Discurso no Senado Federal

ANUNCIANDO PARA BREVE A APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO SOLICITANDO A REALIZAÇÃO DE UM SEMINARIO SOBRE MANIPULAÇÕES GENETICAS, A REALIZAR-SE NO CONGRESSO NACIONAL, COM O OBJETIVO DE DISCUTIR E ANALISAR OS DIVERSOS ASPECTOS E CONSEQUENCIAS DOS AVANÇOS CIENTIFICOS OBTIDOS COM A CLONAGEM DE ANIMAIS.

Autor
Leomar Quintanilha (PPB - Partido Progressista Brasileiro/TO)
Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • ANUNCIANDO PARA BREVE A APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO SOLICITANDO A REALIZAÇÃO DE UM SEMINARIO SOBRE MANIPULAÇÕES GENETICAS, A REALIZAR-SE NO CONGRESSO NACIONAL, COM O OBJETIVO DE DISCUTIR E ANALISAR OS DIVERSOS ASPECTOS E CONSEQUENCIAS DOS AVANÇOS CIENTIFICOS OBTIDOS COM A CLONAGEM DE ANIMAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/1997 - Página 5656
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, MESA DIRETORA, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, DISCUSSÃO, GENETICA, ETICA, MANIPULAÇÃO, BIOTECNOLOGIA, EFEITO, APLICAÇÃO, DESCOBERTA, TECNOLOGIA, PRODUÇÃO, CLONE, LABORATORIO.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PPB-TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era do meu desejo iniciar nesta tarde a discussão de um tema da maior significação, da maior importância, cujo debate já corre de forma paralela, não só na sociedade brasileira como também em outros países. Devo, contudo, registrar a preocupação pelo fato, para que a questão que vou abordar nesta oportunidade seja realmente debatida nesta Casa e no Congresso Nacional, foro mais legítimo para discussão de matérias que envolvem a sociedade brasileira.

No preâmbulo da Constituição do Brasil, os Constituintes de 1988 pediram a proteção de Deus para promulgar a Carta Magna que acabavam de votar em nome do povo brasileiro.

V. Exª, Sr. Presidente, invoca todos os dias o nome do Senhor para instalar os trabalhos desta Casa.

Srªs e Srs. Senadores, quero iniciar meu pronunciamento sobre um tema que chama a atenção de todos, lembrando as palavras de Dom Estevão Bittencourt, teólogo da Arquidiocese do Rio de Janeiro: "estão mexendo com Deus".

Sim, gostaria de trazer ao plenário desta Casa o tema da reprodução artificial de animais e, possivelmente, de seres humanos, num futuro muito próximo, tema esse que passou a ter as atenções mundiais a partir da produção de um clone de uma ovelha em Edimburgo, capital da Escócia, há poucas semanas.

As experiências do professor Ian Wilmut, do Instituto Roslin, na capital escocesa, ganharam as manchetes dos jornais de todos os países no início de março, e as fotografias e as imagens de uma doce e cândida ovelha, a "Dolly", como ficou conhecida, invadiram os lares de todas as nações. Imediatamente os pesquisadores norte-americanos do Centro de Primatas do Oregon anunciaram a produção de dois clones de macacos, para demonstrar que não eram apenas os britânicos que conseguiam fabricar animais. E o que é pior, anunciavam - talvez com orgulho - a clonagem dos animais mais próximos da cadeia biológica do homem!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não sei como cada um dos senhores reagiu a essas notícias; não sei como cada membro de suas famílias encarou essa perspectiva de se produzir clones humanos dentro de dois ou três anos.

O que sei, Sr. Presidente, é que a minha reação pode ser traduzida pela maior preocupação quanto à possibilidade de o homem, mais uma vez, sobrepor-se às leis da natureza, transformando-se no único senhor do destino biológico de todos os seres e manipulador da evolução da espécie humana.

Neste momento, as quase duas mil empresas que financiam experiências semelhantes às do Prof. Ian Wilmut tratam de zelar pelos investimentos que já realizaram e que, segundo cálculos modestos, superam a casa dos 20 bilhões de dólares. Querem demonstrar que a clonagem de animais e plantas será benéfica para a humanidade na medida em que possibilitará a melhoria genética das espécies, multiplicando as possibilidades de maior produção de alimentos, por exemplo.

Ressaltam, também, as experiências que estão sendo feitas pela empresa Alexion, dos Estados Unidos, que pesquisa a alteração da estrutura genética de porcos com o objetivo de produzir corações, fígados e outros órgãos compatíveis com os órgãos humanos, a fim de auxiliar na busca de soluções médicas para enfermidades que afetam o ser humano.

Já se fala na possibilidade de cura de doenças como o câncer ou a Aids por meio da engenharia genética e até mesmo do controle das células que comandam o tempo de vida do ser humano, possibilitando assim experiências sobre a morte geneticamente programada.

Ao lado dessas promessas mirabolantes, representantes

da comunidade científica internacional, alguns de renome indiscutível, ressaltam os avanços da ciência e da tecnologia que serão alcançados com o desenvolvimento de experiências para a produção artificial de seres animados.

E, por isso, pedem que não se condene a clonagem da ovelha escocesa de forma precipitada, diante da polêmica que se criou em torno do tema perante a possibilidade concreta de produção de seres humanos em laboratório.

Citado pela imprensa, o Prof. James Watson, um dos ganhadores do Prêmio Nobel pela descoberta do DNA, o código genético, afirmou que "o cientista de ponta não pode pensar muito em custos sociais ou aspectos éticos, pois, se ele refletir muito, não avança".

Não posso concordar com pensamentos como esse, Srªs e Srs. Senadores. Ao contrário, creio, de forma firme e absoluta, que os aspectos éticos e morais devem preceder qualquer discussão sobre a possível fabricação artificial de seres humanos, como de resto, devem preceder qualquer posicionamento e iniciativa de governos e organizações especializadas. Creio, de forma firme e absoluta, que os aspectos éticos e morais devem ser considerados quando se avança no campo científico e tecnológico.

Não poderei aceitar, jamais, a posição daqueles que pretendem que a ciência prevaleça sobre a ética, que a tecnologia prevaleça sobre a moral. Ao contrário, penso que se deve buscar o desenvolvimento científico e tecnológico no setor da engenharia genética, mas nunca, repito, às custas de princípios éticos.

As notícias divulgadas explicaram a clonagem da ovelha Dolly de forma bastante simples, que passo a repetir, ressalvando, no entanto, os cuidados que se deve observar em todas as simplificações de conceitos complexos como esse.

Aparentemente, o Prof. Ian Wilmut:

a) extraiu o núcleo inteiro de uma célula de mama de uma ovelha, descartando o resto da célula;

b) retirou o núcleo de um óvulo não fertilizado de uma segunda ovelha;

c) no óvulo não fertilizado - já sem o seu núcleo original - da segunda ovelha, o cientista inseriu o núcleo da célula da primeira ovelha. O óvulo hospedeiro aceitou o núcleo como se fosse seu e começou a se dividir normalmente para formar um feto, como se tivesse sido fecundado por um espermatozóide;

d) o Prof. Wilmut colocou o óvulo assim alterado no útero de uma terceira ovelha e do processo nasceu "Dolly", um clone igualzinho à primeira ovelha. "Dolly" manteve todo o código genético contido no núcleo retirado da célula mamária da primeira ovelha.

Estava fabricado o clone de uma ovelha; estava recriada uma ovelha exatamente igual à ovelha matriz.

Srªs e Srs. Senadores, imaginemos agora que a mesma experiência se repita com seres humanos e dentro de poucos anos os laboratórios estarão em condição de fabricar clones de seres humanos, programados para realizar tarefas específicas e obedientes a comandos determinados.

Estará a humanidade preparada para um salto tão grande na história da civilização? Ou estaremos possibilitando que organizações, como as do tráfico de drogas, por exemplo, organizem seus exércitos, espalhando-os pelos quatro cantos do mundo?

Pensar nessas possibilidades é fantasiar sobre o futuro?

O professor Bruce Hilton, pesquisador do Centro Nacional de Biotécnica dos Estados Unidos, afirmou recentemente que "não duvido que a clonagem de um ser humano não esteja sendo tentada em algum canto escuro de alguma universidade desconhecida".

As autoridades mais responsáveis da comunidade mundial também pensam da mesma forma e por isso o Papa João Paulo II denunciou a possibilidade de se fazer a clonagem humana, afirmando que "o ser humano tem direito a nascer de forma natural e não em laboratórios".

O Presidente Bill Clinton, dos Estados Unidos, suspendeu a concessão de fundos federais a qualquer pesquisa que leve à manipulação de embriões humanos e solicitou a uma comissão especial que apresente, até junho próximo, um relatório sobre a pesquisa biogenética e as biotecnologias em geral.

A Organização Mundial de Saúde, órgão das Nações Unidas, anunciou, por sua vez, que cientistas e professores de ética vão se reunir para estudar medidas que evitem a clonagem de seres humanos.

E no Brasil, Sr. Presidente, como o tema da clonagem está sendo colocado?

Quais as providências do Governo e da sociedade em geral para evitar a clonagem humana?

Seriam suficientes os limites estabelecidos no projeto pioneiro apresentado a esta Casa pelo Senador Marco Maciel e que se transformou na Lei 8.974, de 1995? Os dispositivos dessa lei, sancionada para disciplinar "o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados", bastam para prevenir a clonagem de seres humanos em nosso País? Como estão as experiências de engenharia genética em entidades como a EMBRAPA ou as Universidades de São Paulo e de Brasília, por exemplo? Até que ponto as exigências do desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil devem prevalecer sobre os aspectos éticos da clonagem e seus desdobramentos?

Sr. Presidente, as questões se sucedem e as perguntas não encontram respostas convincentes.

As informações que recebi nesses últimos dias demonstram, Srªs e Srs. Senadores, que vários setores estão se movimentando em torno da questão da clonagem de animais e da engenharia molecular de plantas medicinais.

Sabemos, por exemplo, de experiências da EMBRAPA que buscam criar clones bovinos, ainda este ano, visando a aumentar a produção de carne e leite e melhorar geneticamente o rebanho nacional. Sabemos, também, que as Universidades de São Paulo e Brasília, entre outras, estão pesquisando o assunto, e os cientistas de organizações como a Fundação Osvaldo Cruz, do Rio de Janeiro, já se debruçaram no estudo do tema.

A iniciativa mais importante, no nosso entender, surgiu no âmbito da Comissão Nacional de Biosegurança, órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Os 18 especialistas brasileiros integrantes da Comissão reuniram-se aqui em Brasília nos dias 6 e 7 de março para analisar a Lei Marco Maciel.

Os professores e cientistas da Comissão de Biosegurança chegaram a algumas conclusões preocupantes e entre elas a constatação de que a Lei Marco Maciel proíbe a manipulação de células germinais, ou seja, células embrionárias com capacidade reprodutiva, mas não tratou das experiências com clones, exatamente aquelas que permitiram o surgimento de Dolly, na Escócia.

O professor de Biotécnica da Universidade de Brasília, Wolnei Garrafa, é integrante da Comissão e em suas colocações à imprensa informou que a Comissão discute o assunto tecnicamente, mas "precisamos de um debate político mais amplo".

A Comissão, aliás, sugeriu a elaboração de um Código de Ética de Manipulações Genéticas e, ainda, a criação de um Comitê Nacional de Bioética.

É nosso ponto de vista, Srªs e Srs. Senadores.

Precisamos, urgentemente, de um debate político amplo sobre a biogenética em nosso País. Um debate que tenha a participação da sociedade civil brasileira e da nossa sociedade científica, e que conte com a participação dos representantes do Executivo, do Judiciário e, em especial, com a nossa participação parlamentar, pois é o Congresso Nacional o grande foro da discussão dos temas da nacionalidade.

Por isso, Srªs e Srs. Senadores, resolvi colocar hoje o tema das experiências biogenéticas perante o Plenário desta Casa e requerer à Presidência do Senado Federal as providências necessárias para a convocação de um Seminário sobre Manipulações Genéticas a realizar-se no Congresso Nacional e com o objetivo de discutir e analisar os diversos aspectos e conseqüências dos avanços científicos obtidos com a clonagem de animais.

O seminário deverá discutir os aspectos éticos, científicos e tecnológicos, e também culturais da matéria. Servirá de base para a adoção das medidas que se fizerem necessárias para disciplinar as pesquisas científicas que possam levar à criação de seres humanos artificiais por meio de manipulações biogenéticas.

Tenho certeza, Sr. Presidente, que a Presidência da República estará interessada em participar do seminário para prestar ao povo brasileiro as informações sobre a política que pretende executar em matéria de biogenética. Os diversos ministérios, em especial o da Ciência e Tecnologia, também deverão se fazer representar nesse evento.

O Poder Judiciário, igualmente, também estará interessado em seguir os debates, coletar as informações e dar a sua contribuição para uma eventual adoção de novas normas jurídicas disciplinadoras da matéria.

Estou convencido, ainda, da importância da participação de representantes da Igreja, da Ordem dos Advogados e outras representações da sociedade civil, inclusive da própria imprensa brasileira, que tem divulgado com a maior correção, até o momento, todas as informações sobre a possibilidade de clonagem de seres humanos no futuro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Congresso Nacional não pode ficar a reboque do debate de um tema tão importante para a sociedade e, por isso, antes de se pensar na apresentação de qualquer projeto de lei ou algum outro tipo de providência parlamentar, creio que é do interesse de todos os Sr. Senadores obter maiores e mais profundas informações sobre o assunto, participando dos debates que se produzirão no seminário.

Diante disso, reafirmo a certeza do apoio de V. Exª, Sr. Presidente, para a realização do seminário aqui proposto.

Quero expressar, também, a certeza de que apoio e a participação de todos os parlamentares são essenciais para o êxito do seminário.

Encaminho à Mesa Diretora o requerimento solicitando a realização do Seminário sobre Manipulações Genéticas no Congresso Nacional.

      Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

      Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/1997 - Página 5656