Discurso no Senado Federal

DADOS DIVULGADOS PELO BANCO MUNDIAL SOBRE A PERDA DE DIVISAS PELO BRASIL POR CAUSA DA VIOLENCIA, QUE AFASTA OS TURISTAS. NECESSIDADE URGENTE DO COMBATE A VIOLENCIA.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • DADOS DIVULGADOS PELO BANCO MUNDIAL SOBRE A PERDA DE DIVISAS PELO BRASIL POR CAUSA DA VIOLENCIA, QUE AFASTA OS TURISTAS. NECESSIDADE URGENTE DO COMBATE A VIOLENCIA.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 05/03/1997 - Página 4942
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, PAIS.
  • COMENTARIO, DADOS, BANCO MUNDIAL, DEMONSTRAÇÃO, PERDA, BRASIL, RECURSOS, CAPITAL ESTRANGEIRO, MOTIVO, RISCOS, VIOLENCIA, REDUÇÃO, TURISMO.
  • COMENTARIO, DADOS, BANCO MUNDIAL, ENUMERAÇÃO, FATOR, PROVOCAÇÃO, VIOLENCIA, PRIORIDADE, CARENCIA, EDUCAÇÃO, FALTA, EMPREGO, DESIGUALDADE SOCIAL, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL.
  • DEFESA, EFICACIA, INSTRUMENTO, GOVERNO FEDERAL, REPRESSÃO, VIOLENCIA, PREVENÇÃO, CRIME, AGILIZAÇÃO, JUSTIÇA, IMPORTANCIA, PARCERIA, ESTADO, SETOR PRIVADO, REALIZAÇÃO, CAMPANHA EDUCACIONAL.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é um país especialmente pródigo nas dimensões de seu território, na vastidão de seu litoral para a exploração da indústria turística e no grande volume de riquezas de matérias-primas ainda a explorar. Mas é certamente também - e talvez até porque seja grande demais - um país de grandes disparidades regionais e sociais. As diferenças sociais constituem uma marca do Nordeste e de outras áreas menos desenvolvidas, mas é nas regiões metropolitanas, com seus elevados índices de renda per capita, que os estigmas da miséria são mais gritantes como indutores da violência urbana. As periferias, no seu papel de refúgio dos migrantes, fazem o grande e mais próximo contraste entre ricos e pobres.

Somos, portanto, um País rico de potenciais, mas o nosso retrato visível é de uma sociedade disforme e de muitas faces. E vem daí a dificuldade dos governos para estabelecer políticas de prioridade. Saúde, educação, segurança pública, habitação, emprego, distribuição de renda, habitação, para falar apenas nas questões sociais, são prioridades que se confundem e que desafiam a capacidade do Estado-provedor para distribuir com eqüidade os recursos gerados pela arrecadação. E vem daí também o caráter dramático que envolve os deveres do Congresso na aprovação das três reformas básicas que estamos discutindo neste momento: a administrativa, a tributária e a previdenciária.

Entre essas prioridades sociais, existe uma que fala mais de perto aos sentimentos mais íntimos da família brasileira, porque é aquela que provoca medo, tensão e insegurança. É a prioridade da prevenção e da repressão ao crime comum, à indústria de matança que tira o sono e a tranqüilidade dos chefes de família, e ao comércio crescentemente sofisticado das armas e das drogas. Ela decorre de carências de estrutura nos aparatos policiais, é alimentada pela corrupção. Mas seria esconder o sol com a peneira, deixar de reconhecer que a origem de tudo está em outras carências. Vem do colapso do equilíbrio familiar das famílias sem teto. Vem da fome, que obriga crianças e adolescentes a buscar complementos da renda familiar na rua, onde sobram estímulos para a entrada no mundo do crime, que é feito do consumo de drogas, da influência de traficantes ou da rotina que começa no pequeno furto e vai terminar nos grandes assaltos. E vem sobretudo da falta de escolas ou da evasão escolar, derivada de necessidades que podem levar na melhor das hipóteses ao trabalho precoce, porque o comum é levar ao crime ou à prostituição infantil.

Muito se fala, muito se fez ou faz, mas de maneira pulverizada. O fato objetivo é que pouco se avançou na solução deste grande problema social que todos reconhecem como das chagas mais expostas de nossa sociedade. Se durante décadas e décadas de imigração descontrolada, de redução de investimentos sociais, não conseguimos cortar o mal pela raiz, somos obrigados agora a conviver com o susto diário das manchetes de sangue escancaradas pelos noticiários dos jornais e da televisão.

A síndrome do medo faz mal à família, modifica os hábitos da população, gera uma sensação generalizada de impotência, estabelece a descrença na força da Justiça para punir a criminalidade e desacredita a instituição policial. Mas ela provoca também prejuízos enormes para a economia e para a geração de renda com o turismo e o lazer, que são reconhecidos como o grande filão econômico da sociedade moderna, sobretudo num país como o Brasil, que é privilegiado em praias, em sítios potenciais para o ecoturismo e numa grande diversidade de riquezas naturais propícias à exploração turística.

Para confirmar o fato de que, em termos de sensibilidade para essa grande fonte de renda, estamos na contramão, temos um dado atualíssimo. O Brasil está perdendo anualmente R$7 bilhões. É a fábula de recursos que deixam de entrar no País, em turismo ou em outras atividades, porque os investidores internacionais têm medo dos riscos da violência. Poder-se-ia até dizer que são estatísticas abstratas e falíveis, mas têm a chancela da responsabilidade da direção do Banco Mundial, que divulgou os números num seminário internacional sobre a violência urbana, que está terminando hoje no Rio de Janeiro.

Num confronto com outros países da América Latina, o Brasil é colocado em terceiro lugar na prática de homicídios, vindo logo depois da Colômbia e da Jamaica. Coexistimos com esse problema, e a sua divulgação ampliada vai aumentar ainda mais a dosagem internacional das desconfianças e do medo. E é lamentável também que sejamos obrigados a ouvir esse alerta de instituições de fora do País, para nos acordar de uma certa indiferença.

Os números divulgados no seminário mostram ainda que as nossas perdas anuais correspondem a 1% do PIB e que as carências na educação e a falta de empregos são os dois fatores principais da geração de violência, que se manifesta mais diretamente no tráfico de armas e de drogas. Contribuem também para a escalada da violência urbana o crescimento da população nas grandes cidades, a distribuição desigual da renda e o "desmantelamento" dos serviços sociais do Estado. Essas constatações não avançam qualquer novidade sobre tudo aquilo que é de domínio público da sociedade. Temos a mais absoluta consciência do problema que faz parte do dia-a-dia. O que não temos são instrumentos práticos e eficazes, de curto prazo, na repressão e, de médio e longo prazos, na prevenção do crime envolvendo políticas sociais, agilização da Justiça, modernização e multiplicação dos presídios. Na integração de políticas entre as áreas Federal, Estadual e Municipal, os Municípios são os que vivem diretamente os problemas, mas são os que mais sofrem com a falta de recursos.

No Brasil, a estratégia de discutir muito e fazer pouco faz parte das culturas públicas. São seminários, encontros, simpósios, projetos para todos os gostos. O que falta é uma concentração de objetivos, com recursos e estratégias definidas, com prazos fixados. Acredito que só vamos chegar a algum resultado no dia em que o Governo assumir de frente o problema e patrocinar um debate integrado e pragmático com todos os órgãos que se multiplicam na burocracia federal, tratando o assunto como projeto único, sob o comando do Presidente da República. Vou citar um exemplo de que, quando se quer, as coisas podem acontecer. Na ECO\92, em que estava em jogo o ego megalômano do então Presidente Collor, tudo funcionou às mil maravilhas e o Rio de Janeiro transformou-se em paraíso de segurança pública, um exemplo para o mundo, que estava presente. Não quero contestar a importância do evento para a imagem do País, mas lembrá-lo como referência.

No final da semana, os jornais reproduziram declarações do Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, defendendo a redução da responsabilidade criminal do menor para a idade de 14 anos. Mesmo parecendo tentadora a proposta, diante das estatísticas que mostram o crescimento da criminalidade entre os adolescentes, penso que seria um retrocesso na legislação sobre o menor. Não creio que se deva tratar essa discussão como tabu, mas também não deixo de considerá-la uma solução simplista, em princípio. Além disso, do ponto de vista político, esse debate não teria fim, e as nossas necessidades atuais são de soluções de emergência. Há uma alternativa sobre a qual eu gostaria que o Governo refletisse. O Ministério da Justiça tem milhares de entidades de utilidade pública cadastradas, com benefícios fiscais. Em tese, todas elas prestam serviços de interesse da sociedade, o que justificaria a isenção. Gostaria de saber quantas dessas entidades dedicam-se aos menores, se há estímulos nesse sentido por parte do Governo e se elas são realmente fiscalizadas.

O Sr. Pedro Simon - Senador Mauro Miranda, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MAURO MIRANDA - Ouço-o com todo o prazer, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador, é de lamentar que o pronunciamento de V. Exª, a esta altura da sessão, esteja sendo lido sem o debate, que obrigatoriamente geraria uma frutífera discussão. Quero felicitar V. Exª, que ora faz um pronunciamento da maior profundidade, tecendo uma abrangente auto-crítica sobre nós, o Executivo, o Congresso e a sociedade. V. Exª citou o exemplo da ECO\92, no Rio de Janeiro, que é clássico: era para fingir, fingiram; mas era para fazer e fizeram. Não sei por que não se faz, porque as entidades existem, a predisposição existe, o dinheiro existe, a verba existe, a entidade existe, a disposição existe, mas no Brasil há uma infinidade de coisas que são de mentirinha, que, na verdade, existem para não funcionar. E, hoje, o ruim é que as coisas não nos comovem mais. Não nos comovem a notícia no jornal, a manchete sobre crimes, a violência, as pessoas que morrendo de fome debaixo da ponte. Parece que temos o dom de pairar acima disso como se não tivéssemos qualquer responsabilidade. No entanto, somos os pais da Pátria, somos o Senado da República e temos responsabilidades. Felicito V. Exª pela profundidade do conteúdo do seu discurso, mas lamento. Um discurso como este deveria propiciar um debate, uma discussão sobre as soluções para esses problemas, sobre o que podemos fazer. Talvez até não se faça muito, mas precisamos tentar fazer algo. Que Brasil é esse sobre o qual V. Exª fala? Que problemas são esses que V. Exª apresenta: fome, miséria, injustiça, fracasso, crimes? Quem assiste aos programas de tv, e vê os planos do Governo, as campanhas de reeleição, pensa que vivemos em um País que é uma maravilha. Na verdade, nós nos desligamos desse país sobre o qual V. Exª está falando, que é outro. De vez em quando, há pronunciamentos tratando desta questão, como surpreendentemente ocorreu hoje, o da Senadora Benedita da Silva e o de V. Exª, tratando do Brasil real, do Brasil que está aí. O comum aqui é discutir sobre os precatórios, sobre as questões de empréstimos, da universidade, ou seja, questões de outro Brasil, o Brasil ao qual pertencemos, o Brasil da classe média, da classe rica, que lê jornal, que vota, que entra no gabinete do Senador, que conhece Deputados. É uma pena que nossa capacidade de revolta esteja se enfraquecendo. Um discurso como o de V. Exª não nos atinge, não nos machuca, e é feito nesta hora, neste silêncio. E, amanhã, tenho certeza absoluta de que nenhum jornal publicará uma linha sequer do discurso de V. Exª; nenhum jornal, nenhum programa de televisão, nenhuma rádio falará sobre o pronunciamento de V. Exª. É como se o pronunciamento de V. Exª não tivesse existido. Existe porque hoje há a TV Senado, que somente alguns assistem, mas, não fora isso, o pronunciamento de V. Exª não existiria, porque não é importante para os donos de televisão, de rádio e de jornal, não dá manchete, não significa nada, porque não aumenta nem diminui a venda de jornal, porque não aumenta nem diminui a cotação das bolsas, os interesses que estão em jogo com relação à sociedade dominante. É uma pena, é uma pena mesmo! Se analisarmos outros países, outras sociedades, verificaremos que eles têm um outro conceito social e têm um outro conceito sobre o ser humano, da realidade, dos problemas e da responsabilidade do conjunto da sociedade. Na minha opinião, o pronunciamento de V. Exª é muito bonito. Vê-se que V. Exª pesquisou, analisou, debateu com sua equipe a constatação de uma realidade. É realmente uma pena! Seria de se ver, amanhã, publicada nos jornais, a análise de V. Exª, a provocação de V. Exª, seria de se ver o Líder do Governo, amanhã ou depois de amanhã, vindo responder a V. Exª, ponderando que não é bem assim, dizendo que V. Exª está equivocado e que o Governo está fazendo isto e aquilo. Mas o Líder do Governo não responderá a V. Exª; o Governo, os Senadores e a imprensa não tomarão conhecimento do que V. Exª está dizendo. E o Brasil continua. Isso é uma pena, porque, na verdade, penso que cumprir o dever significa tentar participar, debater, estar presente. E nós, por ação e, muito mais do que por ação, por omissão, estamos deixando o tempo passar.

O SR. MAURO MIRANDA - Senador Pedro Simon, agradeço a V. Exª pelo seu aparte, que me tocou profundamente. Não lamento por não ter mais platéia, mais ouvintes, pois estou orgulhoso por V. Exª ter-me ouvido, por termos dialogado e por V. Exª ter inserido, no meu discurso, o seu aparte. Estou orgulhoso e otimista, porque uma pessoa como V. Exª, com a sua história e com a sua capacidade de trabalho, engrandece muito o meu pronunciamento. Estou feliz por isso!

Vou continuar a falar, talvez a quase ninguém. Mas bastou que V. Exª me ouvisse para que eu me redobre em entusiasmo para falar - e, talvez, ser ingênuo -, e falar bastante sobre esses problemas tão graves que a sociedade brasileira está sofrendo.

Gostaria de saber quantas dessas entidades dedicam-se aos menores, se há estímulos nesse sentido por parte do Governo, e se elas são realmente fiscalizadas. Elas poderiam atuar, por exemplo, na escolarização, na formação de mão-de-obra urbana e rural, na recuperação de drogados e de meninas levadas à prostituição. Não faltaria apoio de toda a sociedade para manter essas instituições. Essa é apenas uma entre muitas idéias que podem ganhar espaços se o Governo resolver colocar o assunto em debate público como preocupação prioritária.

Em alguns Estados, estamos vendo a experiência vitoriosa de famílias que recebem ajuda para manter os filhos na escola. Gostaria de saber o que o MEC está fazendo para estimular os municípios brasileiros nesse sentido.

Outra questão sobre a qual devemos nos debruçar em debate corajoso é a propaganda da violência aberta que é exposta nos filmes importados. Onde falta a educação, essa propaganda tem efeitos devastadores na indústria de pequenos heróis de sinais invertidos. Não vejo, nos espaços institucionais garantidos ao Governo, na televisão, nenhuma campanha educativa contra a violência. Com todo o seu poder de persuasão, o Estado não busca estabelecer parcerias com o setor privado em campanhas dessa natureza. Há largos segmentos da sociedade onde uma mensagem de paz social pode produzir grandes resultados, com o incentivo e o apoio do Governo, por meio de fundos de contribuição, e um desses segmentos é a Igreja. Acho que essa é uma questão para ser pensada imediatamente. Se houver vontade, não faltarão meios, porque não temos neste País uma unanimidade tão forte e eloqüente como a da necessidade de combater a violência. É uma questão de pensar, debater e agir.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/03/1997 - Página 4942