Discurso no Senado Federal

DEFENDENDO A REVISÃO DE DECISÃO DO CONSELHO MONETARIO, TOMADA NO DIA 22 DE JANEIRO ULTIMO, QUE LIBEROU OS BANCOS DE APLICAREM PARTE DAS EXIGIBILIDADES BANCARIAS PARA FINANCIAR A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS DA CESTA BASICA, PERDENDO, ASSIM, UM IMPORTANTE INSTRUMENTO DE POLITICA AGRICOLA.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • DEFENDENDO A REVISÃO DE DECISÃO DO CONSELHO MONETARIO, TOMADA NO DIA 22 DE JANEIRO ULTIMO, QUE LIBEROU OS BANCOS DE APLICAREM PARTE DAS EXIGIBILIDADES BANCARIAS PARA FINANCIAR A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS DA CESTA BASICA, PERDENDO, ASSIM, UM IMPORTANTE INSTRUMENTO DE POLITICA AGRICOLA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/1997 - Página 5698
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, REVISÃO, DECISÃO, CONSELHO MONETARIO NACIONAL (CMN), LIBERAÇÃO, BANCOS, APLICAÇÃO, EXIGIBILIDADE, REDE BANCARIA, FINANCIAMENTO, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, DESTINAÇÃO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS.
  • CRITICA, FALTA, EFICACIA, POLITICA AGRICOLA, RESTITUIÇÃO, CAPACIDADE, PRODUÇÃO, AGRICULTOR.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Federal assusta-nos com algumas de suas atitudes e nos faz questionar quanto a seus reais objetivos de apoio à agricultura. Exemplo dessa incongruência nos é dado pelo anúncio de que o Conselho Monetário Nacional, no dia 22 de janeiro último, liberou os bancos de aplicarem parte das exigibilidades bancárias para financiar a produção de alimentos da cesta básica. Com isso, o Poder Público perde um importante instrumento de política agrícola, algo inadmissível no atual contexto de minguados recursos para a pequena propriedade.

           Não é demais relembrar que os pequenos produtores são os maiores responsáveis pelos alimentos que compõem a cesta básica do trabalhador. Na estrutura atual, a pequena propriedade de até cem hectares responde por mais de um terço do arroz colhido; a percentagem chega a 79% quando se trata do feijão; dois terços do milho vêm dessa mesma fonte, assim como um terço da soja; 69% da batata, assim como 77% das aves e 82% dos suínos saem das roças dos pequenos.

           Esses dados, por um lado, comprovam a persistência do homem do campo, apesar da falta de incentivos; por outro, denunciam a precariedade de nossa produção agropecuária. Revelam que há razões para o lavrador reduzir, cada vez mais, a área cultivada e até mesmo abandonar a terra, por não obter a recompensa pelo trabalho tido com ela. Para se ter uma idéia, de 95 para 96 houve um decréscimo de quase dez por cento da área cultivada.

           E vejam, Srªs e Srs. Senadores, que vem de longe a resistência do produtor rural. Desde os anos cinqüenta, com a política de incentivo à substituição de importações, o campo perde em detrimento dos setores urbanos. O incentivo às exportações na década de sessenta também contribuiu para a transferência de renda. Já nas duas últimas décadas, os planos de estabilização econômica, incluído o Plano Real, foram responsáveis por mais uma parcela de empobrecimento do campo. Estudos especializados demonstram que a transferência anual de renda da agricultura foi, em média, superior a quarenta por cento entre 1960 e 1992. Embora na década de 70 tenha havido crédito abundante com algum subsídio, quem mais se beneficiou foi a grande lavoura de fins comerciais. Na esteira desse empobrecimento, colaboraram tanto a sobrevalorização cambial quanto as tarifas elevadas para importação de insumos e máquinas. Os impostos indiretos agravam essa situação, pois chegam a ser responsáveis por vinte por cento do preço do bem agrícola. Confiscos, tabelamentos, política de preços mínimos descasada da de reajuste de juros vieram atrás, colaborando para enterrar os ganhos do setor rural. Esses fatos foram sobejamente demonstrados aqui no Congresso, quando da conclusão dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre o endividamento do campo, concluída em 1993.

           O empobrecimento foi particularmente mais grave para o pequeno produtor de alimentos, pois a falta de recursos levou à concentração da posse da terra. Menos oportunidades de trabalho nas regiões de pequenas propriedades, por sua vez, levaram à baixa rentabilidade, à redução de salários e ao desemprego.

           É preciso lembrar o impacto disso na economia nacional. O complexo agroindustrial corresponde a quarenta por cento da renda nacional. Com a retração das atividades, tem havido menor demanda por insumos, defensivos e máquinas agrícolas; o campo tem requerido menos serviços de transportes; tem fornecido menos matéria-prima e menos alimentos, levando ao desemprego. Enfim, a perda tem sido não apenas para os agricultores, mas para o País como um todo.

           A pauperização do homem do campo se reflete na renda per capita anual do setor agrícola, que é de mil dólares, ao passo que a do setor urbano é de quatro mil dólares. Para termos um parâmetro, nos EUA a renda da população rural é 26% maior que a da urbana.

           Vejamos as conseqüências dessa política para o conceito de segurança alimentar, que vem sendo discutido pela sociedade brasileira e que levou ao engajamento de tantas instituições. O atual governo diz-se comprometido com essa política e até mantém o programa Comunidade Solidária como um dos desdobramentos da campanha contra a fome. Pois bem, Sr. Presidente, a segurança alimentar, numa de suas definições mais elementares, consiste na auto-suficiência produtiva nacional de alimentos. Particularmente no Brasil, essa autonomia deveria ser buscada no pequeno produtor, com ênfase na produção familiar. Com a atual crise desse segmento, cabe indagar: até que ponto estamos vivendo uma situação de segurança alimentar?

           Aparentemente, o Brasil gera o suficiente para alimentar sua população. O problema da fome, nesse caso, teria como causa a insuficiência de renda de parte da população e não a falta de gêneros. Ocorre que, até hoje, a capacidade de abastecimento do Brasil não foi testada. Num dos planos de estabilização que levaram a um maior consumo, chegou a haver desabastecimento em importantes setores. Um levantamento sobre o comportamento futuro do mercado consumidor constatou a necessidade de um aumento substancial na produção. Supondo-se que as famílias hoje excluídas do mercado tivessem dinheiro para adquirir a cesta básica, no ano 2.000, seria necessário um incremento de 41% na área plantada. Precisaríamos de três vezes a quantidade de trigo produzida hoje; a produção de soja teria que ter um acréscimo de 176%, sem falar que o arroz-com-feijão, elemento básico da alimentação, teria que ser plantado em muito maior quantidade.

           Em função desse quadro, Sr. Presidente, não podemos prescindir de uma política governamental coerente e consistente para resgatar a produção de alimentos. Do mesmo modo que a redução e a transferência de renda da pequena agricultura para os setores financeiro e industrial foi decorrente da política macroeconômica, é necessária uma política pública de resgate do setor prejudicado.

           Sendo importante como é garantir o adequado suprimento alimentar, é imprescindível capitalizar a pequena agricultura. Essa é a conclusão mais elementar a que se pode chegar. Entretanto, como já apontei, não há congruência entre a política anunciada e a prática dos órgãos governamentais.

           Os instrumentos usuais de política agrícola, como preços mínimos, seguro rural, equivalência-produto são pouco confiáveis, pois o Governo não cumpre os compromissos definidos nos planos de safra. Torna-se premente, portanto, construir essa confiança. Para tanto, é indispensável fornecer segurança aos usuários, com a elaboração de planos de safra de duração plurianual, seguidos rigorosamente, no lugar dos planos anuais descumpridos sistematicamente, como temos hoje.

           É preciso saber, Srªs e Srs. Senadores, que o maior comprometimento da estabilidade é o desabastecimento. Desse modo, é preciso, como já afirmei, devolver a capacidade produtiva ao agricultor. Essa capitalização da pequena propriedade consiste, entre outras medidas, em possibilitar aos pequenos agricultores acesso ao crédito, instrumento do qual praticamente já não fazem uso, seja pelo pequeno volume ofertado, seja pelo alto custo financeiro.

           Nesse ponto, voltamos à questão inicial por mim colocada: a obrigatoriedade de aplicação das exigibilidades bancárias para financiar a produção de alimentos. Uma análise dos valores destinados para a presente safra mostra que as exigibilidades constituem um dos poucos recursos a baixo custo para a agricultura, pois o Tesouro não tem destinado verbas para esse fim. No anúncio do Plano de safra 96/97, o Governo Federal anunciou que as exigibilidades bancárias contribuiriam com um bilhão de reais dos cerca de cinco bilhões destinados ao custeio da safra. Com a aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira-CPMF, a Confederação Nacional da Agricultura prevê um aporte adicional superior a setecentos milhões de reais para as exigibilidades. No entanto, com a decisão do Conselho Monetário Nacional, esse adicional deixa de favorecer o pequeno produtor de alimentos, pois os bancos têm preferência em aplicar em lavouras mais rentáveis e mais seguras.

           Acredito serem verdadeiros os propósitos do Governo Federal de aumentar a produção agrícola, retornando ao patamar de oitenta milhões de toneladas de grãos colhido em 1995. Entretanto, é impraticável chegar a essa marca com uma política de crédito tão oscilante. A par de outras medidas para ressarcir os agricultores de suas perdas, é preciso que o Poder Executivo não se furte ao papel de gerenciador do crédito agrícola. Nesse sentido, deve reavaliar as danosas conseqüências de liberar os bancos de aplicarem parte das exigibilidades em favor daquele que produz alimentos.

           Era o que tinha a dizer. Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/1997 - Página 5698