Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/1997 - Página 6185
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ELIMINAÇÃO, FORMA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, MUNDO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "o racismo é a ferida da consciência humana", assim Nelson Mandela, em 11 de junho de 1996, definiu esse procedimento de alguns da raça humana.

A idéia de que uma pessoa é inferior à outra a ponto de alguns, aqueles que se consideram superiores, definirem e tratarem o resto como subumanos nega a humanidade mesmo daqueles que querem elevar-se ao status de deuses.

Felizmente a África do Sul tem dado exemplos notáveis com o fim do apartheid. Tem mostrado, através do fortalecimento aprofundado de procedimentos democráticos, como as eleições de 1994, exemplos que acabam repercutindo pelos demais países da África e também pelo resto do mundo.

Tive oportunidade de visitar a África do Sul, em dezembro e janeiro deste ano, e ali observar semelhanças entre a África do Sul e o Brasil.

Nelson Mandela tem um desafio tão forte quanto o de todos nós, brasileiros, com respeito a extingüir desigualdades tão extremas. A África do Sul e o Brasil estão entre os países com maior desigualdade socioeconômica, mas tenho a nítida impressão de que a determinação e a vontade política do Governo Nelson Mandela, no que diz respeito às reformas sobre a estrutura fundiária, às reformas sobre como garantir direitos à cidadania para aqueles que, por tanto tempo, estiveram marginalizados, têm sido maior do que a do Governo Fernando Henrique Cardoso.

O Senador Abdias Nascimento e a Senadora Benedita da Silva aqui fizeram o diagnóstico, inclusive estatístico, de como os afro-brasileiros, neste País, têm uma situação socioeconômica muito pior do que a média dos brasileiros, em especial daqueles que são brancos. Precisamos dar prioridade aos instrumentos de política econômica capazes de transformar esse estado de desigualdade, e a reforma agrária constitui um desses mecanismos.

Dentre os 44% de brasileiros pobres, estão em maior proporção os negros ou afro-brasileiros. Se pudéssemos acelerar a reforma agrária, estaríamos caminhando na direção da correção desse quadro.

A criação de instrumentos de uma política econômica que possa dar maior oportunidade à população mais carente, como, por exemplo, o crédito popular para a faixa da população que ganha até dois salários mínimos, seria também um passo muito significativo.

As experiências de governos do Partido dos Trabalhadores, como os de Porto Alegre e do Distrito Federal, instituindo crédito popular ou a possibilidade de pessoas que trabalham autonomamente poderem adquirir máquinas de costura, carroças, cavalo, enfim, instrumentos que possam trazer ganhos ou melhorar os rendimentos dessas populações mais humildes, têm-se constituído em grata surpresa, a exemplo daquilo que se desenvolveu nos últimos quinze ou vinte anos em Bangladesh, com o Banco Gramen, o Banco da vila ou do vilarejo.

Cooperativas de organização socioeconômica, principalmente no âmbito da organização da produção na agricultura, nos serviços e também na produção industrial, constituem outro mecanismo extremamente importante.

A própria tradição daqueles que, hoje, continuam a se organizar nos quilombos, a exemplo do Quilombo dos Palmares e das lições de Zumbi; a exemplo, também, daquilo que o próprio Senador Darcy Ribeiro colocou no seu Projeto Caboclo para instituir formas cooperativas de produção no âmbito da Amazônia, é outro exemplo que deve ser seguido e estimulado.

O Programa de Garantia de Renda Mínima, que pode assegurar a todos os brasileiros formas de partilhar minimamente a riqueza desta Nação, constitui um outro passo importante e que poderia já estar instituído a todos os brasileiros.

A Senadora Benedita da Silva salientou aqui um outro fenômeno de grande repercussão para o mundo, qual seja, aquele da legislação francesa recente, que atribuía às pessoas que por ventura tivessem na sua casa migrantes não legalizados, a necessidade de denunciá-los.

Houve manifestações extraordinárias na França, com a participação de intelectuais e artistas, que conseguiram pelo menos derrubar um item da lei mencionada pela Senadora Benedita da Silva: o da denúncia. Mas, ainda assim, trata-se de uma legislação que, sobretudo, afeta a população africana que por vezes gostaria, já que nem sempre as condições socioeconômicas em seus países de origem são as melhores, de poder também ter a liberdade de ir para a França, para países da Europa, quando não para os Estados Unidos da América; enfim, para os países desenvolvidos.

Na medida em que países como a França, a Inglaterra, a Alemanha, os Estados Unidos da América e outros desenvolvidos procuram colocar para os países em desenvolvimento, como o Brasil, para os países africanos, para os países da Ásia ou os da América Latina, que seria importante abrirmos nossas fronteiras para os movimentos do capital, a fim de que este pudesse ser investido e procurasse, em qualquer lugar do mundo, a melhor oportunidade de sua própria acumulação e rentabilidade, com o propósito de se acumular mais riqueza, dada a livre circulação de mercadorias, seria importante que esses países desenvolvidos passassem também a aceitar a livre movimentação do ser humano.

Faz-se necessário caminharmos na direção da quebra de barreiras, para que os seres humanos possam ir àqueles lugares onde acreditam esteja a sua melhor oportunidade de emprego, de remuneração e de crescimento de sua potencialidade.

Sem dúvida, faz-se necessário que em cada país, e sobretudo no Brasil, os governos procurem assegurar o direito à cidadania, o direito à vida, que inclui o direito à educação, o direito à saúde, o direito a ter emprego, o direito a um rendimento condigno com a condição de ser humano.

Mas, de um lado, abrirem-se todas as fronteiras para o movimento do capital, ou das mercadorias, e, de outro, fecharem-se, cada vez mais, as fronteiras para o movimento daqueles que desejam procurar melhor oportunidade de educação ou de emprego é algo contraditório.

Ainda nesta semana, chegou ao Brasil o corpo do jovem que queria tanto ter uma oportunidade de melhor educação nos Estados Unidos da América. Já na semana passada, eu havia mencionado esse jovem, de 26 anos, radialista, locutor de uma rádio FM em São José dos Campos, que desejava ajudar sua mãe, progredir e comprar um apartamento. Para isso, avaliou que precisava ir para os Estados Unidos trabalhar e estudar.

Foi, então, para Campinas, uma vez que soube que ali havia um concurso para se trabalhar em reflorestamento na Flórida. Já havia procurado o Consulado dos Estados Unidos que, por duas vezes, lhe havia negado o visto, mas conseguiu sua inscrição e a firma o contratou pelo modesto salário de US$400. No entanto, no momento do embarque foi-lhe comunicado que o visto não lhe estava assegurado. Então, foi até à fronteira do rio Grande e, de lá, telefonou para a sua mãe, dizendo-lhe que, no dia seguinte, o faria da outra margem. Embora sendo um bom nadador, não conseguiu atravessar os 60 metros que separam o México dos Estados Unidos. E faleceu.

Trata-se de um símbolo daqueles que lutam por liberdade, um símbolo tal como o foram Zumbi dos Palmares e todos aqueles que procuraram se organizar para a conquista de um mundo mais solidário e justo; um símbolo como o de Antônio Conselheiro, que também, há cem anos, teve a cidade de Canudos dizimada porque muitos não queriam compreender os ideais daqueles que gostariam que não houvesse qualquer tipo de discriminação, fosse racial ou qualquer outra, para a Humanidade.

Portanto, a nossa solidariedade àqueles que hoje estão lutando, como Abdias do Nascimento e Benedita da Silva, para que, no Brasil, tenhamos uma Nação exemplo de não discriminação racial ou de qualquer outra forma de preconceito.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/1997 - Página 6185