Discurso no Senado Federal

VISITA AO CONGRESSO NACIONAL, NESTA MANHÃ, DO PRESIDENTE DA FRANÇA, SR. JACQUES CHIRAC. REALIZAÇÃO DO III ENCONTRO DAS AMERICAS, QUE ACONTECERA EM BELO HORIZONTE, EM MAIO PROXIMO, E DO QUAL FAZEM PARTE O III FORUM EMPRESARIAL DAS AMERICAS E A CUPULA DO CONTINENTE AMERICANO, QUE INTEGRAM O ACORDO PARA A FORMAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA. TRAZENDO AO SENADO A DISCUSSÃO DE ALGUNS PONTOS REFERENTES A INSTITUIÇÃO DA ALCA.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • VISITA AO CONGRESSO NACIONAL, NESTA MANHÃ, DO PRESIDENTE DA FRANÇA, SR. JACQUES CHIRAC. REALIZAÇÃO DO III ENCONTRO DAS AMERICAS, QUE ACONTECERA EM BELO HORIZONTE, EM MAIO PROXIMO, E DO QUAL FAZEM PARTE O III FORUM EMPRESARIAL DAS AMERICAS E A CUPULA DO CONTINENTE AMERICANO, QUE INTEGRAM O ACORDO PARA A FORMAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA. TRAZENDO AO SENADO A DISCUSSÃO DE ALGUNS PONTOS REFERENTES A INSTITUIÇÃO DA ALCA.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/1997 - Página 5544
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • VISITA OFICIAL, JACQUES CHIRAC, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.
  • IMPORTANCIA, ENCONTRO, AMBITO INTERNACIONAL, REALIZAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), VIABILIDADE, FORMAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • DEFESA, POSIÇÃO, INDEPENDENCIA, PAIS, AMERICA DO SUL, REFERENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), FORMAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • CRITICA, LIMITAÇÃO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO AGROPECUARIO, PROCEDENCIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE GOIAS (GO), MOTIVO, POLITICA TARIFARIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), RESULTADO, NECESSIDADE, INDEPENDENCIA, PAIS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), REFERENCIA, COMERCIO EXTERIOR.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje pela manhã recebemos a visita, no Congresso Nacional, do Presidente da República Francesa, Sr. Jacques Chirac. E ele veio, com toda a autoridade de Presidente de uma das maiores potências do mundo, propor uma parceria, um reencontro com o Brasil.

Dentro dessa mesma linha, também estamos na iminência da realização de um evento que tem ocupado significativo espaço nos editoriais e comentários da imprensa especializada, nas últimas semanas, mas que não pode ver-se adstrito ao limitado círculo dos iniciados, tal a sua relevância para a definição dos rumos do desenvolvimento do País.

Sr. Presidente, para felicidade minha, também hoje recebi do nobre companheiro Senador Francelino Pereira um encarte, uma publicação que faz referência ao tema que vou trazer aqui.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, refiro-me ao III Encontro das Américas, que acontecerá em Belo Horizonte, em maio próximo, e do qual fazem parte o III Fórum Empresarial das Américas e a cúpula do continente americano, que integram o acordo para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Demonstração irrefutável da importância estratégica do empreendimento pode ser visualizada na ocorrência, não por acaso simultânea ao evento, da visita do Presidente Bill Clinton ao Brasil. Quanto à importância da temática da integração hemisférica, não há, no momento, qualquer assunto da agenda das relações internacionais que se lhe compare em termos de oportunidade e inevitabilidade.

Há, no entanto, além do consenso quanto à obrigatoriedade dessa questão, a necessidade de reconhecer a complexa conjuntura do projeto. Deve-se, como conseqüência, aprofundar a reflexão a respeito dos enormes desdobramentos que a iniciativa propicia, não só no plano comercial mas também no quadro mais amplo do próprio destino das nações envolvidas.

Ciente de que este não é o fórum apropriado para análises de tal amplitude, lembro, contudo, a determinação constitucional que atribui ao Senado Federal a função precípua de zelar pelos altos interesses nacionais em operações dessa natureza. É, portanto, no cumprimento desse desígnio que trago à discussão alguns pontos referentes à instituição da Área de Livre Comércio das Américas, a fim de evitar a omissão de um posicionamento institucional desta Casa em relação ao assunto.

Sr. Presidente, há pouco, os Senadores Eduardo Suplicy e Ney Suassuna falaram de uma parte importante do Acordo da Área de Livre Comércio das Américas, onde se insere a preocupação essencial e primordial com o ser humano.

Inicialmente, encareceria a benevolência das Srªs e dos Srs. Senadores para acompanhar-me num breve percurso histórico que tem por objetivo propiciar-nos as informações e as perspectivas necessárias à reflexão que se tentará empreender a seguir.

Embora muitos, equivocadamente, identifiquem o marco inicial da Alca na reunião da Cúpula das Américas, realizada em dezembro de 1994, em Miami, nos Estados Unidos, na verdade, alguns eventos antecederam aquele encontro. Em 1990, o então Presidente Bush propôs a realização de um acordo de livre comércio, dívida externa e investimento. As negociações se realizariam bilateralmente, e os países expressariam o interesse na proposta por meio da assinatura de acordos-quadro. Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram, conjuntamente, como membros do Mercosul, em 1991, o acordo-quadro que ficou conhecido como "Quatro Mais Um". Ao mesmo tempo, os Estados Unidos negociavam com o México a formação de uma área de livre comércio que deu origem ao Nafta. A realização de acordos bilaterais independentes entre os Estados Unidos e os países da América Latina criaria uma teia complicada de preferências comerciais.

Em dezembro de 1994, na Cúpula das América, em Miami, o governo dos Estados Unidos propôs novamente a criação da Área de Livre Comércio das Américas. Naquela ocasião, o discurso norte-americano defendia a criação da Alca por meio da ampliação do Nafta. No entanto, acabou prevalecendo a proposta dos países do Mercosul de conduzir as negociações por intermédio dos blocos existentes. Na reunião de Denver, em 1995, foi fixado o prazo de 2005 para a implantação da Alca e diversos grupos de trabalho foram instituídos (investimentos, serviços, identificação das principais barreiras protecionistas, entre outros).

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Nobre Senador Mauro Miranda, peço desculpas por interromper o seu discurso, para dizer que vou prorrogar a Hora do Expediente pelo tempo necessário, a fim de que V. Exª possa terminá-lo e para podermos ouvir comunicações inadiáveis de dois Senadores que estão inscritos.

O SR. MAURO MIRANDA - Muito obrigado Sr. Presidente.

A agenda proposta pelo governo norte-americano, atualmente, abarca temas que incluem desde medidas que influenciam diretamente o comércio até áreas ainda sujeitas a diversas controvérsias, como meio ambiente e direitos de trabalho.

Alguns analistas dos acordos internacionais têm considerado verdadeiramente "imperialista" essa postura norte-americana, exemplificada no Nafta, que consiste em aplicar suas leis extraterritorialmente, estendendo conceitos de legislação pertinentes a capitais estrangeiros, propriedade intelectual, abuso do poder econômico, tráfico de drogas, imigração ilegal e até administração da justiça, sob o eufemismo de "convergência de valores" e o pretexto de liberalização comercial. Para esses analistas, o conceito da Alca, formatado nos moldes do Nafta, seria um verdadeiro desastre sem precedentes para o Brasil.

A esse propósito, a posição brasileira tem sido clara e firme e pode ser facilmente identificada nos diferentes momentos em que se pronunciou o Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, defendendo o fortalecimento das relações interamericanas e o crescimento do comércio e dos fluxos de investimentos intra-regionais como instrumentos do objetivo mais amplo de uma melhor inserção da economia brasileira na economia internacional. A postura revela, portanto, cautela na abordagem da integração hemisférica, recomendando que ela se faça sobre uma base firme e um processo de consolidação econômica, contemplando, sempre, o interesse maior da estabilidade e do crescimento sustentado em todo o continente.

Diante desses fatores e outros que, aqui, não cabe aprofundar, concluímos que o Brasil e os outros países do Mercosul devem negociar em bloco, no âmbito da Alca, resistindo à pressão dos EUA para acelerar o acordo e inverter a ordem das prioridades temáticas na negociação. Os membros do Mercosul devem, primeiramente, consolidar-se como bloco e deixar para uma etapa final a negociação para reduzir tarifas, ao contrário do que propõem os EUA, que preferem iniciar a liberalização comercial já a partir de março de 1998, quando haverá em Santiago do Chile o encontro da Cúpula das Américas.

Como se vê, Srªs e Srs. Senadores, em que pese a liderança natural que Washington deve exercer, pois os EUA representam, sozinhos, 75% do PIB somado dos outros 34 países do acordo, não pode haver uma posição hegemônica no processo de negociação. Os EUA têm o seu ponto de vista, e o Brasil, o seu, não só como nação autônoma, mas como integrante de um bloco. O Mercosul tem o seu ritmo e um propósito concreto, que é ampliar o esquema de relações com a América Latina. A Alca tem um processo definido, com uma série de pautas e procedimentos. A aceleração de uma dinâmica não se pode fazer em prejuízo da outra. Há dados da realidade que não podem ser ignorados, sob pena de perdermos a visão do contexto global: os Estados Unidos querem liberalizar a informática, mas aplicam um imposto de US$450 por tonelada sobre o suco de laranja brasileiro. O açúcar brasileiro entra nos EUA restrito a uma quota de 170 mil toneladas, e o álcool de cana é bloqueado, porque ali se queima álcool de milho. Questão análoga ocorre com a área agrícola, o que particularmente me toca, em razão da minha trajetória de vida: Canadá e Estados Unidos subsidiam suas agriculturas em cerca de US$200 bilhões anuais. Esses subsídios custam, anualmente, para o Brasil e a Argentina, valor equivalente aos serviços de suas dívidas externas.

Ainda em relação à área agrícola, acrescida da pecuária, particularmente afetas aos interesses do Estado que tenho a honra de representar neste Senado, o Estado de Goiás - e, por que não dizer, a Região Centro-Oeste -, gostaria de apontar ainda alguns aspectos: além de estarmos entre os atingidos pelas restrições tarifárias que afetam a exportação do suco de laranja brasileiro, e pela concorrência desigual da soja americana subsidiada, somos prejudicados também pelo excessivo rigor das barreiras sanitárias e fitossanitárias.

Conto com a compreensão dos meus Pares em relação à ênfase com que destaco a atividade agropecuária. Não o faço somente na defesa dos interesses de Goiás. A agricultura não é, ao contrário do que se possa pensar, coisa do passado, ramo de atividade superado pelo fenômeno da industrialização, excessivamente destacado pelos norte-americanos. Um país como o Brasil, com vastas extensões de terras agricultáveis, abundantes recursos hídricos, insolação e clima adequados para a maioria das culturas, tem o dever de dar prioridade aos temas agropecuários no contexto das trocas comerciais externas. Nesse aspecto é que o Estado de Goiás assume a importância contextual.

Mediante a delicadeza e a importância estratégica dos temas ora mencionados, ainda que numa abordagem obrigatoriamente sucinta, espero ter conseguido demonstrar, Srªs e Srs. Senadores, que o consenso em matéria comercial não é tão natural quanto possa parecer, assim como o consenso em quaisquer matérias que envolvam interesses de diferentes sociedades. Houve, nos últimos tempos, uma tendência a considerar que o processo de globalização dos mercados impor-se-ia, no mundo todo, independentemente da política que este ou aquele país viesse a adotar, como se se tratasse de um imperativo tecnológico, semelhante ao que comandou o processo de industrialização. Hoje, já não podemos ignorar as evidências de que devemos levar em conta os argumentos regionais, sobretudo aqueles que manifestam coesão política e identidade cultural entre as partes, além da estrita aproximação econômico-comercial.

Finalmente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de reiterar a necessidade de um acompanhamento vigilante do Congresso Nacional, para que a Alca seja construída sobre compromissos equilibrados, equitativos e vantajosos para cada uma das partes. Nesse sentido, considero indispensável a participação de representante deste Poder, na reunião de Belo Horizonte, ainda que na qualidade de observador.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/1997 - Página 5544