Pronunciamento de Gilberto Miranda em 12/03/1997
Discurso no Senado Federal
PREMENCIA DO AJUSTE FISCAL.
- Autor
- Gilberto Miranda (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
- Nome completo: Gilberto Miranda Batista
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA FISCAL.:
- PREMENCIA DO AJUSTE FISCAL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 13/03/1997 - Página 5575
- Assunto
- Outros > POLITICA FISCAL.
- Indexação
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- DEFESA, URGENCIA, APROVAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REFORMA ADMINISTRATIVA, AJUSTE FISCAL, MELHORIA, FISCALIZAÇÃO, OBJETIVO, CONTROLE, DESPESA PUBLICA, PAIS.
O SR. GILBERTO MIRANDA (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Brasil de hoje guarda uma enorme distância daquele país em que vivíamos nos anos 80 e nos três primeiros anos da presente década: a instabilidade causada pela hiperinflação sempre iminente deu lugar à estabilidade do real e, como conseqüência, o nefasto cassino da ciranda financeira vai sendo substituído, cada vez mais, pelos investimentos produtivos, anunciados e realizados em volumes recordes, tanto pelo capital nacional quanto pelo estrangeiro.
É importante que se diga que, atualmente, tal é a confiança demonstrada, por parte dos agentes econômicos, na condução da economia brasileira, que os investimentos se multiplicam, apesar de o País ainda praticar uma das taxas de juro mais altas do mundo. Lentamente, todavia, os juros vão recuando, o que traz perspectivas ainda melhores de desenvolvimento econômico.
É por causa do salto qualitativo que logramos obter, a partir do advento do Plano Real, no que se refere às perspectivas de desenvolvimento de nosso País, que não podemos sequer admitir a possibilidade de que o processo de estabilização da moeda nacional venha a naufragar. Cumpre dizer, no entanto, que, para evitar de forma definitiva um malogro nesse particular, faz-se ainda necessário implementar talvez o principal fundamento de qualquer plano de estabilização: o ajuste fiscal.
Pois, quando o Governo gasta mais do que arrecada, como ocorre presentemente, ou ele emite moeda para fechar suas contas ou endivida-se. No primeiro caso, ele produz inflação de forma imediata. No segundo, irá produzir inflação num futuro mais ou menos distante, quando chegar a hora de pagar sua dívida, se até lá não tiver sido capaz de conseguir um excedente tributário suficiente para reduzi-la. Não há como fugir dessa simples equação contábil, por maiores que sejam nossos malabarismos intelectuais.
Na atual conjuntura, não querendo solapar seu plano de estabilização por meio de emissão de moeda sem lastro, o Governo tem lançado mão da segunda alternativa: o endividamento. Não é à toa que a dívida interna em títulos do Governo Federal passou de 57 bilhões de reais em maio de 1994, dois meses antes da entrada em vigência da nova moeda, para mais de 160 bilhões de reais hoje, um aumento de quase três vezes. A situação fiscal de Estados e Municípios também tem-se deteriorado nos últimos dois anos, principalmente pelo efeito das altas taxas de juro sobre suas dívidas.
O fato é que as contas do Setor Público referentes a 1995 pioraram em relação ao ano imediatamente anterior: apresentaram um déficit operacional de 5% do PIB e um superávit primário desprezível de 0,44%, quando, em 1994, haviam tido um déficit operacional de apenas 1,37% do PIB e um superávit primário de 5,1%. Embora os números citados, referentes a 1995, ainda estejam longe de serem alarmantes, indicam uma tendência de deterioração rápida que é preocupante e que, portanto, precisa ser revertida o quanto antes.
Não resta dúvida de que grande parte dessa piora do quadro fiscal do Setor Público pode ser atribuída à própria estabilização da moeda, uma vez que, com a inflação alta do passado, os administradores públicos acostumaram-se a ajustar a caixa do Tesouro mediante a protelação do pagamento a credores. Pois, quanto maior era o atraso nos pagamentos, maior era a desvalorização real que esses sofriam. Assim, com a moeda estável, não mais se pode cortar despesas por esse método. Cumpre, nessa medida, adequar a administração dos recursos públicos à nova realidade imposta pela estabilização.
Assim, a partir de um contexto de inflação baixa, faz-se mister proceder a uma análise minuciosa sobre a estrutura dos gastos públicos no Brasil. No que se refere às despesas do Governo Federal, é o que faz o trabalho "Situação Fiscal em 1995 e Perspectivas", de autoria do economista Raul Velloso, que foi Secretário para Assuntos Econômicos da SEPLAN, no período de 1985 a 1989.
Ora, sabemos que as despesas financeiras da União estão diretamente relacionadas ao patamar das taxas de juro que incidem sobre a dívida mobiliária interna. É certo que parte dessa dívida pode vir a ser amortizada com dinheiro proveniente das privatizações, embora eu seja de opinião que não se pode, sem mais, desfazer-se do patrimônio público, construído ao longo de décadas, e carrear a receita apurada para os bolsos do maior credor do Governo, o setor bancário. Uma política de rendas deve preceder uma tal transferência de recursos, de forma a impedir uma brutal concentração de renda em favor dos bancos. Mas esse é um tema para um outro discurso, não o quero abordar no momento. O que desejo ressaltar, no entanto, é que, sem queda nas taxas de juro, fica impossível conter o aumento desenfreado da dívida pública, como hoje ocorre.
A verdade, todavia, é que a melhor maneira de começar a amortizar a dívida pública, diminuindo seu estoque, é conseguir superávits primários razoáveis nas contas do Governo Federal, -- e aqui passamos para o universo das despesas não financeiras.
Ora, superávits primários razoáveis, que possam ajudar a pagar a conta dos juros e a amortizar parte da dívida pública, somente podem ser obtidos por intermédio do corte de despesas não financeiras, pois parece ser quase um consenso que a União chegou ao limite no que respeita ao aumento de suas receitas, após o incremento verificado nos últimos dois anos. Para se cortar gastos, por sua vez, é necessário que se conheça a estrutura das despesas não financeiras da União, daí a importância do estudo do economista Raul Velloso.
O mencionado trabalho é otimista num ponto: para o autor, o aumento de despesas ocorrido diretamente em razão das mudanças consagradas na Constituição de 1988 já chegou a seu termo. Entre tais aumentos de despesas, pode-se citar os seguintes: o acréscimo nas transferências constitucionais a Estados e Municípios, o qual teve impacto nas receitas da União de forma imediata, desde a promulgação da nova Constituição; na esfera da Previdência Social, a incorporação de cerca de cinco milhões de aposentadorias rurais e a implantação do piso de um salário mínimo para as aposentadorias; o fim da transferência de recursos do INSS para pagamento de despesas da área da Saúde, as quais passaram, desde 1993, a serem cobertas com recursos do Orçamento Fiscal; a introdução do instituto do seguro-desemprego; e, finalmente, o aumento de despesa com salários e vantagens auferidas pelos funcionários públicos em razão da extensão do Regime Jurídico Único a todo o funcionalismo, regime no qual foram enquadrados cerca de 400 mil servidores federais anteriormente sob o amparo da CLT.
Aliás, a preços constantes de junho de 1995, a despesa com o funcionalismo do Governo Federal, entre ativos e inativos, saltou de 24 bilhões de reais, em 1987, para 36 bilhões de reais em 1995, uma expansão de despesa de 50% em apenas oito anos! (Não me consta que tenha havido uma melhoria proporcional da qualidade dos serviços públicos prestados à população.)
Analisando os componentes da despesa não financeira do Governo Federal, em relação à receita global, líquida das transferências constitucionais para Estados, Municípios e fundos de desenvolvimento regional, -- o economista Raul Velloso chega à seguinte estrutura de gastos para o ano de 1995:
38% da receita líquida corresponderam à despesa de pessoal;
35% a benefícios previdenciários;
3% ao seguro-desemprego (inclusive abono salarial);
8% às despesas de custeio e de capital da área da Saúde;
11% às despesas de custeio e de capital das demais áreas da administração, como educação, infra-estrutura, agricultura etc.
Note-se, porém, que os 38% referentes a despesas com pessoal estão subavaliados, uma vez que as aposentadorias e benefícios dos funcionários inativos da União têm sido pagos com verbas orçamentárias da Seguridade Social, de acordo com o que dispõe a Medida Provisória nº 964, de 1995. Traduzindo em português claro, isso significa que recursos da previdência dos trabalhadores do setor privado, constituídos pelas contribuições desses e das empresas para as quais trabalham, estão sendo desviados para custear aposentadorias e benefícios dos funcionários públicos da União.
É importante a conclusão a que chega o economista Raul Velloso a partir da estrutura das despesas não financeiras da União. Segundo ele, "a curto e médio prazo, as variáveis-chave para a evolução futura das contas públicas são o salário-mínimo e o reajuste do funcionalismo, no caso do resultado primário." Tal conclusão se impõe, à vista das porcentagens de gastos apresentadas anteriormente, -- pois 38% de despesas com pessoal, mais 35% de despesas com benefícios previdenciários, mais 3% de despesas com o salário-desemprego e com o abono salarial somam 76% da receita disponível do Governo Federal, os quais são comprometidos em gastos com salários, benefícios e aposentadorias.
Portanto, dada a magnitude dessas despesas, é quase natural que o administrador da caixa do Tesouro pense nos seguintes termos: se quero conter as despesas da União, de forma a promover um ajuste fiscal primário, devo negar reajustes ao funcionalismo, além de impedir que o salário-mínimo cresça muito, uma vez que os benefícios previdenciários e as aposentadorias estão a ele atrelados.
Afirmam muitos críticos que conter o reajuste de salários do funcionalismo e impedir um aumento acentuado do salário-mínimo constituem-se maneira ineficaz de equilibrar as contas públicas. Tais medidas até podem ser indesejadas ou mesmo cruéis, mas que fazer diante da evidência de que, por meio dessas contenções, consegue-se controlar nada menos do que 76% das despesas não financeiras da União?
É por isso que o autor do trabalho comentado aqui, o economista Raul Velloso, chega à ilação de que, a curto prazo, o ajuste fiscal nas despesas não financeiras da União somente poderá ser obtido à custa de moderação na concessão de reajustes salariais ao funcionalismo e no aumento do salário-mínimo.
Todos hão de concordar comigo: penso ser desejável que desarmemos essa armadilha em que nos metemos, na qual a contenção de salários do funcionalismo e a moderação nos aumentos do salário-mínimo se converteram, pela própria realidade da estrutura de gastos da União, nas grandes variáveis de ajuste com vista a produzir um superávit primário, não desprezível, nas contas públicas.
A forma de desarmar tal armadilha, -- não existe outra, -- é discutir e aprovar a reforma da Previdência e a reforma administrativa. Quanto mais protelarmos essas decisões, maiores serão os custos a serem pagos, respectivamente, pelos beneficiários da Previdência Social e pelos funcionários públicos. É pena que os sindicatos dos servidores públicos federais, por exemplo, não estejam alertas para esse fato, agarrando-se tão-somente à manutenção de alguns benefícios que uns chamam direito adquirido e outros, privilégios insustentáveis.
Muito ainda haveria para se dizer a respeito dessas duas reformas, imprescindíveis para a saúde das contas públicas, mas, no presente momento, não me vou estender mais do que já o fiz. Apenas concluiria essa intervenção alertando para que a política infausta de juros altos, que tantos prejuízos traz ao setor produtivo brasileiro e à redução do endividamento público, é prima-irmã do desequilíbrio fiscal do Estado. Em outras palavras, a política monetária é rígida porque a política fiscal é frouxa. Dito ainda de outra maneira, o déficit fiscal do Setor Público causa pressão no mercado financeiro, ou seja, aumenta a necessidade de financiamento do Estado por meio de poupança privada. Isso tem o efeito de elevar as taxas de juro
Na realidade, somente após a concretização das reformas da Previdência, administrativa e fiscal o País deverá encontrar o caminho definitivo para um desenvolvimento pleno e harmônico que tanto almejamos, daí porque insistimos na sua mais rápida aprovação pelo Congresso Nacional.
Era o que tinha a dizer.