Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE OS MECANISMOS DE CORRUPÇÃO AINDA EXISTENTES NO BRASIL.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • REFLEXÃO SOBRE OS MECANISMOS DE CORRUPÇÃO AINDA EXISTENTES NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/1997 - Página 4671
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PREJUIZO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, EFEITO, EXECUÇÃO, CORRUPÇÃO, NECESSIDADE, COMBATE, FRAUDE, ECONOMIA, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os estarrecedores episódios revelados à Nação, nos últimos dias, pela CPI dos Precatórios, abrem uma excelente oportunidade de reflexão sobre os mecanismos de corrupção que já se supunha parte de um passado que o povo brasileiro não deseja ver repetido.

Nesse contexto, assumem importância transcendental a experiência e o alerta trazidos a esta Casa pela Juíza de Direito Denise Frossard, em depoimento à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania-CCJ, no ano passado.

Nada mais apropriado, nos dias que correm, Sr. Presidente, que a retomada do debate, de caráter universal, das causas e conseqüências da corrupção, com vistas ao provimento de medidas que, enfrentando-a com rigor, de forma definitiva, estabeleçam métodos de redução da sua tão freqüente incidência, especialmente em nosso País.

Veja-se, a propósito, o documento "Corrupção e Democracia", formulado por Moisés Naím, ex-Ministro da Indústria da Venezuela, e Norman Gall, Diretor Executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, segundo o qual a corrupção é um fato inarredável, a provocar "a privatização do interesse público, o uso de cargos públicos para ganhos pessoais", como uma endemia das "sociedades complexas, ao longo da experiência humana".

De fato, como assinalamos, a Juíza Denise Frossard trouxe à colação uma valiosa coletânea de estudos sobre corrupção, além de sua culta exposição, historiando que o fenômeno "infestou a administração do Império Romano, levou a China antiga à estagnação econômica, enfraqueceu as cidades-estados da Renascença Italiana, obstruiu o desenvolvimento político da Grã-Bretanha e acelerou o colapso do comunismo na Rússia e na Europa Oriental".

Nos Estados latino-americanos, conquistada a independência, na década de 1820, "apropriar-se dos recursos públicos tornou-se fácil graças à fraqueza e instabilidade dos novos governos formados depois do colapso do domínio imperial espanhol e português".

Na avaliação de Warren Dean, fundador do Instituto, "a troca de patrimônio estatal pelo ganho de curto prazo de interesses privados é um tema que se repete na história do Brasil, tão engenhosa e variadamente perseguido e tão arraigado que chega a parecer a verdadeira razão da existência do Estado".

Recentemente, porém, a corrupção, na área pública ou privada, transformou-se em questão política de magna relevância. Na Índia, Itália, Japão, Brasil, Coréia, México e Venezuela, as sociedades, negando o passado, mostram-se intolerantes, e os cidadãos invadem as ruas para destituir administradores acusados do delito.

"Seis chefes de Estado foram depostos, e centenas de ministros, legisladores e homens de negócios perderam seus empregos e sua liberdade", devido a escândalos de corrupção. Esses escândalos, é necessário enfatizar, acontecem, como se viu, em várias regiões do globo, independentemente de cada cultura e dos diferentes níveis de renda.

"Nos Estados Unidos e no Japão, conspirações criminais abalaram os maiores mercados financeiros do mundo. As instituições norte-americanas sofreram o impacto de criminosos de colarinho branco em conluio com políticos".

O roubo, perpetrado pelas empresas desonestas, de poupanças garantidas pelo governo na década de 1980 é classificado como "o pior escândalo público da história americana". A sua vez, os mercados japoneses eram invadidos por gângsteres profissionais.

"Em muitos países, o que antes era uma prática aceita de funcionários públicos, agora pode provocar desgraça e processo". Na Índia, investigação do Supremo Tribunal indiciou cerca de três dezenas de políticos veteranos, dos principais partidos, sob a acusação de recebimento ilícito de propinas e comissões.

No Japão, o primeiro-ministro, que chegara ao poder prometendo combater a corrupção, "renunciou em abril de 1994, em meio a acusações de desvio de fundos públicos".

Mencionemos, ainda, a existência de uma "imensa massa de créditos podres" no sistema financeiro japonês, avaliada entre 350 bilhões e - pasmem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores - 1 trilhão de dólares.

Reportagem da Business Week revela que acusações e contra-acusações, denotando a cooperação entre elites do Ministério das Finanças, políticos, diretores de bancos e gangues de criminosos, levaram à renúncia, em janeiro deste ano, do primeiro-ministro socialista.

Acabara de anunciar um operação de salvação, ao custo aproximado de 7 bilhões de dólares, dos bancos de crédito imobiliário, cooperativas de crédito e empresas imobiliárias, substituindo o dinheiro desviado por gângsteres, naquele que "talvez" seja o primeiro perdão de dívida financiado pelos contribuintes ao submundo criminoso de uma nação.

Afirma-se que o desgaste dos valores morais e as anárquicas liberdades, que acompanham a disseminação da democracia e do capitalismo, estão se reforçando mutuamente, permitindo o florescimento lamentável da corrupção. Mais certo seria entender que essa manifestação é o próprio sinal do funcionamento do regime e dos mercados.

Afinal, "mais regimes democráticos e mercados mais livres estão tornando as decisões governamentais mais transparentes". A autoridade pública, respondendo cada vez mais pelos atos que pratica, estará, só por isso, "reduzindo a impunidade que acompanhava amiúde a corrupção dos altos escalões".

19 - Por derradeiro, o estudo recomenda que a luta contra a corrupção observe três fases distintas, a saber: a da revelação e indignação pública; a da ação política para mudar as leis e instituições; e a do cumprimento das novas medidas.

20 - "Cada um desses estágios é mais difícil que o anterior devido à resistência de redes de proteção mútua entranhadas nas burocracias e especialmente dentro de órgãos mais sensíveis, como o Parlamento, o Judiciário e a Polícia. Porém, há uma coisa chamada consciência pública, que pode ser uma força muito poderosa".

21 - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, defensores da tese da união entre o Poder Público e a iniciativa privada, na vigilância permanente e fiscalização continuada da corrupção no País, não poderíamos abdicar desta oportunidade para, mais uma vez, renovar a manifestação da nossa admiração pelo trabalho que, naquele sentido, vem sendo desenvolvido pela renomada criminalista, de que é exemplo e parte também o resumo que se segue:

      22 - "A criação de uma entidade híbrida, porque constituída por alguns integrantes de órgãos governamentais e por legítimos representantes de instituições da sociedade civil, com atribuição para a constante e ininterrupta verificação e vigilância da lisura dos contratos e licitações desenvolvidas durante a relação entre a iniciativa privada e o governo, desponta como a solução mais adequada.

      23 - Em primeiro lugar, porque não se ignora que a corrupção é um fenômeno que tem expressão em ambas as searas, sem que se possa determinar, tal como na velha discussão entre o ovo e a galinha, em qual delas teve a sua origem. Assim, necessário que a vigilância se estabeleça a partir de ambos os setores, numa verificação equilibrada, sem preponderância entre aqueles.

      24 - Num segundo estágio, verifica-se que a amplitude da base de sustentação daquela entidade empresta à mesma a legitimidade necessária à imprescindível transparência que deve pautar as relações nesta área. Sempre que for detectada por tal entidade alguma irregularidade, caberá o exame da conveniência, oportunidade e necessidade do aprofundamento da investigação, rompendo-se as garantias dos sigilos bancário, fiscal e de comunicações.

      25 - Os integrantes da entidade atuariam durante mandatos por prazos previamente estabelecidos, insusceptíveis de substituição, exceto por motivação própria, reportando-se aos seus órgãos de origem, sem prejuízo da formulação de relatório conjunto a ser encaminhado às chefias dos Poderes Executivo e Legislativo.

      26 - O espírito permanentemente revisional deste órgão afasta as especulações quanto ao tratamento tido como aparentemente diferenciado na verificação de irregularidade em momentos e circunstâncias distintas das relações entre o Governo e a iniciativa privada, incidente - repise-se -, por exemplo, nas licitações e nos contratos.

      27 - A medida de correção de rumos a partir da caracterização de qualquer irregularidade dependerá da visão particular e da estruturação ou não desta política como prioridade, pelo respectivo governo, no tocante à amplitude, extensão e aprofundamento.

      28 - A idéia vertente é susceptível de adaptação para estruturação em todos os níveis de administração pública coexistentes no Brasil, além de eventual aproveitamento no exterior."

29 - Como se vê, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o depoimento da Juíza Denise Frossard não é apenas mais uma de tantas contribuições que, ao longo do tempo, vêm enriquecendo o acervo da CCJ.

30 - Constitui, na verdade, um precioso repertório do conhecimento humano, de acendrado saber jurídico, que traz em si a singeleza da argumentação inquestionável, das coisas definitivas e insubstituíveis, que agora exorna a perenidade dos Anais do Senado da República.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/1997 - Página 4671