Discurso no Senado Federal

COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, DO SOCIOLOGO JOSE DE SOUSA MARTINS, AFIRMANDO QUE O DESEMPREGO E O SUBEMPREGO CRIAM OS ESCRAVOS DO FINAL DO SECULO.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO.:
  • COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, DO SOCIOLOGO JOSE DE SOUSA MARTINS, AFIRMANDO QUE O DESEMPREGO E O SUBEMPREGO CRIAM OS ESCRAVOS DO FINAL DO SECULO.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/1997 - Página 4626
Assunto
Outros > DESEMPREGO.
Indexação
  • ANALISE, ENTREVISTA, JOSE DE SOUSA MARTINS, SOCIOLOGO, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), AUMENTO, DESEMPREGO, SUBEMPREGO, MUNDO.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é de se admirar que o homem com a tecnologia capaz de levar até o Planeta Marte - as primeiras expedições tripuladas deverão acontecer nos primeiros anos da próxima década - não seja capaz de retirar uma pessoa, com vida, de um buraco de poucos metros, a exemplo do que ocorreu em Belém do Pará, onde um senhor de 60 anos de idade, há pouco tempo, foi surpreendido com um desmoronamento de uma cacimba, quando lá no fundo estava a fazer reparos.

O pobre senhor, preso entre os escombros, morreu após esperar socorro por três dias. Apesar dos esforços incontidos das equipes de resgate, o socorro pretendido pela vítima e esperado pelos seus familiares e por toda sociedade foi um insucesso, foi um fracasso.

Foi decepcionante perceber que nós, já em condições de viajar a outro Planeta, falhamos em um momento de tão pouca complexidade diante da possibilidade de uma aventura espacial.

Constatar e admitir que, em plena era espacial, a Humanidade, apesar de todos os avanços, continua atrasada, rude e preconceituosa, também é decepcionante para mim. Decepcionante e constrangedor.

O Sociólogo José de Souza Martins, em recente entrevista concedida ao jornal Correio Braziliense afirmou que o desemprego e o subemprego criam os escravos do final do século.

Imaginem o absurdo: escravidão na era espacial.

Souza Martins afirmou que o avanço do comércio internacional não está libertando os trabalhadores das formas cruéis de exploração. Ao contrário, pressionados pelas dificuldades crescentes para obter emprego e renda, pelo menos seis milhões de pessoas - inclusive crianças - têm-se submetido à escravidão no mundo inteiro.

Com elevada dose do pessimismo, o sociólogo e professor da USP, discípulo de Fernando Henrique Cardoso e de Florestan Fernandes, crê que essa situação tende a piorar.

A escravidão existente por todos os ventos do Planeta Terra situa-se num quadro cultural, social e político.

Na Índia o sistema escravista é de natureza cultural, corriqueiro e socialmente aceito. Souza Martins, citando como exemplo, diz que, naquele País, para pagar o dote ao noivo, muitas famílias se endividam. E, para pagar as dívidas, são obrigadas a ceder filhos aos credores. Estima-se que na Índia há cerca de cinco milhões de escravos.

No Brasil, uma contagem indireta, baseada em denúncias feitas por escravos fugidos das fazendas em que há cativeiro, indica mais de 80 mil escravos ao longo dos últimos 20 anos.

A matéria citada revela também que pesquisadores ingleses chegaram à conclusão de que a relação entre a área desmatada e o número de trabalhadores indica a existência de 250 mil a 400 mil peões trabalhando e vivendo em condições de cativeiro na Amazônia. Casos similares também são encontrados nas demais regiões brasileiras; contudo, cerca de 75% dos casos de escravidão ocorrem na Região Norte.

A Região em que ocorre o menor índice de cativeiro é a Nordeste, porém essa Região revela-se como a líder no fornecimento de cativos, seguida pelo Centro-Oeste. Ali foi verificada a ocorrência de recrutamento de escravos até mesmo na periferia de Goiânia.

A Organização Internacional do Trabalho estima que há seis milhões de escravos no mundo de hoje, número considerado modesto e até mesmo contestado pelos estudiosos da causa, pois, com base em dados da Antislavery International - entidade com mais de 150 anos, da qual o abolicionista brasileiro Joaquim Nabuco foi membro -, considera-se que somente no Brasil há cinco milhões de escravos. Na Mauritânia, Sudão, Índia e Paquistão a escravidão atinge centenas de milhares e até milhões de pessoas.

No Brasil, especificamente, o cativeiro é assegurado por meios violentos. Registra a entrevista de Souza Martins que em 30% das fazendas em que se constatou escravidão os trabalhadores são surrados ou submetidos a diferentes formas de tortura; em 20% dessas fazendas tem havido assassinato de trabalhadores que tentaram fugir. Há quatro anos, mais ou menos, a Polícia Federal encontrou no cocho dos porcos da Fazenda Jandaia (sul do Pará) restos de peões mortos, esquartejados e servidos como ração.

Souza Martins revelou também que a escravidão por dívidas é a principal nos dias atuais: os trabalhadores ganham menos do que a lei estabelece e adquirem os produtos necessários para a sobrevivência junto aos patrões, a preços manipulados e multiplicados. Endividam-se e jamais conseguem se libertar.

É vergonhoso perceber que, nos anos próximos, o homem arredará os pés deste solo planetário, para conquistar novos horizontes na linha vertical das possibilidades, sem que tenha resolvido o problema da miséria humana.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/1997 - Página 4626