Discurso no Senado Federal

EXPRESSANDO SEU POSICIONAMENTO SOBRE AS INDAGAÇÕES FORMULADAS PELA SOCIEDADE BRASILEIRA, QUANTO AO PAPEL FISCALIZADOR DO BANCO CENTRAL. DEFESA DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI, EM TRAMITAÇÃO NESTA CASA, QUE INSTITUI A INDEPENDENCIA AO BANCO CENTRAL.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO. BANCOS.:
  • EXPRESSANDO SEU POSICIONAMENTO SOBRE AS INDAGAÇÕES FORMULADAS PELA SOCIEDADE BRASILEIRA, QUANTO AO PAPEL FISCALIZADOR DO BANCO CENTRAL. DEFESA DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI, EM TRAMITAÇÃO NESTA CASA, QUE INSTITUI A INDEPENDENCIA AO BANCO CENTRAL.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/1997 - Página 5956
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO. BANCOS.
Indexação
  • OPORTUNIDADE, INVESTIGAÇÃO, MERCADO FINANCEIRO, QUESTIONAMENTO, EFICIENCIA, FUNÇÃO FISCALIZADORA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
  • ANALISE, PROBLEMA, FALTA, AUTORIDADE, INDEPENDENCIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), DIFICULDADE, DENUNCIA, MOTIVO, POLITICA.
  • ANALISE, COLABORAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TITULO DA DIVIDA PUBLICA, COMENTARIO, PROCESSO, INTERVENÇÃO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, AUTORIDADE, COMISSÃO.
  • DEFESA, MANDATO, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, INDEPENDENCIA, ORGÃO PUBLICO.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveito esta oportunidade, uma sessão não-deliberativa de segunda-feira, portanto, sem matérias em votação, mas tão-somente em debate, para tentar trazer à tona um assunto que, creio, em todas as questões que vêm sendo analisadas diante da CPI dos Precatórios, talvez seja o que menos tem sido enfocado, mas que merece uma atenção mais rigorosa, mais detalhada, porque talvez seja esta a depreensão, a conclusão mais importante a tirar desse processo investigatório que está sendo levado a cabo pelo Senado da República.

Sr. Presidente, há uma indagação e - diria - até uma certa perplexidade em torno do papel do Banco Central. O potencial fiscalizador do Banco Central vem sendo questionado na imprensa, na opinião pública e nos discursos parlamentares. Há uma pergunta permanente que até agora não foi respondida: de fato, o Banco Central é eficaz na sua tarefa de fiscal do sistema financeiro, na sua tarefa de controlar e de reprimir os erros, os desmandos, os desvios, as irregularidades praticadas nas operações financeiras?

Acho que uma resposta mais simples, mais elementar seria a de dizer que não. De fato, para uma análise superficial, o Banco Central parece pouco eficiente. Para quem olha as coisas em seu derredor, para quem observa de fora, a idéia que se passa pela imprensa, pelos trabalhos da CPI, pelos pronunciamentos dos seus integrantes, é a de que temos um Banco Central de pouca eficácia fiscalizatória.

No entanto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o meu pensamento é totalmente distinto. Não vejo, na situação em que estamos todos perplexamente descobrindo por intermédio da Comissão Parlamentar de Inquérito um baixo nível de eficiência do Banco Central. Se tivesse que fazer um diagnóstico dessa situação, eu diria com toda tranqüilidade que não é problema de eficiência, mas de autoridade e de independência.

Senão, vejamos: durante a campanha eleitoral de 1996, no auge da disputa à Prefeitura de São Paulo, um dos jornais brasileiros mais importantes, o Estado de S. Paulo, publicou uma notícia a respeito de irregularidades praticadas nos precatórios da Prefeitura de São Paulo. Essa notícia foi dada timidamente pelo Banco Central, sub-repticiamente passada a alguns jornalistas. Possivelmente, a fonte que forneceu essa notícia o fez sob a negociação de que seria mantida sigilosa, desconhecida, reservada. A notícia ganhou espaço mas, em seguida, sofreu a restrição política. Estávamos em plena campanha eleitoral, e lembro-me de que, entre palavras de acusação ao Banco Central, apareceram as seguintes manifestações: "que o Banco Central estava fazendo campanha política"; "que o Banco Central queria atingir um determinado candidato"; "que o Banco Central estava a serviço de uma determinada candidatura e que, portanto, o Banco Central estava se prestando a um papel político, conseqüentemente, desviando-se de suas funções".

Ora, vejam só! Se o Banco Central cumpre seu papel e, timidamente, quase que de forma reservada e anônima, faz passar a um determinado jornalista a informação de que houve irregularidade nos precatórios de uma determinada prefeitura, ele está descumprindo seu papel, está a serviço de um determinado interesse político.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é difícil realmente entender o processo político brasileiro. Quando o Banco Central faz a denúncia está equivocado, está errado, isso é condenável. Oito meses depois, é instalada uma CPI e diz-se que o Banco Central não cumpriu o seu papel, não fez o que deveria, não denunciou no momento. Não dá para entender. Ou os políticos querem ou não querem que o Banco Central denuncie. Porque quando denuncia, está desviando seu papel; se não denunciou, não cumpriu também o que devia ter cumprido.

Quem fizer um diagnóstico preciso, correto, adequado, verá que se trata de uma questão de autoridade, de independência, de intangibilidade. Nenhum diretor do Banco Central, nem mesmo o seu Presidente, tem coragem, tem destemor para fazer uma denúncia que afeta prefeitos de grandes cidades, governadores de estados importantes. Não tem coragem, não tem destemor, não tem autoridade e não tem independência porque sabe que, mal venham a soar as campainhas do alarme ou da denúncia, as garras políticas se atiram sobre os diretores do Banco Central. Não pode denunciar porque, se o fizer, estará fazendo política a serviço de interesses mesquinhos, escusos, inconfessáveis. E se não denuncia, mais tarde haverá reclamação, uma grita geral de que o Banco Central não fiscaliza e não denuncia.

Ora, convenhamos, as mesmas pessoas que fazem esse tipo de acusação são aquelas que não querem conferir autoridade e independência ao Banco Central. Porque só um Banco Central que tem autoridade, intangibilidade e independência pode fazer denúncias sem correr riscos de ordem política, com imunidade do cargo e do seu mandato, independentemente das conseqüências políticas.

Sr. Presidente, qual foi o material utilizado pela Comissão Parlamentar de Inquérito desde o seu início? Qual é o material no qual a comissão se baseou para chamar o primeiro depoente, que foi aquele cidadão de uma empresa chamada empresa laranja, porque assinava cheques através de uma empresa quase fantasma? Quando recebeu todo o material que vinha sendo objeto de investigação, levantado pelo Banco Central, a CPI começou a trabalhar. Eu diria que 90% dos dados que a CPI tem até agora são dados já recolhidos há meses pelo Banco Central, não há nada de novidade. A única novidade é a publicidade, é a revelação pública. Não há nada de novidade para os fiscais do Banco Central.

E aí alguém vai perguntar: mas então o Banco Central sabia e nada fez? O Banco Central tinha elementos e não interveio? É, Sr. Presidente, o Banco Central tinha elementos e não interveio? Sim, o Banco Central tinha elementos e não interveio. Não intervirá porque toda vez que intervier, Sr. Presidente, haverá uma grita, um protesto, uma reação, uma contrariedade atingida que se abaterá sobre qualquer dos diretores ou até mesmo do Presidente do Banco Central. Note-se um detalhe pouco percebido: o fato foi percebido, mas o detalhe embutido no fato não o foi. Poucos dias depois de instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito, o Banco Central interveio nas instituições financeiras envolvidas com uma rapidez impressionante. A pergunta é: foi a CPI a geradora de informações, de documentos, de dados, de elementos comprobatórios para o Banco Central agir com tanta rapidez? É evidente que não. É evidente que a CPI não deu nada em termos de dados, de referências, de conhecimento, de elementos comprobatórios para o Banco Central. Nada mais do que ele já não tivesse. O que a CPI deu ao Banco Central que até então ele não tinha? O que a CPI conferiu ao Banco Central que até então não possuía? Autoridade política.

Poderia fechar bancos, instituições financeiras, intervir no mercado financeiro, porque não seria acusado, não seria criticado, não haveria a reação dos interesses contrariados, porque politicamente ele, Banco Central, estava respaldado pela Comissão Parlamentar de Inquérito. Mas, note-se, sem o respaldo político que a CPI lhe deu, sem a força de autoridade, portanto, de quase que inevitável certeza de que os fatos estavam ali para não serem desmentidos, Sr. Presidente. Somente diante dessa situação é que o Banco Central interveio, somente diante dessa situação é que ele agiu. Será que por um segundo, por um milímetro de momento não se raciocina que é uma questão de poder político, de destemor político para agir? Nenhum diretor de Banco Central é louco de assumir a responsabilidade de fazer uma revelação, uma denúncia e uma intervenção dessa ordem que atinja a Prefeitura de São Paulo, o Governo de Pernambuco, o Governo de Santa Catarina, o Governo de Alagoas, envolve governadores, prefeitos, nenhum diretor nem mesmo presidente de Banco Central, tendo seu cargo demissível ad nutum, tendo uma sustentação precaríssima, sabendo que a simples palavra de um senador, de um deputado, o simples protesto de um governador pode derrubá-los. Por que os diretores do Banco Central vão assumir responsabilidade para fazer denúncias? Só o fazem quando a situação é politicamente tão definitiva, tão irrecorrível, tão fatalmente comprovada que aí, sim, eles podem fazê-lo, mas aí são condenados por fazerem tarde.

A intervenção no Banco Econômico foi acusada de ter sido feita tardiamente; a intervenção no Banco Nacional sofreu também a acusação ter sido feita tardiamente. Será que, por um átimo de momento, Sr. Presidente, não se pode fazer uma pequena reflexão e verificar que não falta eficiência fiscalizatória ao Banco Central?

Não é preciso criar novos organismos, separar a função fiscalizadora do Banco Central atribuindo-a a este ou àquele órgão, criar novos encargos ao Ministério da Fazenda. Nada disso é necessário. O que o Banco Central e os seus diretores precisam é de mandato, autoridade, independência, força política, que hoje a instituição não tem.

É verdade, sim, Sr. Presidente, que a intervenção do Banco Central no Banco Vetor foi feita em que pese ser este um banco financeiramente saudável, um banco em situação exemplar do ponto de vista da sua contabilidade. O depoimento do Presidente do Banco à CPI foi altamente elucidativo; todavia, o Banco Central sabia, tinha as informações, tinha os elementos concretos de que aquele banco vinha fazendo algumas operações suspeitas, condenáveis.

Ora, se um diretor do Banco Central vai denunciar, se isso vai ser trazido a público e se vai haver uma intervenção explícita! Cai o mundo em cima dele, Sr. Presidente. O Presidente do Banco, Dr. Gustavo Loyola, pagou os pecados desta vida, da próxima e de muitas outras vidas que poderá ter pelo fato de ter feito uma intervenção em dois bancos de grande porte em nosso País. E só não caiu, porque a intervenção foi feita no momento tardio realmente, já quando as coisas estavam como fato consumado, como situação definitiva, como quase uma decisão irrecorrível. Fizesse ele a intervenção na hora certa para prevenir, como alguns sempre exigem com muita autoridade, com muita veemência, Sr. Presidente, coitado do Presidente do Banco Central!

Parece claro que nesta Comissão Parlamentar de Inquérito há um diagnóstico a fazer. Esse diagnóstico, Sr. Presidente, é o que quero fazer neste momento. Esta é, para mim, a lição mais importante do ponto de vista institucional do Senado, porque ele é a Casa que fiscaliza o Banco Central. O Banco Central é, portanto, uma instituição que deve informações e que deve sempre reportar-se ao Senado como a sua referência balizadora. O Senado tem um papel da maior importância nisso tudo. Apenas quero dizer que questões, às vezes comezinhas do mercado financeiro, questões que são visivelmente irregulares, que são claramente, perceptivelmente, anômalas e que devem ser objeto de um controle, de um ato de fiscalização e até mesmo de um ato de repressão do órgão fiscalizador, essas questões poderiam ter sido resolvidas no seu nascedouro!

Espero, sinceramente, que o Senado tenha olhos para ver, que os Senadores tenham ouvido para ouvir, tenham sensibilidade para sentir e para perceber o que é preciso mudar nas instituições financeiras do nosso País. Há uma coisa que se chama autoridade, e autoridade, Sr. Presidente, só se tem com mandato independente, e é por isso que há mais de um ano estamos pregando a aprovação de um projeto que institui a independência do Banco Central.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/1997 - Página 5956