Discurso no Senado Federal

DENUNCIANDO AS MEDIDAS TOMADAS PELO GOVERNO DO PARA EM RELAÇÃO A AREA DE SERRA PELADA, OCUPADA PELOS GARIMPEIROS. AÇÕES DO GOVERNADOR DO PARA, ALMIR GABRIEL, JUNTAMENTE COM O GOVERNO FEDERAL, INVIABILIZANDO A PERMANENCIA DOS GARIMPEIROS EM SERRA PELADA E AGINDO DE ACORDO COM OS INTERESSES DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL.:
  • DENUNCIANDO AS MEDIDAS TOMADAS PELO GOVERNO DO PARA EM RELAÇÃO A AREA DE SERRA PELADA, OCUPADA PELOS GARIMPEIROS. AÇÕES DO GOVERNADOR DO PARA, ALMIR GABRIEL, JUNTAMENTE COM O GOVERNO FEDERAL, INVIABILIZANDO A PERMANENCIA DOS GARIMPEIROS EM SERRA PELADA E AGINDO DE ACORDO COM OS INTERESSES DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/1997 - Página 6192
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL.
Indexação
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ALMIR GABRIEL, GOVERNADOR, ESTADO DO PARA (PA), IMPEDIMENTO, PERMANENCIA, GARIMPEIRO, DISTRITO, SERRA PELADA, MUNICIPIO, CURIONOPOLIS (PA), MOTIVO, INTERESSE, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), REGIÃO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco- PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto, mais uma vez, à tribuna para dizer que estou assistindo, no meu Estado, a uma barbaridade tão grave, tão terrível quanto aquela que caracterizou o dia 21 de março, o dia contra a discriminação racial.

Estou assistindo, no meu Estado, a algo inominável, algo mais grave do que foram aquelas mortes daqueles 11 trabalhadores rurais sem terra em Eldorado dos Carajás, que aconteceu por uma imprudência política, por uma falta de capacidade de raciocínio de um Governador que não soube avaliar o que poderia acontecer com a ordem que deu, de desobstruir a rodovia, e o resultado foi que a Polícia Militar massacrou 19 trabalhadores rurais.

O que estou assistindo e o que está me indignando na ação do Governo Federal, juntamente com a ação do Governador do meu Estado, Almir Gabriel, é muito mais grave do que aquilo, porque aquilo, de certa forma, foi quase que um acidente, algo que aconteceu de maneira não-intencional.

Mas o que estamos a ver neste momento é um crime, uma barbaridade que está-se fazendo contra um povo. Refiro-me, Srª Presidente, mais uma vez, a uma questão que não me canso de trazer a esta Casa, embora perceba muita insensibilidade e incompreensão dos Srs. Senadores para com o fato, refiro-me à ação do Presidente Fernando Henrique Cardoso, apoiada pelo Governador Almir Gabriel, que, desejosos de vender a Companhia Vale do Rio Doce a qualquer custo e maneira, estão cometendo um crime contra cidadãos, contra trabalhadores, contra operários que vivem no garimpo de Serra Pelada.

Só posso comparar o que se está fazendo contra os garimpeiros de Serra Pelada ao que a polícia fez na África do Sul contra negros que faziam uma manifestação contra o racismo. Só que, desta vez, é pior do que a questão do Movimento dos Sem-Terra, porque é uma ação consciente. Nunca vi, na minha vida, tamanha barbaridade.

Aqueles trabalhadores que ocupam o garimpo de Serra Pelada desde 1979, que descobriram aquela área, que trabalharam e lutaram jogando ali todas as suas esperanças de vida, agora se vêem tratados como verdadeiros bandidos, como verdadeiros marginais no mais total e absoluto desrespeito promovido pela Companhia Vale do Rio Doce, apoiados pelo Presidente Fernando Henrique e pelo Governador Almir Gabriel.

Em primeiro lugar, através de uma simples portaria, de uma simples manifestação de um advogado do Ministério das Minas e Energia que, em épocas passadas, foi advogado da Companhia Vale do Rio Doce, o Presidente da República acatou seu parecer e o publicou no Diário Oficial, tirando o direito de lavra do minério de ouro de Serra Pelada dos garimpeiros. Uma simples manifestação, publicada no Diário Oficial, se sobrepôs a uma lei aprovada pelo Congresso Nacional. A partir daí, a perseguição aos garimpeiros foi brutal e violenta; estes, lutando para preservar seus direitos, permaneceram na área, paralisaram o serviço da Companhia; um juiz, naturalmente envolvido pela referida Companhia, solicitou ao Ministro da Justiça que mandassem as Forças Armadas para tirar os garimpeiros de Serra Pelada. Pela primeira vez na história do Brasil, passando por cima da Constituição, das leis, o Ministro atendeu o pedido de um juiz e mandou dois mil homens das Forças Armadas para reprimir os garimpeiros de Serra Pelada.

Posterior a esse fato e totalmente enfraquecidos, esses garimpeiros procuraram resistir sem sair do local. A Vale do Rio Doce fez o Presidente Fernando Henrique Cardoso falar a maior mentira da sua vida. Sua Excelência convocou a imprensa no Palácio do Planalto e afirmou que a Vale do Rio Doce tinha descoberto uma reserva de 150 toneladas de ouro. A Vale do Rio Doce não descobriu coisa alguma. O que ela fez foi dimensionar o ouro de Serra Pelada, avaliar quanto de ouro havia em Serra Pelada. Mas Serra Leste foi uma ficção criada pela Vale; a mina era única, era uma só.

Nós tentamos mostrar isso, mas não fomos ouvidos. Nós criamos, aqui, neste Senado, uma comissão objetivando encontrar uma solução para o problema de Serra Pelada, mas também não fomos ouvidos. E o Governo mostrou, hoje, a face da sua mentira: o Presidente Fernando Henrique Cardoso agora, mais do que nunca, tem que assumir a sua mentira diante da Nação brasileira. A Companhia está agora protegida pela Polícia. O Exército já se retirou de lá, mas lideranças garimpeiras foram presas; o Presidente do Sindicato dos Garimpeiros encontra-se na penitenciária de Marabá, bem como quatro presidentes de Associações. Enfraquecido o movimento, o Exército se retirou, mas lá estão 400 homens da Polícia Militar do Estado do Pará a proteger "os interesses da Vale do Rio Doce".

E essa empresa, agora protegida, mandou fazer uma cerca em volta do projeto. Uma cerca, Srª Presidente, com seis metros de altura. Essa cerca hoje envolve a cava, o Garimpo de Serra Pelada. Cortou esse garimpo ao meio, deixando mais de 200 casas dentro dessa cerca, da área da Vale do Rio Doce, mostrando, claramente, que nós falávamos a verdade à Nação brasileira, que Serra Pelada é única. Não existe nenhuma Serra Leste, foi uma mentira da Vale, uma mentira do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Não bastasse as perseguições constantes, as humilhações que tem-se feito contra essa gente, as prisões que têm sido efetuadas, agora, querem retirar essas pessoas a qualquer custo, matando-as pela humilhação e pelo cansaço.

Quero, desta tribuna, fazer uma mais veemente condenação à posição do Governador do meu Estado, Almir Gabriel, com o qual me elegi e, se arrependimento matasse, não sei onde estaria a esta hora, Srª Presidente, porque o que o Governador está fazendo com essa gente é uma covardia, é uma desumanidade, porque ele se associou aos interesses da Vale, num total desrespeito ao direito daqueles garimpeiros.

E o que ele está fazendo agora? Eu recebo notícias de que os colégios do Estado em Serra Pelada foram fechados pelo Governador Almir Gabriel; de que o posto médico de Serra Pelada não recebe mais medicamentos do Governo do Estado, com o intuito de enfraquecer a presença daqueles homens naquele local.

E, pior do que isso, Srª Presidente, o Governador mandou cortar a energia da Celpa que chega a Serra Pelada, apagou as luzes para aquele povo. A Vale já construiu um alojamento luxuosíssimo, com todas as condições para efetuar o trabalho da exploração de ouro, mas a Vale não quer a vizinhança daqueles operários que incomodam a sua presença. E para isso ela, conluiada com o Governo, mandou cortar a energia da Celpa. Houve luta, houve resistência dos garimpeiros e um prefeito do PSDB de Paraopebas esteve lá em Serra Pelada e, com muita insistência, conseguiu que a energia voltasse. Mas voltou apenas em duas fases, o que não permite o funcionamento de nenhuma máquina no garimpo de Serra Pelada, nenhuma bomba de puxar água de um poço porque a energia trifásica está cortada.

Para os garimpeiros que viviam economicamente da exploração do rejeito de Serra Pelada porque a cava já não se podia mais trabalhar, o DNPM criou tantos empecilhos, sabotou tanto os trabalhos dos garimpeiros que lá mais já não se podia trabalhar.

Agora, então, o DNPM, a Vale do Rio Doce, mancomunados, verdadeiros bandidos e criminosos, não querem que trabalhem sequer o rejeite daquele garimpo e cortaram a energia. E, lamentavelmente, o Governador do meu Estado submete-se a esse tipo de ação. Coloca lá 400 policiais militares e corre para todos saberem que a Vale está inteirando o salário desses policiais militares. Fecham-se colégios, fecha-se posto médico, corta-se a energia para impedir que os trabalhadores lá permaneçam.

Por sorte o prefeito que nós elegemos em Curionópolis não foi o prefeito da Companhia Vale do Rio Doce, não foi o candidato apoiado e financiado pela Companhia Vale do Rio Doce, é um prefeito que está de mãos atadas, mas que não fechou, por exemplo, os colégios municipais e está mandando para Serra Pelada cesta básica para alimentar aquela gente.

E tivemos notícia de que a Polícia Militar do Estado do Pará está impedindo o transporte das cestas básicas do Prefeito de Curionópolis, direcionada aos garimpeiros de Serra Pelada.

Nunca vi crime tão bárbaro, nunca vi tamanha humilhação, pena que a Nação não nos escute, pena que o Senado não nos ouça, porque aqui, nesta segunda-feira passada, entrou um projeto de Decreto Legislativo para sustar a decisão do Presidente da República que tirava do garimpeiro o direito à lavra naquela área.

Infelizmente, o Senado votou um requerimento para que esse Projeto de Decreto Legislativo, que foi resultado do trabalho da comissão criada aqui voltasse à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. E, assim, as coisas vão se prolongando até o ponto em que se tornam absolutamente irreversíveis.

Há uma reportagem da Manchete que diz: "Trabalhos de garimpeiros de Serra Pelada, que agora estão sendo fechados pela Companhia Vale do Rio Doce."

Nas galerias, está um companheiro que há mais de 15 anos, Srª Presidente, trabalha na área, dedicou toda a sua vida e, na semana passada, o DNPM queria entupir o seu garimpo, com quase 50 metros de profundidade, um trabalho árduo. Ele tomou a frente e não deixou que isso acontecesse.

Vejo pessoas que não têm nada a ver com essa questão, que visitaram a área, como aquele cidadão ali, pecuarista lá no Estado do Tocantins, e veio ao meu gabinete como se nós pudéssemos dar solução a tamanho problema. Eu mostrei a realidade da nossa impotência diante de tamanha barbaridade, diante de tamanha injustiça.

Tenho dito, Srª Presidente, que se o inferno existisse, as almas de Fernando Henrique Cardoso e Almir Gabriel penariam durante toda a eternidade, no fogo do inferno. Mas como inferno não existe, pelo menos, resta o consolo de que eles são pessoas que nunca serão queridas do povo, nunca serão admiradas e prestigiadas pelo povo. Porque são pessoas sem alma, são pessoas sem sensibilidade, são pessoas frias, são pessoas egoístas, são pessoas criminosas.

Só posso registrar a minha revolta, a minha indignação contra essa atitude covarde do Presidente Fernando Henrique Cardoso e do Governador Almir Gabriel. Quem dera pudesse eu ter forças para impedir o que está acontecendo... Mas o tempo é remédio para tudo.

A ação deles haverá de ter uma resposta do povo do meu Estado, haverá de ter uma resposta do povo do Brasil. Porque as coisas acontecem, mas o tempo as mudará. Olhem o caso de Nelson Mandela: um homem que lutou contra o racismo na África do Sul, passou 30 anos na cadeia e, hoje, é o Presidente da África do Sul.

Almir Gabriel e Fernando Henrique Cardoso hão de pagar pelo crime que estão cometendo, contra essa gente. Não só eles, mas os juízes que apoiaram a Vale, as autoridades que estiveram do lado dela, nesta situação de verdadeiro desrespeito ao direito humano dos trabalhadores do Estado do Pará, do Maranhão e das regiões vizinhas.

Encerro minhas palavras, lamentando, profundamente, que isso esteja acontecendo, mas com fé e esperança de que as coisas mudem. E, fazendo uma reflexão, Srª Presidente, se hoje enfrentamos essa forma de agir da Companhia Vale do Rio Doce, se hoje temos conflitos com ela - e aqui repito o que tenho dito neste Senado - aqueles dezenove trabalhadores que morreram em Eldorado dos Carajás, o movimento dos sem-terra lá no Pará, constitui-se na medida em que a Vale os expulsou da terra que ela diz ser dela.

A Companhia Vale do Rio Doce detém, hoje, 1.167 mil hectares no Projeto Carajás. Legalmente, ela só tem quatrocentos mil, três reservas florestais, que ela administra e, sobre as quais até hoje o Governo não nos respondeu o que vai acontecer se a Vale for privatizada. O resto é área que ela grilou no Estado do Pará.

Ora, se ela conflita com os sem-terra, se ela massacra garimpeiros, sendo ela uma propriedade da União, imaginem, Srª Presidente, Srs. Senadores, o que não acontecerá com a Companhia Vale do Rio Doce quando ela estiver na mão dos estrangeiros, na mão do capital multinacional.

Talvez seja a subserviência do Presidente Fernando Henrique Cardoso, talvez seja o seu desejo, contra a vontade de toda a Nação, assumir os seus compromissos internacionais e submeter-se a essa pressão internacional. Talvez seja esse desejo que esteja tornando a Companhia Vale do Rio Doce mais criminosa, mais violenta, contra esses trabalhadores. Talvez seja isso que esteja obrigando o Governo a fazer o que está fazendo com os garimpeiros.

Devemos, portanto, todos nós, nos preparar para o pior, para a luta, não perder a esperança, mas condenar, a partir de agora, a covardia contra essa gente, a humilhação a que estão sendo submetidos pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo Governador do meu Estado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/1997 - Página 6192