Discurso no Senado Federal

A QUESTÃO FUNDIARIA NO BRASIL. ALERTANDO O GOVERNO FEDERAL PARA O CRESCENTE ACIRRAMENTO DOS ANIMOS NO CAMPO. CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PARTICULARES PELA UNIÃO DEMOCRATICA RURALISTA - UDR, PARA FAZER A SEGURANÇA DAS FAZENDAS.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • A QUESTÃO FUNDIARIA NO BRASIL. ALERTANDO O GOVERNO FEDERAL PARA O CRESCENTE ACIRRAMENTO DOS ANIMOS NO CAMPO. CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PARTICULARES PELA UNIÃO DEMOCRATICA RURALISTA - UDR, PARA FAZER A SEGURANÇA DAS FAZENDAS.
Aparteantes
Ramez Tebet, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/1997 - Página 5929
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • APREENSÃO, VIOLENCIA, CAMPO, ARMAMENTO, SEGURANÇA, FAZENDEIRO, UNIÃO DEMOCRATICA RURALISTA (UDR), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • REGISTRO, APOIO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, OBJETIVO, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • DEFESA, URGENCIA, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, CONCILIAÇÃO, INTERESSE, TRABALHADOR RURAL, PROPRIETARIO, PRODUTOR RURAL, FAZENDEIRO.
  • CRITICA, CONFLITO, EXCESSO, IDEOLOGIA, POLITICA, REFORMA AGRARIA.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os ânimos estão cada vez mais acirrados no meio rural brasileiro.

Notícias provenientes do Triângulo Mineiro dão conta que o a União Democrática Ruralista, a UDR, resolveu contratar empresas privadas de segurança para garantir, pela força das armas, as fazendas e glebas ameaçadas de invasão pelos sem-terra.

Segundo o Líder da UDR em Minas Gerais, Luiz Rezende, a entidade pretende realizar leilões de bois em todo o Estado, com o objetivo de arrecadar fundos para custear os serviços de segurança das propriedades rurais mineiras.

Noutra direção, dessa feita no Pontal do Paranapanema, foco de intensas tensões, o Movimento dos Sem-Terra recebeu formalmente o apoio do Partido dos Trabalhadores, através do Presidente Nacional da agremiação, que defendeu, em ato público, a união de todos os partidos de esquerda no sentido de acelerar a reforma agrária.

O Presidente Nacional do PT, segundo notícia do Correio Braziliense de hoje, prometeu, também, o apoio do Partido à caminhada dos sem-terra rumo a Brasília, onde pretendem protestar maciçamente contra a política agrária do Governo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os trágicos acontecimentos de Eldorado, que resultaram na morte de 19 trabalhadores rurais, mais que serem transformados em "bandeira de luta", deveriam ter servido de exemplo do que pode ocorrer no campo, se os ânimos continuarem exaltados e se as partes envolvidas insistirem em permanecer à margem da lei e do bom- senso.

A reforma agrária, todos sabemos, é um imperativo para o desenvolvimento do País. Não restam dúvidas de que é preciso assentar os trabalhadores rurais, dar-lhes condições de produzir e aumentar a riqueza nacional. É inconcebível que o País mais bem dotado do mundo para a prática agrícola e com o potencial que temos, ainda importe alimentos e presencie conflitos pela posse de terra.

Temos que promover a distribuição da terra, não restam dúvidas. Acho que todos os partidos políticos concordam com isso hoje em dia.

A reforma agrária, no entanto, terá que ser implementada sem extremismos, buscando conciliar o interesse geral. Da mesma forma que é injusto o trabalhador rural não ter um pedaço de terra para plantar, não faz sentido querer punir o produtor rural, tomando-lhe, muitas vezes à força, o que levou anos para construir.

Na minha opinião, Srªs e Srs. Senadores, a reforma agrária é hoje um tema excessivamente politizado, revestido de um radicalismo desnecessário.

Volto a insistir - e deixo aqui a sugestão para a reflexão dos membros do Poder Judiciário - na necessidade de uma justiça agrária no Brasil, capaz de resolver conflitos.

É indiscutível que a visão distorcida da elite brasileira tem retardado a solução do grave problema fundiário brasileiro, sujeitando milhões de trabalhadores rurais à miséria e impedindo-lhes o acesso aos mais elementares direitos da cidadania.

Inegável, também, que as concepções quase sempre retrógradas dos movimentos pró-reforma agrária têm impedido os trabalhadores rurais de separar o joio do trigo, distinguindo as lideranças verdadeiramente empenhadas na causa daquelas que apenas se utilizam do tema para auferir dividendos políticos pessoais ou partidários.

Precisamos desarmar os espíritos e discutir em profundidade a questão fundiária brasileira.

O Brasil, durante muitos e muitos anos, conviveu com o total desinteresse da classe política em relação à reforma agrária. Agora, que existe vontade política para fazê-la, não podemos desperdiçar a oportunidade com radicalismo extemporâneos, que em nada contribuem para a obtenção da justiça e da paz social que todos desejamos, acima de bandeiras, ideologias e cores partidárias.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr Ramez Tebet - V. Exª está no cerne da questão, Senador Valmir Campelo, porque, em verdade, não há assunto mais palpitante, mais atual do este que V. Exª aborda hoje, aqui da tribuna do Senado da República. Realmente, a fala de V. Exª está no caminho que todos nós queremos. Nunca vi um assunto que tenha tanta unanimidade como a reforma agrária. Todavia, se todos são a favor da reforma agrária, parece que isso é que dificulta a solução do problema no Brasil. Temos que entender que reforma agrária não é uma questão ideológica, mas uma questão social, econômica, uma questão de justiça social - não há dúvida nenhuma. O caminho para atingi-la, positivamente, não é o caminho do radicalismo, nem da violência, nem do desrespeito. Muito ao contrário, penso que vamos encontrar o caminho para resolver esse grave problema do País e, portanto, contribuir para a solução de um problema que hoje, no meu entendimento, é mais social do que econômico, em havendo vontade política, em havendo planejamento, e se nós conseguirmos desarmar os espíritos. Dou um exemplo; V. Exª falou no Triângulo Mineiro, mas o fato mais recente não está no Pontal do Paranapanema; está no meu Estado, está lá no Mato Grosso do Sul, no Município de Itaquiraí, na Fazenda Santo Antônio, que foi recentemente invadida - há dez dias. A Justiça concedeu uma liminar, e há um impasse, pois a polícia está despreparada. Em todos nós há um espírito conciliador do povo brasileiro, das nossas autoridades. O Governo do meu Estado quer cumprir determinação judicial, sem derramamento de sangue, sem ódio, com respeito às pessoas. É preciso, então, que se entenda que uma ordem judicial é para ser cumprida. É preciso que o Governo entenda isso e que aqueles que invadiram também entendam e contribuam para uma solução pacífica do confronto. Veja V. Exª a gravidade do assunto. Está sendo intermediada a solução desse conflito da Fazenda Santo Antônio, com nove mil hectares de terras que o Prefeito do Município de Jateí, também no meu Estado, está oferecendo para assentar esses trabalhadores, e eles não querem ir para lá. Veja a gravidade do assunto que V. Exª traz à baila aqui. Falo hoje com alguma autoridade, porque carreguei sobre os ombros a responsabilidade de dar parecer em inúmeros processos referentes à reforma agrária. Tenho reiterado - e V. Exª é testemunha - apelos sucessivos para uma ação mais enérgica, que não significa força, mas diálogo e um planejamento adequado e dizer que podemos ir até esse ponto. Queremos dar terra a quem precisa de terra, e o Governo pode e tem condições de promover assentamentos até tal limite, sob pena de irmos criando expectativa e nunca mais encontrarmos solução para esse grave problema. Parece-me que, à medida em que se assenta, mais assentados aparecem. Dizem muitos e concordo. Mas os assentados aparecem porque a globalização está trazendo desemprego. O que é que está havendo, pois quanto mais se assenta - nos anos de 1995 e 1996, o Governo Federal assentou mais de cem famílias no campo, e isso significa um número expressivo - mas o número cresce e como estão aumentando as invasões. O radicalismo está crescendo cada vez mais. O mundo internacionalmente está com os olhos voltados para o Brasil fazendo pressão, querendo até, no meu entender, atingir a soberania do nosso País, querendo ditar-lhe ordens. Entendo que o discurso de V. Exª está no tom adequado. Qual é o tom de V. Exª? O tom de uma reforma agrária dentro da ordem, dentro da lei, dentro do respeito mas onde haja vontade política para realizar isso e que os sem-terra sintam realmente que está havendo essa vontade política. E contribuam, não façam disso uma bandeira que não aquela que se pretende nesse País que é a da reforma agrária, e que não sirva de apetite a ninguém. Estou lendo até que partidos políticos - refiro-me especificamente ao Partido dos Trabalhadores - está chegando à compreensão de que ele é que tem de ser um apêndice do Movimento dos Sem-Terra, porque a verdadeira oposição hoje no Brasil estaria sendo feita por aquele Movimento. Senador Valmir Campelo, acho que estou estendendo-me mais do que o seu discurso, mas o assunto é empolgante. Vou parar por aqui, pedindo-lhe escusas, mas cumprimentando-o efusivamente por trazer à baila esse assunto, neste início de semana, no Senado da República.

O SR. VALMIR CAMPELO - Nobre Senador Ramez Tebet, V. Exª não tem de pedir desculpas. Eu é que tenho muito a agradecer, assim como nosso País, nossa sociedade, aqueles que lutam por uma reforma agrária feita através do entendimento, da conciliação e não do derramamento de sangue e de situações de radicalismo como as que estão ocorrendo por parte de algumas agremiações, de alguns segmentos dessa mesma sociedade. Agradecemos as palavras de V. Exª que complementam nosso pronunciamento e diz tudo aquilo que gostaríamos de ter dito. É um aparte esclarecedor de uma pessoa que convive com a sociedade, que conhece bem o campo e o problema rural de nosso País. Agradeço e acolho, com muita satisfação, o aparte de V. Exª.

O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª com prazer.

O SR. ROMERO JUCÁ - Meu caro Senador Valmir Campelo, sendo a reforma agrária um tema tão palpitante e tão atual, eu gostaria de ferir algumas colocações sobre essa questão que V. Exª traz, hoje à tarde, ao plenário do Senado. Na mesma linha do Senador Ramez Tebet, gostaria de ressaltar que a reforma agrária como tese, como anseio da sociedade, é uma bandeira que tem sido colocada por todos nós, do Partido da Frente Liberal, que represento nesta Casa, do PTB, do qual V. Exª é Líder, e do PMDB, do Senador Ramez Tebet. Temos buscado, juntamente com a Presidência da República e o Ministro Raul Jungmann, caminhos para efetivar uma reforma agrária em novos moldes que não nos antigos. Infelizmente, o Movimento dos Sem-Terra tem dado uma conotação diferente à solução da questão reforma agrária. Gostaria de referenciar a colocação já feita pelo Senador Ramez Tebet; tivemos o desprazer de, nesse final de semana, ler nos jornais uma declaração do candidato à Presidência da República, do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, quando diz textualmente que a maior oposição ao Governo Fernando Henrique é do Movimento Sem-Terra. Acho isto um equívoco, a reforma agrária não tem que ser bandeira de oposição nenhuma, não tem que ser contra ninguém, ela deve ser a favor do País, da produção agrícola, dos que precisam trabalhar, dos que anseiam uma terra como encaminhamento de vida. Outra questão que muito tenho frisado é que não vejo a terra como carteira de identidade que dê cidadania, não é porque a pessoa tem terra ou não que deixará de ser ou não cidadão. Se fosse assim no Japão ninguém seria cidadão, porque lá ninguém possui terra. Na verdade, terra não é cidadania, é meio de produção. Entendo a reforma agrária brasileira como reforma agrária necessária para que tenhamos mais produção agrícola, alimentos mais baratos à população, ocupação e uso social da terra como forma de gerar o desenvolvimento do nosso País. Enfim, a reforma agrária, o assentamento, tudo isto deve ser feito visando o aumento da produção e a geração de atividade econômica. E não simplesmente como uma bandeira política. Eu gostaria de parabenizar V. Exª e dizer que infelizmente o modelo de assentamento e de reforma agrária no País hoje ainda é equivocado. Tenho visto que inúmeros assentamentos e inúmeras experiências do Incra têm dado errado. Em meu Estado, Roraima, sou testemunha dos erros de assentamento do Incra. Tenho visitado vicinais e vicinais e tenho visto que os pequenos assentados venderam suas propriedades, e hoje nas vicinais do Incra estão localizadas grandes fazendas de gado exatamente por erro no modelo de assentamento, de comercialização e de produção. Na verdade, esse modelo precisa ser repensado. Mas na paz, dentro da lei e com muita seriedade. É por isso que quero aplaudir o discurso de V. Exª nesta tarde.

O SR. VALMIR CAMPELO - E eu, nesta oportunidade, quero agradecer também as palavras de V. Exª. É muito importante esse debate, é muito importante esse tema e é muito importante a contribuição de V. Exª e de todas as Srªs e Srs. Senadores sobre o tema. E com o aparte do nobre Senador Romero Jucá, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de encerrar meu pronunciamento, agradecendo pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/1997 - Página 5929