Discurso no Senado Federal

ELOGIOS AO TEMA ESCOLHIDO PELA CNBB PARA CAMPANHA DA FRATERNIDADE DESTE ANO. DIFICULDADES NA APLICAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL NO PAIS. SOFRIMENTO DOS PRESOS COM A SUPERLOTAÇÃO DE PRESIDIOS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA. POLITICA PENITENCIARIA.:
  • ELOGIOS AO TEMA ESCOLHIDO PELA CNBB PARA CAMPANHA DA FRATERNIDADE DESTE ANO. DIFICULDADES NA APLICAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL NO PAIS. SOFRIMENTO DOS PRESOS COM A SUPERLOTAÇÃO DE PRESIDIOS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/03/1997 - Página 4929
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA. POLITICA PENITENCIARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, OBJETIVO, REINTEGRAÇÃO SOCIAL, RECUPERAÇÃO, PRESO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, PRESIDIO, CONTEUDO, PROPOSTA, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, PROMOÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB).
  • ANALISE, DIFICULDADE, APLICAÇÃO, LEI DE EXECUÇÃO PENAL, BRASIL, EFEITO, EXCESSO, LOTAÇÃO, PRESIDIO, COMPARECIMENTO, QUALIDADE DE VIDA, PRESO, PREJUIZO, REINTEGRAÇÃO SOCIAL, FUTURO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Campanha da Fraternidade, neste ano de 1997, é dirigida a uma das mais "graves feridas da sociedade", como tal conceituados "os problemas dos presos e tudo a eles relacionado". Com o lema "Cristo liberta de todas as prisões", a Campanha quer promover a "libertação dos cativos", apontando-lhes "o caminho da vida nova, da liberdade verdadeira" e, a todos os brasileiros, endereçando a conclamação à solidariedade e à atitude participativa, frente às situações "tristes e degradantes como a de tantos presídios".

No fundo, sugere à sociedade a exaltação do Direito e a discussão de uma reforma da política criminal, de sorte a enfrentar providencias duradouras que, no mínimo, libertem dos cárceres os que lá estão injustamente, que contenham a violência urbana, que apaguem de nossas cadeias, detenções e penitenciárias o estigma de que não passam de verdadeiras escolas de criminalidade.

Já se disse que a liberdade, constituindo a própria essência do individuo, não pode ser dele arrancada, mesmo na hipótese da sua restrição, quando necessária a garantia da liberdade dos outros.

A nossa vigente Lei de Execução Penal estipula que ao recluso deve ser assegurado o recolhimento em cela com espaço mínimo de 6m². Não é, porém, o que se constata, em todo o País. Na Capital da República, o presídio e outras dependências policiais abrigam de 200 a 400 presos além da sua capacidade, juntando, indevidamente, os presos de maior e de menor periculosidade, e os sentenciados sem culpa declarada pelo órgão judicial.

A recuperação do detento, em tais circunstâncias, é objetivo inatingível, segundo os especialistas.

Nas prisões, que teriam por fim a recuperação dos internos, registra-se a ocorrência de toda a espécie de violência, por força mesmo dessas irregularidades. Registra-se, mensalmente, a elevada média de três rebeliões, como produto da superpopulação carcerária e das condições físicas das instalações e equipamentos prisionais, revelando a incapacidade de a autoridade pública administrar satisfatoriamente a penalização imposta pelo Estado.

Dom Cândido Padim, Jurista e Bispo emérito de Bauru, Estado de São Paulo, descreve essa cruel realidade que é a de assistirmos "com mais freqüência e em trágicos resultados, aos casos de insurreições coletivas de presos nas penitenciárias e cadeias por toda a parte.

Quase sempre a origem dessas revoltas está na superlotação dos estabelecimentos penitenciários, criando condições infra-humanas de convivência com os presos".

Os que praticaram atos anti-sociais devem ter a oportunidade de se corrigir para recompor sua verdadeira imagem humana, contando com a colaboração do Poder Público e da sociedade.

Trata-se de imposição da "ordem jurídica em que se fundamenta a sociedade brasileira".

E aconselha o prelado: "O excesso da população carcerária poderia ser diminuído por um processo de individualização da pena, previsto na Constituição, descartando a condenação em regime fechado e transformando-a em prestação social alternativa.

A prestação de um serviço à sociedade, durante algumas horas do dia, tem maior probabilidade de contribuir para a reeducação do infrator, por sentir ele o benefício que está oferecendo à comunidade, corrigindo o abuso que cometeu anteriormente. Tem também a vantagem de permitir o exercício do trabalho remunerado, favorecendo a manutenção do elo afetivo do apenado com sua família.

É bom acrescentar que a Lei de Execução Penal tem o sentido fundamental de "proporcionar condições para a harmônica reintegração social do condenado". Essa finalidade, todavia, raramente é atingida, face às notórias condições de nossos estabelecimentos prisionais, que inviabilizam "a regeneração do condenado", como pretende a Lei nº 7.210, de 1994.

O censo penitenciário nacional, do mesmo ano, divulgado pelo Ministério da Justiça, informa a existência de 129.169 presos em todo o País, sendo 124.403 homens e 4.766 mulheres. Como o número de vagas situa-se em pouco mais de 54 mil, temos, em média, mais de dois presos para cada vaga em nossas penitenciárias.

Porém, "em nenhuma outra época houve uma situação tão lastimável", como observa Dom Paulo Evaristo Arns, 85% dos detentos não têm dinheiro para pagar advogado; 95% são pobres ou muito pobres, e 48% estão presos irregularmente. Quarenta e três por cento de todos os prisioneiros praticaram assalto e furto; 17% cometeram homicídio; e 10% traficaram drogas. Circunstancialmente, não há informação de presos por exploração de trabalho escravo, por sonegação de contribuição previdenciária dos empregados, por má administração do patrimônio público, pela utilização do dinheiro para corromper políticos e funcionários públicos.

Além do espaço, deve-se considerar as condições físicas dos prédios, que freqüentemente se encontram muito deterioradas. As precárias condições de ventilação e luminosidade prejudicam a saúde e provocam várias doenças. A falta de espaço vital acaba violando também outros direitos das presas e dos presos, como, por exemplo, o direito de trabalhar e estudar.

Até a arquitetura da prisão leva o preso a não se sentir gente: tudo é feito para que não haja nenhuma privacidade e se instale um clima de intimidação, ou seja, o próprio prédio faz o preso se sentir humilhado e perceber que está totalmente à mercê de outros, sem poder reivindicar um mínimo de intimidade.

A citada Lei de Execução Penal "dispõe que ´ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença´. Estabelece a assistência básica a ser prestada como dever do Estado, ´objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência da sociedade." As modalidades dessa assistência correspondem a necessidades humanas fundamentais.

Consiste no "fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas", bem como na disposição de instalações e serviços que atendam os presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos permitidos e não fornecidos pela Administração."

Paulo VI, ao iniciar-se o ano de 1977, sentenciava que "quando um homem é ferido em sua dignidade, toda a Igreja sofre". E João Paulo II, há um ano, apelava "à Administração da Justiça para que o sistema carcerário seja sempre respeitoso da condição do homem, isto é, que se promovam, neste e nos demais centros penitenciários, condições de vida mais conformes com a dignidade humana; que se favoreça a reeducação e formação dos detidos e jamais consintam vexações nem tratamentos desumanos".

Em síntese, a Campanha da Fraternidade - 1977 - prossegue intentando "a formação da consciência das pessoas, a fim de que encarem os presos como seres humanos, possuidores de direitos e deveres. O lema "Cristo liberta de todas as prisões" lembra que há muitos tipos de prisões, de cadeias que tiram a liberdade das pessoas: falta de condições mínimas de vida digna, o consumismo, drogas, alcoolismo e trabalho escravo, entre outros."

Já o tema, "faz rever as causas da criminalidade, da infração da lei, da quebra do convívio social, que leva à prisão. Sem negar a responsabilidade pessoal, deve-se considerar a situação concreta de cada indivíduo no seu contexto social: sistemática destruição de valores e indução à violência, desemprego, fome, impunidade".

Exige-se, assim, o "aprofundamento da atual prática da justiça: a quem é aplicada a lei com rigor? A quem não se aplica com o mesmo rigor? São as graves questões da impunidade e da morosidade" da prestação jurisdicional. Não se poderá, no entanto, "esquecer as vítimas do crime, estejam ou não presos os seus autores: estupros, roubos, assaltos, homicídios" e todas as espécies de corrupção.

Enfim, despertada a sensibilidade e a solidariedade dos cristãos e de todos os homens e mulheres de boa vontade para com as vítimas e para com os encarcerados, conta-se ajudar os primeiros "a perceberem a realidade carcerária do Brasil e a se comprometerem na realização das mudanças necessárias, colaborando com as autoridades legislativas, judiciárias, policiais e penitenciárias na sua tarefa de fazer as reformas e as leis necessárias."

Por derradeiro, a CNBB recorda que "a história dos cristãos começou com perseguições e cárceres". Não são os reclusos, portanto, seres estranhos, mas companheiros de infortúnio em muitas situações, com o correr da história.

Diariamente nos deparamos com notícias dos mais diversos tipos de crimes e delitos, cujos autores são pessoas de carne e osso e cujas vítimas igualmente o são. Ficamos chocados com as denúncias sobre superlotação de cadeias e prisões, maus-tratos infligidos aos presos, torturas, massacres, fugas, chacinas, excessos de guardiões da ordem, revoltas nas prisões, dificuldades de reintegração ao convívio social dos que saíram...

Na sociedade, existem inúmeros preconceitos sociais e raciais com respeito aos encarcerados e aos egressos das prisões. Muitas vezes, publicamente ou em particular, julga-se com dois pesos e duas medidas. Os meios de comunicação que veiculam amplamente a violência (filmes, novelas, reportagens policiais no rádio, na televisão ou na imprensa), exibem as reações das vítimas e de seus familiares e fazem apelos insistentes aos sentimentos, dificultando a serenidade necessária para refletir e perdoar.

Os fatos violentos mexem com sentimentos profundos do ser humano, como o medo ou o desejo de vingança, e despertam atitudes carregadas de emotividade, que vão da indiferença ou da rejeição até a misericórdia e a compaixão. É muito fácil ceder ao medo ou deixar-se levar por preconceitos. É fácil confundir justiça com dureza ou com a necessária proteção da sociedade.

O problema levanta muitas perguntas sobre os encarcerados. Não foram eles próprios que construíram essa situação? Por que compadecer-se deles, se eles não tiveram compaixão? Por que interessar-se por seus direitos, se eles não respeitaram os direitos dos outros? Outras perguntas questionam a administração de justiça: Como é aplicada? Por que há tanta impunidade. São essas as únicas pessoas que merecem estar na prisão? Quais os direitos dos presos e das presas? Há também muitos questionamentos sobre a atuação de policiais, o atendimento aos presos e às presas, o trabalho dos agentes penitenciários. São perguntas que todos podem levantar. Mas cada um e toda a sociedade deve questionar-se frente à realidade dos encarcerados.

A Igreja quer colocar-se a serviço da sociedade e ajudar a aprimorar a convivência humana. É preciso ajudar as vítimas de qualquer tipo de violência. Elas precisam sentir que são acolhidas pela comunidade e acompanhadas nos seus sofrimentos; sentir a solidariedade dos irmãos; recuperar-se dos traumas e feridas que tenham sofrido; recuperar a alegria e, em suma, retomar o caminho da conversão, da realização pessoal e da felicidade.

Quanto aos presos, pensamos que todas pessoa é maior que sua culpa e que todos são recuperáveis. "Cremos, com Jesus, que não se corrige a violência com outra violência e cremos também que detestar o pecado não inclui abandonar o pecador. Cremos que se supera a violência com o amor, a bondade e o perdão."

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/03/1997 - Página 4929