Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO POLITICO E POETA PARAIBANO, SR. RAIMUNDO ASFORA, POR OCASIÃO DOS 10 ANOS DE SEU FALECIMENTO.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO POLITICO E POETA PARAIBANO, SR. RAIMUNDO ASFORA, POR OCASIÃO DOS 10 ANOS DE SEU FALECIMENTO.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/1997 - Página 4981
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, RAIMUNDO ASFORA, POLITICO, POETA, ESTADO DA PARAIBA (PB).

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deveríamos começar a falar dizendo que estamos embalados por uma canção, cujo som mavioso parte dos poemas nordestinos e caminha para os clássicos mais conhecidos, para ao fim dizer que assim se passaram dez anos.

Há dez anos, Sr. Presidente, a Paraíba assistia à despedida de Raimundo Asfora. Político, poeta, amigo, às vésperas de ser empossado no cargo de Vice-Governador do Estado, resolveu opor à vida o último desafio. Estamos para crer na verdade de sua locução, quando foi encarregado de fazer o panegírico de Pedro Nava. Parodiando suas palavras, diríamos que sua forma intensa de viver cada momento nos autoriza a lamentar a perda nacional de seu desaparecimento.

Ele se matou. A hora escolhida foi numa certa madrugada. Exatamente à madrugada para quem dedicou toda a parte romântica e criadora de sua vida, reservou um instante para a morte. Essa morte com a qual brincava em motes aos repentistas nordestinos dizendo: "a morte está enganada/eu vou viver depois dela". Até que o repentista anônimo fixasse na memória popular o cenário.

Certa vez Raimundo Asfora

proferiu uma sentença

que só o homem que pensa,

que sofre, que ri, que chora,

que pede, suplica, implora,

diria coisa tão bela,

ou debocharia dela,

fazendo a cena engraçada:

a morte está enganada

eu vou viver depois dela.

Augusto dos Anjos foi chamado ao socorro do poeta, quando falava da morte de Pedro Nava:

      Morte, ponto final da última cena,

      Forma difusa da matéria imbele,

      Minha filosofia te repele

      Meu raciocínio enorme te condena.

Como a buscar serpentes que se encantem, a voz de Asfora busca caminhos nesse deserto. O deserto que carrega para cada sombra de suas dunas uma mensagem embalada pelo infinito, marca seus transeuntes com uma tatuagem eterna na alma. Asfora tinha n´alma essa lembrança nômade, carregada por seus antepassados em lombos de camelos pelo deserto. Tanto assim que convidou o poeta popular para glosar o mote de sua vida. São dois versos que se eternizam em glosas as mais diversas: "trago n´alma as tatuagens/da minha origem cigana...".

O poeta romântico, senhor da madrugada no melhor estilo belle époque, ombreava um cidadão, político, engajado, com firmeza de propósitos e uma clivagem ideológica que nem a morte sobrepujou.

Assistir a caravana dos sem-terra passar com uma assistência cega e corrupta da sociedade fere os brios de uma história das caravanas que passam incólumes, mas aos latidos de cães pelo deserto.

Vemos os sem-terra com uma ponta de responsabilidade de uma nação que trinta anos depois ainda permite mais um enterro formidável de sua quimera.

O sonho da reforma agrária é a forma de saudar Asfora nos dez anos de sua morte.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deixaremos para os Anais da Casa trechos de seu discurso na Assembléia Legislativa da Paraíba, comentando a morte do camponês João Pedro Teixeira:

      "Um tiro franziu o azul da tarde e ensangüentou o peito de um camponês. Foi assim que João Pedro morreu. Eu o vi morto, no Hospital de Sapé. Peguei na alça do seu caixão e, ao lado de outros companheiros e de milhares de camponeses, levei-o ao cemitério.

      Estava com os olhos abertos. A morte não conseguiu fechar os olhos de João Pedro. Brilhavam numa expressão misteriosa e estranha, como se tivessem sido tocados por um clarão da eternidade.

      Os seus olhos, os olhos de João Pedro, estavam escancarados para a tarde e, dentro deles, eu vi - juro que eu vi -, havia uma réstia verde que bem poderia ser a saudade dos campos ou o fogo da esperança que não se apagara."

Esperança e eternidade são instantes diários da luta pela terra. A esperança de, mantendo a luta, ferir o gosto pela eternização do problema por parte de uma elite descuidada que nossa nação construiu.

      Que a terra nos seja leve.

      Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/1997 - Página 4981