Discurso no Senado Federal

QUADRO GROTESCO DO SISTEMA PENITENCIARIO NACIONAL. DEFESA DA RECONSIDERAÇÃO DA PROPRIA NOÇÃO DE CRIME E DAS FORMAS PUNITIVAS. URGENCIA NA PROMOÇÃO DA REVISÃO PROFUNDA, ABERTA E CONSENTANEA DO CODIGO PENAL E, POR DERIVAÇÃO, DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS. APLAUSOS AO PROJETO DE LEI EM TRAMITAÇÃO NESTA CASA, QUE TRATA DO DENOMINADO EFEITO VINCULANTE, FORMULA HABIL DE DESCONGESTIONAR AS INSTANCIAS JURISDICIONAIS. CONGRATULANDO-SE COM A CNBB PELA TÃO OPORTUNA E CONVENIENTE CAMPANHA DA FRATERNIDADE DESTE ANO. APELO A OAB E AOS MAGISTRADOS PARA QUE DEFLAGREM UM MOVIMENTO DE 'MUTIRÃO DA JUSTIÇA.'

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PENITENCIARIA. IGREJA CATOLICA.:
  • QUADRO GROTESCO DO SISTEMA PENITENCIARIO NACIONAL. DEFESA DA RECONSIDERAÇÃO DA PROPRIA NOÇÃO DE CRIME E DAS FORMAS PUNITIVAS. URGENCIA NA PROMOÇÃO DA REVISÃO PROFUNDA, ABERTA E CONSENTANEA DO CODIGO PENAL E, POR DERIVAÇÃO, DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS. APLAUSOS AO PROJETO DE LEI EM TRAMITAÇÃO NESTA CASA, QUE TRATA DO DENOMINADO EFEITO VINCULANTE, FORMULA HABIL DE DESCONGESTIONAR AS INSTANCIAS JURISDICIONAIS. CONGRATULANDO-SE COM A CNBB PELA TÃO OPORTUNA E CONVENIENTE CAMPANHA DA FRATERNIDADE DESTE ANO. APELO A OAB E AOS MAGISTRADOS PARA QUE DEFLAGREM UM MOVIMENTO DE 'MUTIRÃO DA JUSTIÇA.'
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/1997 - Página 5124
Assunto
Outros > POLITICA PENITENCIARIA. IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SISTEMA PENITENCIARIO, PAIS, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL, RECONSIDERAÇÃO, TIPICIDADE, FORMA, PUNIÇÃO, CRIME.
  • ELOGIO, PROJETO DE LEI, TRAMITAÇÃO, SENADO, IMPLANTAÇÃO, EFEITO VINCULANTE, AGILIZAÇÃO, JUSTIÇA, PAIS.
  • CONGRATULAÇÕES, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), IMPORTANCIA, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, DEFESA, MELHORIA, SITUAÇÃO, PRESIDIO, RESPEITO, DIGNIDADE, PRESO.
  • SOLICITAÇÃO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), REUNIÃO, MAGISTRADO, ANALISE, PROCESSO, PRESO, CUMPRIMENTO, PENA, PERMANENCIA, PRESIDIO.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tema de maior relevância na discussão dos problemas brasileiros dos tempos atuais é, fora de dúvida, o relacionado ao nosso sistema penitenciário. O assunto está intimamente ligado ao Direito Penal. Tem a ver com a capacidade do Estado de punir os infratores das normas promulgadas com o fim de se manter o mínimo de ordem e respeito social.

A Ciência Jurídica alterou profundamente o conceito de pena e, virtualmente, exige nova concepção da política penitenciária.

Na análise de problema tão crucial, não podem ser desconsideradas as determinantes sociais que levam o homem a delinqüir.

O crime, hoje em dia, não é apenas produto das paixões e ódios desenfreados nem resulta da simples porfia entre indivíduos. Decorre, isto sim, das formas de ordenação social. Não se pode nunca esquecer as determinantes sociais e econômicas que hoje, mais do que nunca, contribuem de forma acelerada e substantiva no incremento das estatísticas criminais.

O Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é, infelizmente, reconhecido em todo o mundo como um País que não dispõe de política penitenciária eficaz; País que ostenta o constrangedor quadro de concentrar elevado número de presos sem as mínimas condições de sobrevivência condigna. Trata-se não só de um atentado evidente à dignidade da pessoa humana, mas também uma violência à dignidade de nosso País.

Consciente da gravidade desses problemas, a Igreja Católica vem encetar agora, na sua já conhecida e profícua Campanha da Fraternidade, o tema que tanto nos humilha e envergonha. É compreensível essa atitude religiosa, ditada não só pela compaixão e pela piedade, mas sobretudo inspirada num sentimento superior de justiça. Não se pode aceitar um retrocesso histórico em que as criaturas humanas sejam tratadas como animais.

Uma pergunta se impõe: qual a razão de se encontrarem as penitenciárias brasileiras abarrotadas de condenados e as celas das delegacias atulhadas de infratores ou de simples suspeitos? Fora de dúvida, isso se deve a uma visão errônea do direito, a uma medievalesca concepção do direito de punir. É a dantesca adoção de um regime que em nada contribui para reeducar, para reintegrar, para ressocializar. Pelo contrário, essa situação abjeta atua como um caldo de cultura para fomentar novos ressentimentos e novas revoltas. Converte-se em uma academia para o infrator que ali entra pré-escolar e sai pós-graduado.

Uma situação dessa natureza não pode subsistir. A Igreja está dando o primeiro alerta. Foi dado o primeiro passo. Passo importante para reavaliar e reconsiderar velhas idéias e conceitos atinentes à noção de pena, crime, criminalidade, criminosos e cadeia. Afora esses aspectos sociais, não se podem olvidar outros, incluídos aí os de natureza econômica, como os elevados custos que resultam da aplicação da pena.

Tivéssemos uma política penitenciária consistente, fosse reconsiderada a própria noção de crime - inclusive com a adoção de modernos princípios que indicam a necessidade de se tentarem penas alternativas -, não estaríamos a viver esse quadro grotesco que se tornou lugar comum no cotidiano noticiário de nossos órgãos de informação.

Importante não é só responder a uma exigência social quase sempre ditada pelo sentimento de vingança, mas descer às raízes sociológicas do fenômeno delinqüêncial para concluir que as penas devem guardar correspondência direta e estrita entre a conduta infratora e os valores ofendidos. Sem essa perversa generalização que a todos trata de forma degenerada como se, por qualquer ilicitude, perdesse alguém o direito de cidadania e fosse por isso jogado na vala comum dos indigentes e miseráveis.

Por isso mesmo, Sr. Presidente, urge enfrentar com seriedade esse problema, que não se relaciona apenas, como dissemos no início, à execução das penas, mas guarda estreita conexão com a tipificação dos delitos e com a conseqüente punibilidade.

É mister, em conseqüência, que se promova a revisão profunda, aberta e consentânea do Código Penal e, por derivação, reveja-se a lei de execuções penais, de forma a solucionar os graves problemas carcerários do País.

Ao lado dos projetos que traduzem esses objetivos cominando penas alternativas, prestação de serviços à comunidade, multas e possibilidade de contratação por órgãos públicos, como última palavra, há que se aplaudir o Projeto de Lei, em trâmite nesta Casa, que trata do denominado efeito vinculante, que nada mais representa do que uma fórmula hábil de descongestionar as instâncias jurisdicionais, prevenindo litígios sobre cujo desfecho já se encontre aresto judicial devidamente assentado.

O País só terá a lucrar quando as instâncias superiores não tiverem de se perder no lamentável processo de reiteração, reeditando decisões sobre processos de cujo conteúdo já exista decisão manifestamente incontroversa.

Para finalizar, quero congratular-me com a CNBB por tão oportuna e conveniente campanha, que não defende apenas o réu, o preso, o miserável tratado de forma infame, mas busca situar o nosso País no pólo daqueles em que a democracia funda-se na dignidade da pessoa humana e no respeito aos mais excelsos valores que constituem a vidas das nações civilizadas.

Desejo também, neste momento, lançar um apelo à Ordem dos Advogados do Brasil, para que, junto aos nossos magistrados, deflagre um movimento que poderíamos chamar de "Mutirão da Justiça", que consistiria na análise dos milhares de processos de presos que já cumpriram suas penas e que continuam encarcerados. Mais que isso, que analise novamente os processos daqueles cujas penas excedam a proporção dos seus delitos e faça cumprir o dispositivo da Lei de Execuções Penais, que dispõe sobre a classificação dos condenados, segundo os seus antecedentes e personalidade, o que contraria a intenção do legislador, quando da elaboração das normas penais. Essa iniciativa, com certeza, terá o apoio desta Casa e de toda a sociedade.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/1997 - Página 5124