Discurso no Senado Federal

APROFUNDAMENTO DOS PROBLEMAS SOCIAIS, ECONOMICOS E POLITICOS ENFRENTADOS PELO BRASIL. CONSEQUENCIAS DO PROCESSO DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL NO BRASIL. CRITICAS AO DESEMPENHO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • APROFUNDAMENTO DOS PROBLEMAS SOCIAIS, ECONOMICOS E POLITICOS ENFRENTADOS PELO BRASIL. CONSEQUENCIAS DO PROCESSO DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL NO BRASIL. CRITICAS AO DESEMPENHO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/1997 - Página 5120
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, INCOERENCIA, AUTORITARISMO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MANUTENÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, RIQUEZAS, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, NATUREZA ECONOMICA, NATUREZA POLITICA, EMPOBRECIMENTO, MAIORIA, POPULAÇÃO, PAIS.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, parece-me que os brasileiros deveriam deixar de lado os assuntos de somenos importância diante da gravidade que assume a conjuntura nacional, diante do aprofundamento dos grandes problemas sociais, econômicos e políticos que atravessamos nessa fase da História do Brasil.

Na Coréia do Sul, o povo está nas ruas, usando Coquetel Molotov contra a polícia despótica do Governo, que pretende e continua pretendendo, embora tenha recuado e dado trégua nos últimos dias, subtrair direitos dos trabalhadores, sucatear o patrimônio público, demitir funcionários e desorganizar o aparelho do Estado. Obviamente também pretende entregar ao capital estrangeiro o sacrifício feito através de décadas de trabalho nas empresas estatais, no patrimônio público e nas lutas pela conquista dos direitos.

O panorama é parecidíssimo com o do Brasil e, praticamente, um passo à frente daquilo a que assistimos no Equador, quando "El loco", o seu Presidente Abdalá Bucaran, eleito há pouco tempo, contratou por US$500 mil assessoria do Sr. Domingo Cavallo, o economista que esteve no Brasil várias vezes para orientar a fabricação desse artefato perigosíssimo e anti-social, que é o Plano Real.

Lá, o Sr. Domingo Cavallo nada mais é do que um economista que xerocopia e aplica, com a sua inconsciência tecnocrática, esse projeto de economicídio, que, através de medidas econômicas e financeiras, tenta destruir as bases da sociedade na periferia do mundo.

É óbvio que no México, naquela conturbação em que os Estados Unidos tiveram de socorrer o sistema financeiro com US$40 bilhões, a consciência social se manifestou pela reação dos índios mexicanos, porque realmente esse projeto neoliberal é aplicado por intermédio de uma série de anestésicos, de uma propaganda enganosa e, entre outras coisas, de uma pseudovitória sobre a inflação, a cujas taxas crescentes o capitalismo dominado, o capitalismo selvagem soube recorrer. Na década de 40, ao tempo de Getúlio Vargas, e depois dele, no Governo Dutra, a inflação no Brasil era de 4, 5, no máximo 6% ao ano.

Getúlio não queria desenvolvimentismo; Getúlio não queria, e Oswaldo Aranha disse isso a, entre outros, Raul Prebisch e Celso Furtado quando eles voltavam da Conferência do México, que garantiu sobrevida à CEPAL.

Diziam, Getúlio e Oswaldo Aranha, que uma taxa de crescimento e de acumulação de capital mais intensa, uma taxa de desenvolvimento e de formação de capital iria fazer aumentar o endividamento externo e abrir o País à dependência do capital estrangeiro. E além disso, obviamente, uma taxa de acumulação de capital mais elevada obrigaria o Governo a usar instrumentos de extração de mais valia, absoluta e relativa, como a toda hora lembra, em toda a sua obra, o professor Fernando Henrique Cardoso.

De modo que, se no momento o Brasil pôde levar o processo de acumulação de capital a taxas suportáveis pela sua população, a partir de determinado momento percebemos que realmente as bases econômicas do populismo político estavam totalmente solapadas. Quando o processo de acumulação se intensifica e se abre para o capital estrangeiro, não é que este, no sentido técnico, seja pior ou melhor do que o capital nacional, não é que o trabalhador prefira ter como seu patrão um João, ao invés de um John ou de um Jean, não é isso. Esse é um desvio do pensamento manifestado pelo Ministro Roberto Campos. Não se trata disso.

A entrada de capital estrangeiro, como aconteceu nos anos 50, não pode ser controlada pelo Governo e por suas agências e, portanto, impõe um custo social, um sacrifício, uma concentração de renda para se criar um mercado para os carros e os artigos de luxo transplantados naquele momento e que, hoje, voltam a tentar dinamizar contraditoriamente a economia brasileira.

E, assim, a concentração de renda serve para adequar o nosso mercado e a nossa pobreza aos artigos de luxo, aos carros, às geladeiras, às televisões, aos computadores, transplantados pelo capital cêntrico para a periferia do mundo, para o Brasil, para a Argentina, para o México, para a Coréia do Sul, para países da África, África do Sul, em um mesmo momento.

Portanto, não foi Juscelino Kubitschek, não fomos nós que, através de maquinações econômicas, taxas de câmbio etc, atraímos o capital estrangeiro. Ele se dirigiu para a Argentina, onde não havia Juscelino Kubitschek, para o México, para a Coréia do Sul, como uma necessidade de desconcentração do capitalismo cêntrico. Para resolver os problemas do capital cêntrico, veio para a periferia e aqui eviscerou, violentou as nossas condições sociais, econômicas e políticas.

Portanto, o populismo não poderia conviver com um processo de acumulação voltada para a elite, para os produtos nobres, para a nobreza dos consumidores nacionais, que estavam sendo enriquecidos para se transformarem em consumidores desses artigos.

É interessante observar que o professor Fernando Henrique Cardoso tem uma visão que, se não fosse falta de modéstia minha, diria muito parecida com a que tenho. Em diversas obras, Sua Excelência manifesta a sua convicção de que no processo de acumulação de capital é que se pode compreender o caráter despótico ou fascista, como diz, do autoritarismo brasileiro.

Em seu livro Autoritarismo e Democratização, Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, demonstra que é doutor de borla e capelo em matéria de autoritarismo.

Mas o que ensinava o professor Fernando Henrique Cardoso? Que esse processo de acumulação determina as características do despotismo brasileiro e sul-americano, despotismo que recebemos como herança histórica da Península Ibérica e que não sofreu as transformações da revolução burguesa, assumindo aqui características específicas. E diz Sua Excelência que, se quisermos compreender o caráter de nosso despotismo, de nosso autoritarismo - e, em alguns momentos, utiliza a palavra "fascismo" -, que tangencia e se aproxima muito do fascismo, é preciso que compreendamos as contradições do nosso processo de acumulação de capital.

Pois bem, a acumulação de capital no Brasil - isto escrevi em 1982, num artigo que denominei "Estatização, Privatização e Crise" -, a acumulação de capital na esfera estatal, a acumulação de capital estrangeiro na indústria e no comércio, associada à acumulação de capital nas indústrias nacionais, nos setores secundários de fornecimento de partes, peças, componentes e insumos para as grandes indústrias transplantadas, exige uma taxa maior de inflação para que os salários se reduzam, a fim de que esse capital imenso possa ser irrigado com uma taxa de lucro para eles necessária e suficiente.

Portanto, quanto maior e mais intensa for a acumulação de capital, mais despótico tem que ser o Estado nacional periférico, porque o neoliberalismo tem como sua contraface o despotismo, o autoritarismo político.

Como se mostrou no Brasil em 64, como se mostrou no Chile de Pinochet, como se mostrou no Peru de Fujimori, como se mostrou no México do PRI, na medida em que este processo de acumulação se torna excludente e empobrecedor de grande parte da população, é necessário que haja uma força política, militar ou civil, despótica, autoritária, para segurar o paciente Brasil, a fim de que se apliquem nele esses remédios heróicos, esses remédios dolorosos, esses remédios perversos que infelicitaram a economia brasileira.

Então, como muito bem sabia o professor Fernando Henrique Cardoso, para entendermos a nossa superestrutura política, para entendermos o caráter do nosso autoritarismo atual, do nosso despotismo atual, porque S. Exª, entre outras coisas, quatro vezes, pelo menos, fala neste seu livro de despotismo esclarecido no Brasil. Antes Sua Excelência fez a profecia de que o Brasil se encaminhava nessa direção, e agora Sua Excelência é o realizador de suas profecias. O autoritarismo, o despotismo esclarecido que Sua Excelência previu em 1975 está presente. E Sua Excelência que antes era o profeta, agora é o realizador de sua profecia.

Pois bem, se não compreendermos as contradições do nosso processo de acumulação, acumulação selvagem que, a partir de meados dos anos 70, coloca fim ao crescimento de 13% ao ano, do milagre econômico dos militares, que souberam segurar o paciente Brasil e aplicar medidas exatamente iguais, fundamentalmente iguais a essas que vemos serem aplicadas hoje.

Que fizeram Roberto Campos e Bulhões, os neoliberais associados ao Governo militar? Reduziram o salário mínimo em 25%, entre 1964 e 1967, enriquecendo, obviamente, a classe média para que um maior consumo desses artigos de luxo transplantados fosse feito. Mas, ao mesmo tempo, as medidas tomadas, tal como acontece hoje, aumentaram o número de falências e concordatas no Brasil inteiro. Roberto Campos dizia que era preciso fazer uma sangria depuradora, deixar ir à falência para que o excesso de sangue, o excesso de acumulação no organismo econômico brasileiro fosse depurado. E agora, nesse novo nível, nesse novo patamar superior de acumulação de capital, a sangria que se faz leva à falência milhares e milhares de empresas brasileiras, destrói, como temos escutado todo o dia, as condições de trabalho no campo, aumenta o desemprego vertiginosamente e retira os recursos que antes se objetivavam nas empresas estatais, eram dirigidos à Vale do Rio Doce, à Petrobrás que adquiriram vida e capacidade própria de investimento, de pesquisa e, até mesmo, desenvolver atividades sociais. Esse dinheiro, que era dirigido aos setores sociais, e da acumulação de capital nas empresas estatais, agora deverá se canalizar através dessas mudanças modernosas, principalmente para o capital estrangeiro. E nisso erramos na nossa previsão de 1982. Achávamos que as empresas estatais seriam doadas, sim, a 20% - escrevi naquela ocasião -, do seu valor patrimonial, mas que seriam doadas para os bancos brasileiros.

Delfim Neto já dizia que era preciso que os bancos brasileiros se preparassem para as grandes responsabilidades que o futuro lhe reservava. A grande responsabilidade, alertava eu aos meus alunos naquela ocasião, é a de serem os gestores, os proprietários das empresas estatais. Mas, com a falência dos bancos, obviamente só resta entregar o patrimônio público às empresas estatais francesas, como aconteceu com a Light, como aconteceu na Alemanha com sua empresa de aviação e de petróleo, e como aconteceu no Brasil em diversos processos de doação privatizadora.

Portanto, qual é a solução apresentada pelo Senhor Fernando Henrique Cardoso?

Vou ler duas frases. Diz Sua Excelência:

      "Para que as transformações sociais não se estiolem numa pseudo-reforma das estruturas controladas por elites, que se pensam iluminadas pela técnica e pela ciência" - justamente o que está acontecendo hoje no Brasil -, "inerente às reformas burguesas, mas não ausente nas reformas socialistas, é preciso que nossa "Revolução" venha de baixo, como há quase 40 anos, dizia um escritor brasileiro, ao fazer a crítica ao fascismo nascente naquela época. Sem a reativação das bases populares" - diz Fernando Henrique Cardoso - "e sem uma ideologia antiburocrática, baseada na responsabilidade individual e na consciência das necessidades sociais, o salto do patrimonialismo ao corporativismo tecnocrático pode levar os povos latino-americanos a reviver, nas selvas das cidades, a barbárie tão temida pelos socialistas no Século XIX."

Justamente, a barbárie que aí está resultou, sim, como previa Fernando Henrique Cardoso, nesse processo em que, infelizmente, as bases populares sindicais, do Movimento Sem-Terra estão sendo castigadas pela política do Governo.

Assim, Fernando Henrique Cardoso está fazendo aquilo que sabia que pavimentaria o caminho do autoritarismo, do despotismo e do fascismo, porque, nessas reformas, na venda da Vale, na doação da Petrobrás, na destruição dessas empresas que constituíram o sangue dos brasileiros acumulado nesta esfera estatal, sem a participação popular isso virará uma festa em que nem sequer os bancos nacionais podem participar mais, porque também eles não possuem os R$5 ou R$10bilhões disponíveis para entrarem neste grande festim.

Portanto, é triste que a clarividência do Professor Fernando Henrique Cardoso, a sua capacidade premonitória veio a se realizar com ele próprio no epicentro desse poder desesperado, desse poder que não quer mostrar que se rendeu inexoravelmente para manter a acumulação de capital em taxas requeridas pelos capitalistas nacionais e estrangeiros a esse nível, cujas conseqüências sociais são a barbárie, o desemprego, a fome e a miséria, e cuja conseqüência política, cuja contraface política é o autoritarismo e o despotismo esclarecido.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/1997 - Página 5120