Discurso no Senado Federal

AUDIENCIA CONCEDIDA PELO PRESIDENTE DO SENADO A UMA COMITIVA DE EXTRATIVISTAS DA AMAZONIA, COM A PRESENÇA DE S.EXA. E DO SENADOR JEFFERSON PERES, EM LUTA POR UMA POLITICA DE PREÇOS PARA A BORRACHA. NECESSIDADE DE UMA REFORMA AGRARIA ESPECIAL PARA A AMAZONIA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • AUDIENCIA CONCEDIDA PELO PRESIDENTE DO SENADO A UMA COMITIVA DE EXTRATIVISTAS DA AMAZONIA, COM A PRESENÇA DE S.EXA. E DO SENADOR JEFFERSON PERES, EM LUTA POR UMA POLITICA DE PREÇOS PARA A BORRACHA. NECESSIDADE DE UMA REFORMA AGRARIA ESPECIAL PARA A AMAZONIA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/03/1997 - Página 4859
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, JEFFERSON PERES, SENADOR, AUDIENCIA, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, PRESIDENTE, SENADO, REIVINDICAÇÃO, GRUPO, ATIVIDADE EXTRATIVA, SERINGUEIRO, POLITICA DE PREÇOS, BORRACHA, GARANTIA, ESCOAMENTO, PRODUÇÃO, ABERTURA DE CREDITO, EXECUÇÃO, REFORMA AGRARIA, REGIÃO AMAZONICA, RESERVA EXTRATIVISTA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Primeiramente gostaria de agradecer ao Senador Eduardo Suplicy esta oportunidade.

Sr. Presidente, quero registrar que, acompanhada do Senador Jefferson Peres, tivemos uma audiência com o Presidente desta Casa, Senador Antonio Carlos Magalhães, que recebeu uma caravana de extrativistas da Amazônia vindos de todos os Estados daquela região. Os extrativistas reivindicam do Governo Federal uma política de preço justo para a borracha, bem como a garantia do escoamento da produção, com o intuito de que essa política de preço assegure, pelo menos, um salário mínimo para cada família de seringueiro, atualmente com uma renda mensal de apenas R$13,50.

Outra reivindicação do grupo é a que trata de uma linha de crédito para o extrativismo - proveniente do PRODEX e já aprovada pelo BASA - que precisa ser imediatamente implementada com juros baixos e sem burocracia. Pedem, também, uma reforma agrária especial na Amazônia, contemplando as reservas extrativistas, principalmente os projetos de assentamento extrativista, que seria uma reforma agrária diferenciada, ao invés dos tradicionais lotes quadrados que o Incra tem feito durante esses tempos na Amazônia.

Faço questão de deixar registrada aqui a forma original como o Senador Antonio Carlos Magalhães recebeu os extrativistas da Amazônia. Quando eles me pediram essa audiência, para tentar sensibilizar o Congresso Nacional, disseram que gostariam que todos fossem recebidos - e são 250 extrativistas, do Acre, do Amazonas, do Amapá, de Roraima, do Tocantins, de Rondônia, do Pará, enfim, de toda a Amazônia. Confesso que lhes falei que ia tentar, mas que não era um procedimento corriqueiro, porque, afinal de contas, eram muitas pessoas. O Senador Antonio Carlos Magalhães, sensível ao desejo dos extrativistas, que vieram de tão longe, enfrentando muitas horas de barco, muitas horas a pé, andando nas piores condições até chegar às cidades, ônibus, três dias na estrada até aqui chegar, S. Exª nos atendeu, quem sabe, já dando encaminhamento ao compromisso que assumiu quando da morte do Senador Darcy Ribeiro de ajudar os extrativistas da Amazônia, fazendo valer as suas idéias por intermédio do Projeto Caboclo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o que temos aqui são 250 representações, de seringueiros, de babaçueiros, de castanheiros, de pescadores, que se deslocaram do interior da Amazônia para, em solidariedade aos seringueiros, cobrar do Governo Federal, uma política de preço adequado para a nossa borracha. Essas pessoas já foram responsáveis por 40% das exportações deste País. A Amazônia já teve o seu período áureo. Recentemente, o Senador Bernardo Cabral fez um registro, nesta Casa, da opulência que foi a empresa extrativista na Amazônia quando construiu uma das mais lindas e belas obras de arte, que é o Teatro Amazonas, hoje recuperado, que faz parte daquele período de grande fartura, como diziam os seringueiros, quando, muitas vezes escravizados por patrões inescrupulosos, tinham como ser aviados - por intermédio das casas aviadoras - e tinham assim um meio de vida para suas famílias. Hoje, já não contam mais com nenhum tipo de apoio; estão abandonados. Faço questão de registrar a presença de quatro bravas mulheres: D. Raimunda de Oliveira e D. Francisca Moreira da Silva, de Brasiléia, ambas da Reserva Extrativista Chico Mendes; D. Raimunda da Silva, do Tocantins, que é da direção nacional dos seringueiros, uma mulher brava, valente, que tem trabalhado junto às quebradeiras de coco e também é quebradeira de coco; e D. Neide Marques Coelho, do Laranjal do Jari, no Estado do Amapá. Essas mulheres vieram aqui para pedir solidariedade a esta Casa porque sabem do sofrimento a que hoje as suas famílias estão submetidas.

Tive a oportunidade, Sr. Presidente, de visitar casas de seringueiros que não puderam me receber porque não tinham roupas para vestir. Muitas pessoas, chorando, diziam que hoje não têm como comprar um quilo de sal para poder colocar no peixe ou na caça que matam para se alimentar. Muitos são obrigados a acender uma fogueira no terreiro durante a noite, porque já não contam com nenhum recurso para comprar o querosene que acenda suas lamparinas. Eu poderia debulhar um rosário de mazelas que essas pessoas estão vivendo, muito embora já tenham feito muito por este País e continuem fazendo.

As 160 mil famílias de extrativistas, de seringueiros que ainda vivem nos altos rios, que ainda vivem nos seringais, prestam um serviço muito importante ao Governo brasileiro. Se nós tivéssemos que pagar guardas florestais, fiscais do Ibama nessa grande quantidade para tomar conta da floresta amazônica, para evitar a verdadeira espoliação, o verdadeiro saque que é feito por madeireiros inescrupulosos, o Governo iria gastar bilhões de reais. No entanto, essas pessoas, essas mulheres, aqueles homens meio-cidadãos, meio-cidadãos porque não têm acesso à saúde, à educação, a nenhum tipo de apoio por parte do Estado brasileiro, tomam conta da floresta amazônica, garantem a presença do Brasil nas nossas fronteiras. E o tratamento que recebem, muitas vezes, é a indiferença.

Contra essa indiferença, eles vieram pedir o apoio devido ao Congresso Nacional; do Presidente da República, uma política de preços para a borracha, a modernização do extrativismo, a implementação dos sistemas agroflorestais ou o Projeto Caboclo, do Senador Darcy Ribeiro, com o qual nós nos comprometemos a ajudar.

Fiz questão de avisar a cada Senador da Amazônia que hoje teríamos essa manifestação. Muitos estão solidários. Tive o apoio do Senador Jefferson Péres, que nos acompanhou na audiência. Espero que consigamos marcar uma audiência com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que Sua Excelência faça o mesmo que fez o Presidente do Congresso Nacional, que não se negue a receber a representação dessas pessoas que, com muita dificuldade, chegaram aqui. Sabe Deus o que passamos para conseguir ônibus, alimentação e alojamento para essa viagem.

Espero que o Presidente da República, que tem dito, dentro e fora do Brasil, que pretende dar tratamento adequado aos problemas da Amazônia, comece por responder ao desafio de fazer justiça social aos 17 milhões de amazônidas que vivem naquela região - nos 50% do território nacional desconhecido pelo Brasil, mas que tem uma riqueza cultural, econômica, social e, acima de tudo, é um exemplo para o Brasil e para o mundo - mostrando como é possível desenvolver um região preservando-a, sem causar os problemas que sabemos já ter acontecido no resto do mundo.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

A SRª MARINA SILVA - Com muito prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Expresso meu apoio e solidariedade a V. Exª e a todos aqueles que trabalham na Amazônia com os seringais. É muito importante que possa hoje o Congresso Nacional estar atento às reivindicações dos seringueiros e que o Presidente Fernando Henrique Cardoso venha a recebê-los. Não pude comparecer à audiência com o Presidente Antonio Carlos Magalhães porque tinha um compromisso em São Paulo e cheguei há pouco, mas acompanharei V. Exª na vigília que estarão fazendo perante o Palácio do Planalto todos aqueles da Amazônia que vieram aqui com essa finalidade. Avalio que precisamos estar ainda acompanhando e levando adiante os ensinamentos de Chico Mendes, nós que tantas vezes aqui o homenageamos; o mundo inteiro tem reverenciado a sua memória pelo trabalho e sobretudo por ter mostrado como é possível as pessoas viverem da exploração da borracha no meio da floresta, preservando-a, sabendo tirar o usufruto daquilo que é a sua riqueza, mas, ao mesmo tempo, fazendo com que essa floresta tenha condições, cada vez mais, de dar sustento digno às pessoas que ali trabalham, com maior racionalidade. A forma cooperativa, que tive a oportunidade de conhecer em Xapuri, não apenas com os que trabalham com a borracha, mas também com a castanha, está a indicar um caminho extremamente positivo e interessante. O Projeto Caboclo, do Senador Darcy Ribeiro, leva em conta exatamente a experiência das pessoas que sabem conviver com a floresta, que sabem usufruir dos seringais, da borracha, da castanha, de todas as frutas, da caça e da pesca, de tudo aquilo que a floresta dá, sabendo aproveitar também a riqueza da madeira, sem a destruição da floresta. Um dos aspectos importantes do Projeto Caboclo é o estímulo à forma cooperativa de produção, condizente com os costumes, com os valores, por exemplo, da população indígena, como também de todos aqueles que miscigenaram com os índios, toda a população cabocla. Assim, é muito importante darmos maior atenção àqueles que hoje comparecem a Brasília. Nosso apoio a V. Exª.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço o aparte. Sei que V. Exª tem grande sensibilidade quanto aos temas sociais, principalmente no que se refere à questão ambiental. V. Exª tem sido um aliado muito forte no Congresso Nacional. Agradeço sua presença na nossa vigília em frente ao Palácio do Planalto.

Convido também os Senadores da Amazônia, Senadores Bernardo Cabral, Ademir Andrade e todos aqueles que estão em seus gabinetes, para comparecerem à audiência com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, caso ele nos receba. O Governador do Amapá ficará aqui até às 19 horas de amanhã e comprometeu-se a ir conosco à audiência, para mostrar o quanto é importante uma política adequada para o problema da borracha no nosso País.

Estamos apresentando diversas reivindicações. Algumas delas precisam ser atendidas imediatamente, mas as outras são de longo prazo, já que são estruturais, como a questão da modernização do extrativismo, a diversificação da nossa produção e a utilização adequada dos nossos recursos florestais. Sabemos que já temos pesquisa e tecnologia para extrair os nossos recursos madeireiros e as nossas riquezas florestais, sem destruir e nem devastar a floresta.

Um dia desses, numa conferência, um professor amigo meu disse que eu precisava ter muito cuidado quando falasse das coisas da Amazônia, pois os pesquisadores ficam ouvindo e anotando para depois saírem pesquisando. Ele estava se referindo exatamente a uma batata citada como exemplo - já que o Senador Eduardo Suplicy mencionou nossos recursos biológicos - chamada surucucuína. Essa batata é utilizada como soro no combate ao veneno de animais peçonhentos, como é o caso da cobra e de algumas aranhas. Nesse caso, essa batata é utilizada pelos seringueiros como um soro que faz o mesmo papel do soro antiofídico. Segundo ele ainda, alguns pesquisadores já estão se emprenhando para descobrir como isolar o seu princípio ativo.

Portanto, são muitos os que gostariam de tirar algum proveito das nossas riquezas; são muitos os que gostariam de tirar algum proveito dos nossos segredos, das nossas lendas, enfim, da nossa cultura tradicional, do saber da nossa população tradicional. Mas são poucos ainda aqueles que estão verdadeiramente empenhados em dar uma resposta para o problema dos que não têm sequer como comprar roupa para cobrir seus filhos, sua filhas, suas esposas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos aqui nesta via crucis, saindo dos seringais, atravessando rios, florestas, lagos, nas piores dificuldades, para sensibilizar o Brasil dessa sua outra metade. Se Narciso acha feio o que não é espelho, seria bom que fosse refletir-se nas margens do rio Amazonas; seria bom que fosse refletir-se nos olhos das crianças que, muitas vezes, lacrimejam por não terem o que comer. E se muitas vezes têm, é o peixe ou a caça que a mãe cozinha sem sal, sem pimenta-do-reino, sem alho, como muitas vezes reclamam para mim. É difícil trabalhar das quatro e meia da manhã às dezoito horas para um dia de serviço valer menos do que uma lata de leite em pó. Talvez essa linguagem pareça um pouco distante, mas é parte da realidade do Brasil. Do Brasil que precisa conhecer o Brasil.

E aqui, Dona Raimunda, Dona Francisca e Dona Neide trazem muita coragem, olhando em nossos olhos e, com certeza, dependendo das ações que tivermos, farão refletir nos olhos das demais companheiras a esperança de que o Presidente nos receba - espero - , que o Ministro da Reforma Agrária encaminhe a reforma adequada para a Amazônia e que o Ministério do Meio Ambiente identifique nos seringueiros, nas quebradeiras de coco, nos castanheiros, nos pescadores, os verdadeiros aliados que poderão ajudar a desenvolver a Amazônia.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/03/1997 - Página 4859