Pronunciamento de Mauro Miranda em 20/03/1997
Discurso no Senado Federal
DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO.
- Autor
- Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
- Nome completo: Mauro Miranda Soares
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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EDUCAÇÃO.:
- DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 21/03/1997 - Página 6207
- Assunto
- Outros > EDUCAÇÃO.
- Indexação
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- DEFESA, AUMENTO, INVESTIMENTO, GOVERNO, PROMOÇÃO, ACESSO, UNIVERSIDADE, POPULAÇÃO CARENTE, PAIS, PRIORIDADE, ENSINO FUNDAMENTAL, REDUÇÃO, FALTA, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, OBTENÇÃO, EDUCAÇÃO, GARANTIA, FUTURO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BRASIL.
SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, na hierarquia dos nossos direitos sociais, não é por acaso que a educação vem em primeiro lugar no texto constitucional. Ela é o pão que alimenta o espirito de cidadania, e assegurar que seja um bem de todos, e não apenas um privilégio dos poucos que podem comprá-la, é mais que um simples dever do Estado. É um objetivo pragmático de afirmação nacional, porque nenhuma nação será forte se não democratizar entre ricos e pobres o domínio do conhecimento. Só o mais amplo e livre acesso ao ensino é que pode quebrar o fatalismo da lei do berço, aquela lei das diferenças sociais de origem que ainda tem o poder de sentença sobre o destino do homem e de suas aspirações. A desigualdade não pode ser uma condenação eterna para os que não vieram de berços abastados, e ignorar esse princípio cristão é impor barreiras à liberdade individual e à soberania de toda uma sociedade.
Na juventude, uma das nossas bandeiras preferidas era a pregação contra o obscurantismo. Aos poderosos interessava a ignorância das massas, para que a elas não chegasse a consciência dos seus direitos. Era uma verdade, mas não tão universal quanto imaginávamos no dogmatismo de nossos ideais. O país de hoje é outro. Somos a oitava economia do mundo, a expansão dos meios de comunicação multiplicou a velocidade do conhecimento, o capital humanizou suas relações com o trabalho graças a um sindicalismo forte e atuante, e a sociedade produtiva é tangida pelos desafios crescentes da globalização. E o fantasma da ignorância, que causava apreensão e revolta, inverteu sua direção e assusta de maneira oposta. Repetindo uma imagem corrente, o que assusta hoje é a sofisticação dos meios de produção, que sobe de elevador, enquanto os investimentos em educação, para atenderem às novas demandas da tecnologia, sobem pela escada.
Não creio que em nenhuma parte do mundo os investimentos em educação sejam absolutamente satisfatórios. Mas vivemos num país de elevados índices de crescimento demográfico, de demandas correspondentes por escolarização, e de escassez histórica de recursos para os programas educativos. Um país que precisa desenvolver-se para dar emprego a esse crescimento vegetativo, e que precisa educar para garantir acesso aos postos de trabalho. Pela força de simplicidade e de conteúdo, guardo como uma pérola a lembrança de uma frase do economista americano Gary Becker, prêmio Nobel de Economia. Ele disse que a arrancada do Brasil começa nas salas de aula. Nada mais atual e verdadeiro. Creio injusto deixar de reconhecer o esforço do ministro Paulo Renato, na paisagem fria da Esplanada dos Ministérios. Com um conjunto de ações sucessivas, algumas práticas e outras convencionais, ele vem cutucando as patas desse paquiderme que é a educação brasileira. Mas é preciso ir muito além, para buscar respostas de médio e de longo prazos.
Em edição recente, a Gazeta Mercantil publicou uma análise sobre a má distribuição de renda no Brasil, e, com base em estudos de pesquisadores do IPEA, chegou à conclusão de que a "desigualdade educacional é a raiz do problema". A opinião dos economistas é de que "o Brasil dificilmente sairá da posição de país mais desigual do mundo sem resolver a dramática desigualdade educacional". Para mim, o primeiro dos grandes gargalos que emperram a educação no Brasil é o vício histórico de inversão da pirâmide. Numa reportagem de capa do ano passado, que cito agora porque o panorama estatístico geral da educação não se modificou, a revista Exame mostrou que, "numa inversão perversa, as universidades absorvem quase dois terços dos 8 bilhões investidos pelo governo federal em educação". A mesma revista assinalava que "a Coréia apostou no ensino básico. Em 1970, sua renda per capita de 250 dólares era menor que a brasileira. Hoje é o dobro".
Ouvido na ocasião pela revista, o ministro Paulo Renato reconheceu a necessidade de reconceituar as prioridades dos investimentos, em benefício do ensino de primeiro e segundo graus, onde os defeitos do sistema levam à evasão e à repetência, e onde apenas cinco de cada 100 crianças chegam à universidade. Além de aumentar a base de acesso ao ensino universitário aos filhos de famílias que não podem pagar as escolas particulares e os cursinhos do pré-vestibular, a melhoria da educação pública é exigência das novas realidades de uma economia obrigada a ser cada vez mais competitiva. Ao confirmar essa tendência, o Ministro disse que "as profissões estão mudando rapidamente, e que milhares de empregos são destruídos num setor e criados em outros". Acompanho o raciocínio do Ministro, e constato que está aí, em boa parte, a causa da marginalização da mão-de-obra não qualificada. A revista lembra que "o nível de escolaridade dos trabalhadores brasileiros é de três anos e meio, contra 8,7 anos dos argentinos e 7,5 anos dos chilenos".
De lá para cá, é preciso reconhecer que houve avanços nos caminhos abertos pela legislação. A Emenda Constitucional que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, vai garantir o investimento mínimo de 300 reais por aluno, além de assegurar que 60 por cento dos recursos previstos na Constituição sejam direcionados para o ensino fundamental, sob a gestão de estados e municípios. É a municipalização que está chegando de fato, e que poderá revolucionar os resultados dos próximos anos. Acho que o MEC deve adotar sistemas eficazes de acompanhamento e avaliação, estimulando o surgimento de projetos-pilotos de excelência entre os municípios, para a partir daí pulverizar a divulgação estatística das experiências bem-sucedidas, através de intercâmbios, debates ou programas especiais que instituam uma nova consciência de resultados.
Sr. Presidente, deixei para o final destas minhas considerações a expressão de meus anseios quanto ao futuro da nossa universidade pública, que vai mal das pernas para cumprir o seu papel de agente institucional das grandes transformações sociais. E volto à mesma reportagem da revista Exame, que reproduziu o desabafo do ministro Paulo Renato, ao afirmar que "a sociedade não quer dar mais recursos para a universidade". Eu sei que oferecer ao ensino superior o seu poder de interface ativa nas relações com a sociedade, como deve ser, é um caminho longo e penoso que deve ser trilhado em parceria com essa mesma sociedade. Não para ser ainda mais penalizada de encargos no seu todo, mas para compreender e apoiar iniciativas que democratizem o acesso aos mais pobres, já sacrificados pela má qualidade das escolas públicas. São os que não freqüentam os bons colégios e que são obrigados a trabalhar de dia para estudar à noite, geralmente em faculdades pagas. Uma ampla discussão sobre alternativas viáveis de democratização do ensino superior não deve mais tardar, e deve inspirar-se na solidariedade.
Quero resistir à tentação simplista de propor que aqueles que podem pagar devem pagar pelos que não podem. Trata-se de polêmica alimentada pelo irrealismo, que de vez em quando aparece com a mesma velocidade com que morre. É preciso buscar soluções intermediárias que não despertem inimigos prévios, seja pela via dos incentivos, seja pela alternativa da interação empresa-universidade na promoção de pesquisas e na produção de tecnologias, seja no ressarcimento gradual, pelos futuros profissionais, dos investimentos neles realizados pelo Poder Público. Os atuais padrões de administração do crédito educativo têm-se revelado precários, e eu mesmo já ocupei a Tribuna para denunciar esse fato. Um grande debate nacional orientado e conduzido pelo MEC, de forma aberta, com a participação de educadores, empresários e entidades estudantis, deve buscar fórmulas inteligentes e criativas. Acho que o Congresso, ou mais especificamente, uma comissão mista de educação, pode ser o palco mais adequado para esse grande objetivo. Como beneficiária direta, a sociedade deve assumir de frente esse debate para ser também responsável pela sobrevivência da universidade pública, numa linha recíproca de interesses. Nenhum outro setor vital para o desenvolvimento reclama tanto a presença de uma sociedade solidária. A lei Darci Ribeiro estabeleceu para o governo federal o compromisso de regulamentar este ano a Década da Educação, que foi prevista pela Constituição, e esta pode ser uma circunstância favorável para agilizar a realização desse debate.
A autonomia que a atual Constituição assegurou à gestão financeira dos recursos que são repassados às universidades e dos que são por elas gerados, é uma conquista ainda fortemente influenciada pelas intervenções freqüentes do governo federal, com seus regulamentos complicadores. As fontes adicionais de receita estão sujeitas a normas burocráticas inibidoras da autonomia, e não é incomum o impedimento das instituições para aplicarem esses recursos, que são gerados naquela escassa minoria que mantém serviços hospitalares. Para corrigir definitivamente esse desencontro entre a lei e a realidade, é imperativo apressar a regulamentação dos poderes autônomos da universidade, na busca de instrumentos adicionais de receita com a prestação de serviços ou com as contribuição dos mais variados segmentos sociais e econômicos, como é comum em outros países.
É importante assinalar, afinal, algumas preocupações essenciais que quero transmitir à reflexão dos meus pares. Imagino uma universidade mais aberta na sua integração com a sociedade e mais sensível na percepção de seus compromissos com as grandes questões sociais do nosso tempo, sem os ranços do bacharelismo, num casamento de intenções em que não falte a contrapartida daqueles que possam contribuir para números crescentes de vagas e para mudanças qualitativas no ensino e na pesquisa. Os compromissos do Poder Público com a educação de primeiro e segundo graus devem garantir investimentos suficientes para atender à demanda de pobres ou ricos que aspiram chegar ao topo da formação universitária, sem ter que abandonar os sonhos no início ou no meio da caminhada. É uma grande responsabilidade nacional lutar contra a evasão de 20 por cento que ocorreu neste país, nos últimos anos, entre os que se matricularam no curso superior e não chegaram a concluí-lo, por carências econômicas. E reverter a decadência que vem marcando a qualidade do ensino superior é a questão que fala mais de perto às nossas crenças em um país mais próspero e justo, além de mais competitivo nas suas relações econômicas com os parceiros do mundo globalizado. Para ser legítimo o sonho de ingressarmos no primeiro mundo, teremos que adotar a educação democratizada como a meta das metas, num mutirão constante e obsessivo que envolva a vontade e as ações toda a sociedade.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.