Pronunciamento de Marina Silva em 20/03/1997
Discurso no Senado Federal
AVALIAÇÕES FEITAS PELA CONFERENCIA RIO+5 DOS TRABALHOS REALIZADOS PELOS DIFERENTES ESTADOS NACIONAIS, CONCLUINDO QUE A AÇÃO DOS GOVERNOS FOI INSATISFATORIA PARA OS DESAFIOS POSTOS PELA ECO-92, PRINCIPALMENTE NO QUE SE REFERE A ASSOCIAR DESENVOLVIMENTO, MELHORIA DA QUALIDADE DE VIDA E MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO.
- Autor
- Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
- AVALIAÇÕES FEITAS PELA CONFERENCIA RIO+5 DOS TRABALHOS REALIZADOS PELOS DIFERENTES ESTADOS NACIONAIS, CONCLUINDO QUE A AÇÃO DOS GOVERNOS FOI INSATISFATORIA PARA OS DESAFIOS POSTOS PELA ECO-92, PRINCIPALMENTE NO QUE SE REFERE A ASSOCIAR DESENVOLVIMENTO, MELHORIA DA QUALIDADE DE VIDA E MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 21/03/1997 - Página 6195
- Assunto
- Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
- Indexação
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- AVALIAÇÃO, RESULTADO, CONFERENCIA, REALIZAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO PUBLICO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, ATENÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, SAUDE, POPULAÇÃO.
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, encerrou-se ontem a Rio+5, que, como já diz o nome, teve lugar no Estado do Rio de Janeiro. Durante esse encontro, as entidades da sociedade civil avaliaram os trabalhos realizados pelos diferentes Estados nacionais ao longo desses cinco anos que se seguiram à Eco-92, no que se refere à implementação da Agenda 21.
O balanço geral das representações da sociedade civil é de que, na maioria dos Estados, a ação dos governos foi insatisfatória para os desafios postos pela Eco-92, principalmente no que se refere a associar desenvolvimento, melhoria da qualidade de vida e meio ambiente.
A compreensão de todos é de que a questão do desenvolvimento sustentável não pode ser entendida apenas como uma ação voltada para o meio ambiente. O desenvolvimento sustentável, a sustentabilidade das ações humanas no planeta tem que necessariamente ser entendida no bojo de uma ação que possibilite à humanidade a sobrevivência, num mais longo espaço de tempo possível, em relação aos recursos naturais. Para isso, é fundamental uma ação voltada para os mais diferentes aspectos da vida.
Quando se trata dessa questão, muitas vezes as autoridades compreendem apenas o lado econômico da vida. Mas, para que haja resultados adequados na relação homem-natureza, recursos naturais e transformação desses recursos, é fundamental que haja um sério investimento em educação, porque, a partir da mudança dos valores culturais de uma sociedade, de uma comunidade, é que essas pessoas podem vir a ter uma prática diferente no que se refere à sua relação com o meio ambiente.
Um outro aspecto é com relação às condições dignas de vida dessas populações e da população do planeta, principalmente no que se refere à saúde. É fundamental uma ação de Governo para que a ecologia do indivíduo seja assegurada, porque se entende que as pessoas devam estar social e culturalmente bem, vivendo em condições de justiça social, para que inclusive possa se ter um ambiente saudável.
Além dos aspectos econômicos e sociais, é fundamental que todas essas ações estejam compreendidas numa ação dos governos e da sociedade civil, que contemple a mais ampla democracia, porque não se pode entender a prática de algo grandioso por meio de métodos que muitas vezes são questionáveis e até condenáveis em função das mazelas que causam, principalmente no que se refere ao cerceamento da possibilidade da discordância e da crítica produtiva e edificante, quando as temos.
Nesse sentido, quero aqui ressaltar uma frase dita pelo Presidente da República quando participou da Conferência: "Mais do que apoio econômico, talvez seja necessária uma nova postura, uma nova prática, porque estamos talvez fazendo coisas novas fundamentados em práticas, em concepções, em paradigmas muito velhos".
Julgo fundamental essa mudança de mentalidade. Julgo fundamental que se tenha um diálogo entre Governo e entre sociedade civil, mas é importante que não se fique apenas na prática da discussão do plano das consciências, não se levando a consciência para a realização prática.
Já dizia Marx, um cientista anteriormente muito lido e que talvez tenha fundamentado a ação do nosso Presidente sociólogo, que "as consciências só se realizam em outras consciências". É fundamental que a nossa consciência realize-se em outras consciências a partir da nossa ação prática, porque ele mesmo dizia que o critério da verdade é a prática. Se o Brasil avançou ao discutir a preservação do meio ambiente, ao associar meio ambiente às questões sociais - o que é um avanço -, precisamos, efetivamente, dar um passo maior, viabilizando, do ponto de vista prático, as ações de governo necessárias para o desenvolvimento sustentado ocorrer.
Nesse sentido, não é suficiente a ação isolada de algumas pessoas dentro do Governo que têm boa intenção, como é o caso do Dr. Seixas Lourenço, da Secretaria da Amazônia Legal, e de alguns outros que estão tentando propor algo. É fundamental que isso se torne política de governo e, para isso, há que se ter um envolvimento dos mais diferentes setores, uma articulação interministerial, na qual o Ministério do Planejamento e da Fazenda tenham uma função predominante. Os demais Ministérios podem até planejar e ter excelentes idéias, mas, na hora de viabilizarmos concretamente essas propostas, deparamo-nos com as dificuldades orçamentárias e de direcionamento da política do Governo.
Penso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, de todos os governos que já tivemos, seria aquele que teria melhores condições de implementar a Agenda 21. Lamentavelmente, o balanço da sociedade civil, que não é da Senadora Marina, não é positivo nesse sentido. Da parte da sociedade civil, algumas ações pontuais, pulverizadas, foram realizadas, com o apoio pontual e pulverizado de governos, mas isso não é suficiente porque aquilo que poderia ter sido o carro-chefe do desenvolvimento sustentável no Brasil não foi sequer encaminhado pelo Governo brasileiro, que seria a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável.
Às vésperas da Rio+5, tivemos a criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável, que está aquém das expectativas da sociedade brasileira. E, mais do que isso, com alguns vícios de origem, porque não prevê a participação paritária da sociedade civil - e ainda assim aqueles que participariam seriam convidados pelo Governo.
Nesse sentido, quando o Presidente diz que precisamos, "mais do que recursos de uma prática nova, de novos paradigmas para encaminharmos o desafio da sustentabilidade", é preciso que essa sinalização venha do Governo brasileiro. Assim, a participação autônoma da sociedade civil, com os seus representantes sendo escolhidos pela própria sociedade civil, é fundamental para que se assegure essa nova prática, esse novo paradigma.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as organizações não-governamentais fizeram uma denúncia forte contra o Governo, através de seus representantes, na Rio+5, dizendo que houve um processo de "vampirização" das experiências realizadas pelas ONGs, pelas comunidades. O Governo fez um levantamento, catalogou essas experiências e as colocou como se fosse uma realização de Governo. As ONGs contestam e dizem que foi uma prática de "vampirização" das realizações da sociedade civil. É fundamental que o Governo comece a mostrar e a sinalizar para a sociedade suas próprias experiências.
Lembro sempre que, quando Fernando Collor de Mello era o Presidente, o Ministro da Reforma Agrária visitou o Acre e as autoridades ligadas à questão da terra não tiveram coragem de levá-lo ao Projeto Redenção, ao Padre Peixoto ou ao Santa Luzia, em Cruzeiro do Sul. Levaram o Ministro para visitar o Projeto Reca, uma experiência da Igreja Católica com comunidades, com dinheiro oriundo de organizações externas, sem um centavo do Governo naquela época, e apresentaram-no como realização do Governo.
O processo de vampirização das ações da sociedade civil não é novo. Meu conhecimento dele é exatamente dessa data. Os colonos, morrendo de fome, de malária, abandonados à própria sorte a mais de 200 quilômetros da capital, não foram visitados pelo Ministro para que S. Exª observasse como estavam os projetos de colonização do Governo. O Ministro foi levado a uma experiência que, graças a Deus, está dando certo, mas que não era ação governamental. Hoje, já conta com algum apoio do Governo - tenho de ser sincera -, mas ainda insuficiente para o tamanho do desafio que temos.
A Rio+5 terminou, inclusive, com alguns problemas: várias entidades discordaram do documento final. Mas, em se tratando de defesa do meio ambiente e, mais ainda, do desafio de fazermos uma compatibilização entre meio ambiente, desenvolvimento e eqüidade social, é difícil que se chegue a documentos de orientação geral sem que se tenha grandes controvérsias.
Ainda quero fazer aqui uma ressalva ao que disse o Presidente na sua participação, quando se referiu aos problemas de queimadas e de exploração de madeira na Amazônia. Foram estas as palavras do Presidente, e eu as anotei: "Nós até temos as informações, mas o Estado se sente impotente para controlá-las e evitar que aconteçam".
Temos a consciência da impotência do Estado brasileiro em virtude das práticas ilegais e criminosas no que se refere à exploração da Floresta Amazônica, mas já apresentamos ao Governo algumas sugestões de como fazer da população o maior aliado na defesa da preservação da Floresta Amazônica.
Devo dizer aos Srs. Senadores que fiquei feliz quando Sua Excelência mencionou a manifestação dos seringueiros e a proposta que eles apresentaram de que o Governo, a exemplo do que faz com relação aos custos da saúde, da educação, da infra-estrutura, da energia e de tantos outros, também comece a investir naquilo que chamamos de custo ambiental.
O Governo precisa necessariamente tomar medidas para que o meio ambiente seja preservado. Isso tem um preço, mas não tão alto assim. Com certeza, no caso da proposta dos seringueiros, a que o Presidente fez referência de que estaria sensível e de que iria tentar essa saída, em que pese achar que, quando se trata da sua viabilização, ela muitas vezes é emperrada nos Ministérios, na burocracia, na tecnocracia, eu me coloco o desafio de fazer com que ela seja implementada e eficaz. Ela não é tão onerosa assim. É menos, muito menos do que a taxa de sucesso paga ao Banco Vetor para que indivíduos inescrupulosos continuem a ter sucesso em suas contas bancárias pessoais.
Os recursos que podem ser pagos para que os caboclos, os seringueiros, os ribeirinhos não venham a ter, na exploração da madeira, a única forma de sobrevivência é insignificante em relação aos prejuízos ambientais que poderemos causar, caso as propostas acordadas com o Presidente e por Sua Excelência aceitas não venham a ser viabilizadas.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sempre que tenho me posicionado nesta Casa na defesa do meio ambiente tenho feito questão de mencionar que meio ambiente não pode ser discutido em separado dos problemas sociais que estamos vivendo. E, nesse sentido, a Rio+5 também pontuou uma questão fundamental, que é a reforma agrária, entendendo reforma agrária não apenas como o assentamento puro e simples de famílias, mas como uma ação de Governo no sentido de oferecer condições de cidadania a milhares, a milhões de trabalhadores sem terra que não têm uma oportunidade de emprego no mercado, que nas cidades são mão-de-obra desqualificada, mas que no campo são altamente qualificados.
Faço questão, sempre que trato do tema do meio ambiente, de fazer essa associação para evitar que aqueles menos simpáticos à defesa do meio ambiente nos tachem de contempladores da natureza. Não queremos apenas a contemplação pura e simples da natureza, muito embora eu seja partidária da idéia de que existem algumas obras da natureza que já nos são suficientes apenas pela possibilidade de contemplarmos algo tão grandioso criado por Deus. No caso de nossos recursos naturais, não temos outra saída, precisamos sobreviver, mas não com uma concepção errada de que o homem é o centro da Terra e de que a nós estariam subordinadas todas as demais formas de existência. A nossa própria existência só é possível a partir de uma relação que compreenda as demais formas como sistêmicas e estando correlacionadas com a nossa própria.
Sr. Presidente, para encerrar esta minha breve fala com relação à Rio+5, quero dizer que estarei em breve me pronunciando sobre a participação do Congresso Nacional nesses cinco anos pós Rio-92. Não quero apenas ficar na crítica ao Executivo, o Legislativo também tem a sua responsabilidade. E lamento que na reunião das organizações não-governamentais, na avaliação da sociedade civil, o Parlamento não tenha sido contemplado como parte integrante desse processo, porque, diferentemente do que acontece nos países de tradição parlamentarista, no caso do Brasil, não estamos contemplados no Executivo, temos uma ação independente e, portanto, deveríamos ter sido tratados como Poder independente e não fomos. Mas mesmo assim quero fazer o balanço das nossas ações.
Quantos projetos o Poder Legislativo apresentou referentes ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentado? Quantos projetos foram aprovados pelo Congresso em relação a essa questão? Quais as iniciativas, em termos legislativos, que tiveram origem no Executivo e que foram debatidas e analisadas por nós?
Quero me sentir parte desse processo, muito embora esteja aqui há apenas dois anos, mas é fundamental que nessa crítica que está sendo feita pela sociedade civil não fiquemos impunes em relação às nossas responsabilidades e às omissões que porventura tenhamos cometido.
Muito obrigada.