E para terminar essa minha introdução, vemos, em todos os setores da vida, não apenas diante do movimento dos trabalhadores sem terra, que eles estão sendo abandonados pelo Ministério da Reforma Agrária, como já foram há muito tempo pela Justiça, pelo Poder Judiciário do Brasil, e que estão sendo castigados, sem julgamento, pelo próprio aparelho judicial brasileiro.

Por que esta reação repentina e orquestrada contra o Movimento Sem-Terra? Por quê? Porque Noam Chomsky e, depois dele, Celso Furtado, tanto quanto muito de nós outros, disseram que o Movimento dos Sem-Terra é o fato mais importante do Brasil de hoje. E Sua Excelência, cercado de poder, cercado de áulicos, cercado de suas condecorações e áureas, não pode admitir que haja alguém mais bonito do que ele; não pode admitir que o Movimento dos Sem-Terra, desses trabalhadores pobres e sujos, possa ser considerado, pela inteligência do mundo, como superior em importância ao próprio Governo.

E lá, ao falar com Sua Santidade, o Papa, fez a intriga, queria - pensava Sua Excelência - retirar o movimento social da Igreja das proximidades do Movimento dos Sem-Terra.

Ontem, na Folha de S.Paulo, o jornalista Clóvis Rossi disse que não estava havendo nada que indicasse qualquer perigo de despotismo; não do despotismo esclarecido, penso eu. Mas o pior é que esse despotismo moderno é muito pouco esclarecido. Parece que o brilhante jornalista Clóvis Rossi teve uma obliteração de sentidos, uma perda momentânea de sentidos e não está percebendo aquilo que tantas pessoas vêem: o autoritarismo, o despotismo que estão presentes no Governo de Sua Excelência FHC. A vontade de se perpetuar, o continuísmo que está aí através da reeleição, é obviamente outro dedo do gigante.

Pretendo parar por aqui, porque meu tempo já está encerrado, mas prometo que na próxima semana irei mostrar que o Professor Fernando Henrique Cardoso sabia de onde vinha o nosso autoritarismo. Diz ele em seu livro: "O autoritarismo brasileiro provém da Península Ibérica, de Portugal e Espanha, e aqui obviamente foi-se transformando e o que determina as feições, a característica do nosso despotismo político, do nosso autoritarismo político, vizinho - como diz ele - do fascismo, muitas vezes, é a acumulação de capital e as contradições do processo de acumulação de capital."

E quando a acumulação de capital no Brasil entra em crise, o despotismo se transforma, o autoritarismo do Governo se transforma; é diferente do autoritarismo militar, é diferente dos outros autoritarismos porque, agora, as contradições do processo de acumulação adquiriram características específicas. E é essa infra-estrutura contraditória, econômica que, de acordo com Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo, determinam, em última instância, as características do autoritarismo brasileiro e sul-americano.

Ele, aí, foi brilhante. Ele realmente soube entender, como poucos brasileiros o fizeram, a influência, a interação em que a acumulação se transforma na chave das explicações para as mudanças da superestrutura política e de suas tendências autoritárias.

Infelizmente, apesar de Sua Excelência ter entendido o processo, parece que, ao se colocar no centro do poder, a proximidade dele com o fato que ele dirige agora tornou-o incapaz de perceber as características determinantes, específicas do autoritarismo neoliberal, do autoritarismo e do despotismo do Governo que aí está.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/03/1997 - Página 4802