Discurso no Senado Federal

INFORMAÇÕES CONTRADITORIAS SOBRE DADOS NUMERICOS APRESENTADOS PELO MINISTRO RAUL JUNGMANN, RELATIVOS A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA NO PAIS. POSSIBILIDADE DE APROPRIAÇÃO DE TERRAS DISPONIVEIS OU SUB-UTILIZADAS DA GLEBA DA LICITAÇÃO DE TERRAS PUBLICAS, 'BURAREIRO', NO MUNICIPIO DE ARIQUEMES-RO, QUE PODERÃO SER UTILIZADAS PARA O ASSENTAMENTO DE MAIS DE 1.800 FAMILIAS.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • INFORMAÇÕES CONTRADITORIAS SOBRE DADOS NUMERICOS APRESENTADOS PELO MINISTRO RAUL JUNGMANN, RELATIVOS A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA NO PAIS. POSSIBILIDADE DE APROPRIAÇÃO DE TERRAS DISPONIVEIS OU SUB-UTILIZADAS DA GLEBA DA LICITAÇÃO DE TERRAS PUBLICAS, 'BURAREIRO', NO MUNICIPIO DE ARIQUEMES-RO, QUE PODERÃO SER UTILIZADAS PARA O ASSENTAMENTO DE MAIS DE 1.800 FAMILIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/1997 - Página 5958
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CONTRADIÇÃO, ESTATISTICA, NUMERO, SEM-TERRA, INVASÃO, FAMILIA, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA.
  • ANALISE, PAPEL, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, OPOSIÇÃO, DESEMPREGO.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), UTILIZAÇÃO, TERRAS, AGRICULTURA.
  • ANALISE, CRISE, CULTIVO, CACAU, ESTADO DE RONDONIA (RO), NECESSIDADE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), REGULARIZAÇÃO, GLEBA, OBJETIVO, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA.

O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a questão da Reforma Agrária adquiriu, nos últimos dias, nuances de informações contraditórias, ou de desinformação. Enquanto os dados do Movimento dos Sem-Terra informam que o número de famílias acampadas nos estados, à espera de um lote, já chega a 45 mil.

O Excelentíssimo Senhor Ministro Raul Jungmann, apoiado em resultados de uma pesquisa realizada em dezembro de 1996, por 27 universidades em todo o País, sustenta que os "sem-terra" acampados são cerca de 20 mil. Isso não se computando os resultados da região Norte, onde são poucos os acampamentos do MST.

Por outro lado, Senhor Presidente, ocorre uma outra contradição numérica, quando se trata do número de famílias assentadas. O Ministro Raul Jungmann, assevera que o Governo já assentou nos dois primeiros anos de Governo Fernando Henrique Cardoso, 100 mil famílias. Um dos principais coordenadores do MST, João Pedro Stédile, declarou, em dias da semana passada: "...temos 244 acampamentos e das 45 mil famílias, só 20 mil foram atendidas".

Senhor Presidente, precupa-me sobremodo a "batalha dos números", em relação ao contingente de acampamentos e de famílias assentadas. Mas tenho a convicção de que o Governo Fernando Henrique Cardoso, empenhado como está nas reformas do Estado há de urgir também a Reforma Agrária, incorporando-a à Reforma do Estado.

Em entrevista na revista "VEJA", de janeiro de 1997, uma importante contribuição foi dada pelo consagrado economista Celso Furtado. Perguntado por que achava que o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra era o mais importante movimento social brasileiro do século, respondeu textualmente:

"Porque é a única resposta significativa dada ao desemprego em massa que se está gerando no Brasil. Em parte, trata-se de recriar uma agricultura de subsistência, mas como não reconhecer que essa é uma forma de sobrevivência melhor que a marginalidade urbana? O MST é o primeiro movimento rural estruturado do País".

Senhor Presidente, posso não concordar em gênero, número e grau com a afirmação de Celso Furtado, mas não posso deixar de reconhecer mérito, na sua colocação corajosa.

Em meu Estado, Rondônia, estamos às voltas com alguns acampamentos que se originaram há quase um ano, das invasões das fazendas "Aninga" e "Triângulo", no município de Ouro Preto do Oeste. Na semana passada trouxe ao conhecimento desta Casa a iniciativa liderada pela Prefeitura de Ouro Preto do Oeste e submetida à apreciação do Senhor Ministro Raul Jungmann, pelo técnico agrícola Carlos Magno, recém eleito pelo PFL-RO. Estou me referindo ao Projeto "AGROVILA OURO PRETO", objeto de meu discurso de 12 de março de 1997.

Hoje, passo a referir-me à grande possibilidade de apropriação de terras, fartas e férteis que dariam para o assentamento de 1.800 famílias em lotes individuais de 50 hectares, com viabilidade ambiental inquestionável, por se tratar de áreas das Zonas I e II do Zoneamento Socioeconômico-Ecológico, do PLANAFLORO. Isto sem se falar na riqueza da infra-estrutura que lhe é proporcionada pela vizinhança da cidade de Ariquemes, a segunda cidade em população do Estado de Rondônia.

Hoje, Senhor Presidente e Senhores Senadores, encontrar disponibilidade de terras agricultáveis, em Rondônia, não é tarefa muito fácil. Parece inadmissível que um Estado com área geográfica de 23,8 milhões de hectares, quase do tamanho do Estado de São Paulo (24,8 milhões de hectares), não disponha de mais espaço para abrigar populações de "sem-terra". A população de Rondônia, na recente contagem feita pelo IBGE, indicou apenas 1.221.290 habitantes, enquanto que o Estado de São Paulo passava dos 34 milhões.

Ocorre, Senhor Presidente, que na fase pós-PLANAFLORO, com a definição e aumento das áreas protegidas, dos 23,8 milhões de hectares, 56% da área total de Rondônia (Áreas de Reservas Indígenas e Unidades de Conservação), estão destinadas ao "não-uso".

As áreas que sobram, perfazem 44% da área territorial, cerca de DEZ MILHÕES DE HECTARES. Com a Medida Provisória Nº 1511, editada em 26 de julho de 1996, as áreas com fitofisionomias florestais, o que em linguagem corrente, significa terras cobertas por "mata fechada" não podem sofrer corte raso senão em 20% da área. Vale dizer Rondônia está condenada a cultivar apenas DOIS MILHÕES do total de 23,8 milhões de hectares que compõem o seu território !

É o Estado de Rondônia,transformado em Estado sem terra, é Rondônia submetida a uma "camisa de força", e a economia do Estado "engessada".

Enquanto isso, Senhor Presidente, existem algumas áreas de boas terras, disponíveis ou sub-utilizadas, dentro das Zonas I e Zona II do Zoneamento Socioeconômico-Ecológico, do PLANAFLORO.

Estou me referindo, especificamente, à Gleba da Licitação de Terras Públicas ,"Burareiro", no município de Ariquemes.

O INCRA licitou, sucessivamente, 181 lotes de 500 hectares, num total de 90.500 hectares e 102 lotes de 1.000 hectares, num total de 102.000 hectares. O total licitado foi de 283 lotes, somando uma área de 192.500 hectares.

Os lotes menores, com 500 hectares, possuíam solos com um padrão melhor de qualidade, com maior riqueza de componentes minerais primários: nitrogênio, fósforo e potássio. Os lotes com 1.000 hectares tinham terras boas, mas com uma mescla de terras de riqueza menor.

Os lotes de melhor qualidade foram destinados ao plantio de cacau. Contratualmente, ficou estabelecido que nos lotes de 500 hectares

Haveria obrigatoriedade, por parte do licitante vencedor, da implantação da cacauicultura em, pelo menos 125 hectares. Nos lotes vocacionados para o plantio de cacau, poder-se-ia plantar um total de 22.625 hectares de cacauais.

A implantação das áreas cacaueiras, na Gleba Licitação Burareiro, iniciou-se em 1978/79 e alongou-se até o ano 1984/85. O total plantado alcançou 7.675 hectares de cacauais financiados, pelo Banco do Brasil e Banco da Amazônia, e mais 405 hectares de cacauais foram plantados com recursos próprios, tanta era a esperança na atividade cacau.

Dessa forma, Senhor Presidente, a área plantada pela categoria dos licitantes, alcançava 8.180 hectares do contratualmente fixado em 22.625 hectares, ou seja, 36% do total.

A cacauicultura dos grandes plantadores, proprietários de lotes na Gleba "Burareiro", foi a que mais sofreu com a queda prolongada dos preços de cacau no mercado internacional, que já perdura por mais de dez anos.

No período denominado "anos de ouro" do cacau, os preços atingiram US$3.500 por tonelada, caindo para US$3.000 e, sucessivamente, para US$2.000 e até para abaixo dos US$1.000 tendo atingido o "fundo do poço" ao chegar aos US$675 por tonelada.

A redução dos preços, combinada com a ascensão desenfreada dos custos dos insumos (fungicidas, inseticidas, fertilizantes e sobretudo mão-de-obra) e a inacessibilidade ao crédito (correção plena, TR,etc.) levaram os produtores a manejar seus cacauais, em estado descrito como de "semi-abandono" e, até mesmo, a fazer a erradicação de algumas áreas cacaueiras.

Hoje, a cacauicultura do grande produtor é algo difícil de se encontrar em Rondônia. Muitos, quase todos licitantes, abandonaram de há algum tempo, as suas atividades. Eram, quase sempre, empresários, profissionais liberais, vindos de fora, atraídos pelo brilho da "Nova Estrela no Céu Azul da União", do Governo Jorge Teixeira, ou pela atratividade do cacau e dos financiamentos substanciais, dos Bancos do Brasil e da Amazônia.

Desde 1994, a Superintendência Regional do INCRA,SR-17, em Rondônia, vem se preocupando com a situação fundiária e de produção, reinante na Gleba "Burareiro", assim como de outras glebas licitadas no Estado: Corumbiara, Garças, Baixo Candeias.

A proposta de então baseava-se na busca de um caminho que oportunizasse a utilização dessas áreas ociosas, sub-utilizadas, para o assentamento de trabalhadores rurais.

É inadmissível, pouco inteligente, além de totalmente injusto do ponto de vista social, destinarem-se ao "não-uso", as terras da Gleba "Burareiro". Não é mais o caso de se falar em especulação, ou tampouco em reserva de valor, pois desde o advento da estabilização que resultou do Plano Real, das mudanças impostas pela nova legislação do Imposto Territorial Rural-ITR, e insegurança que resulta das invasões (vide o caso das fazendas "Aninga" e "Triângulo", em Ouro Preto do Oeste), que as terras rurais estão altamente desvalorizadas, em Rondônia e Brasil afora.

As terras da Gleba Licitação "Burareiro", são de uma qualidade excepcional, quando comparadas com os latossolos quimicamente pobres da Amazônia..

A qualidade da infra-estrutura viária, como a RO-1, e as vicinais abertas pelos licitantes, é razoável. A distância do centro da gleba à cidade de Ariquemes é de uns 30 quilômetros.

Os serviços médicos, de ensino, de assistência técnica existentes em Ariquemes são bastantes bons. A rede bancária oficial e privada, o setor comercial e industrial, combinados com as comunicações, rádio, repetidoras de TV, valorizam sobremodo as terras ao derredor do município de Ariquemes, que na contagem da população de 1996, do IBGE, ficou com 68.474 habitantes.

A possibilidade da desapropriação dessas áreas, foi um dos caminhos levados em consideração pelo Superintendente do INCRA, em Rondônia, Sr. Cleth Muniz de Britto. Isso, por se tratar de um procedimento judicial mais rápido, que viria a atender, de uma forma mais imediata, aos anseios dos trabalhadores rurais dos acampamentos "Margarida"e "Padre Ezequiel", do município de Ouro Preto do Oeste.

Ocorrem contudo, Senhor Presidente, embaraços de natureza jurídica que poderão dificultar ou até inviabilizar a retomada dos lotes da Gleba "Burareiro". As licitações objetivaram a implantação de pequenas e médias empresas rurais, com objetivos específicos, como é o caso da Gleba "Burareiro", vocacionada para o cacau.

Em maio de 1994, a Procuradoria-Geral do INCRA manifestou a impossibilidade jurídica de promover a desapropriação das áreas acobertadas pelos Contratos de Alienação de Terras Públicas (CATP), cujos proprietários não cumpriram as cláusulas constantes dos contratos celebrados, pois se agisse de forma contrária estaria dando reconhecimento ao processo de especulação imobiliária.

A recomendação passada à Superintendência do INCRA, em Rondônia, foi que se efetivassem estudos e levantamentos das situações existentes nos lotes da Gleba "Burareiro", para que se pudesse adotar medidas urgentes e necessárias à retomada daqueles imóveis que se encontram sub-utilizados, ou semi-abandonados, por seus proprietários originais.

Preocupa-me um pouco o procedimento jurídico e administrativo com que deverá ser tratada a retomada. Ao que estou informado, a partir da vistoria, que já está em curso, os passos seguintes serão:

a) - caracterizar a inadimplência do contrato;

b) - propor o cancelamento do registro imobiliário;

c) - devolver a importância paga pela aquisição do lote e retomá-lo;

d) - dar uma nova destinação aos lotes.

No decorrer do ano de 1996, o Superintendente Cleth Muniz de Britto mandou efetuar as vistorias nos lotes do "Burareiro", para avaliar o estágio de exploração, lote por lote (inexplorados, abandonados, inviabilizados pelos maus tratos e incidência da "vassoura-de-bruxa").

Estamos certos de que o INCRA poderá vir a contar com o apoio decisivo da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira-CEPLAC, para a conclusão das vistorias.

O certo é que cada lote de 500 hectares poderia ser redistribuído a dez parceleiros, com uma área de 50 hectares cada lote. Assim, os 181 lotes retomados, com uma área global de 90.500 hectares poderão viabilizar o assentamento de 1.810 trabalhadores rurais.

No que diz respeito aos 102 lotes de 1.000 hectares, que não estavam compromissados com o plantio de cacauais, ter-se-á que examinar a viabilidade de um processo de retomada. Mas, de qualquer forma, cabe idêntico raciocínio: se os 102.000 hectares, controlados pelos 102 licitantes, puderem ser redistribuídos, daí resultaria a disponibilidade de 2.040 lotes de 50 hectares.

Tenho a esperança, de que os procedimentos do INCRA de Rondônia, sejam no sentido de agilizar o processo de recuperação dessa importante área de terras. O conhecimento e a competência técnica dos Senhores Procuradores, da Procuradoria-Geral do INCRA, em Brasília, hão de encontrar uma saída rápida: desapropriação, ou pura e simples aquisição negociada dos lotes.Caso contrário dar-se-á uma longa disputa judiciária que a ninguém beneficiará.

No contexto de Zoneamento Socioeconômico Ecológico, do PLANAFLORO, será muito difícil encontrarem-se terras utilizáveis com tantos atributos de qualidade, seja do solo em si como fator de produção, seja pela riqueza da infra-estrutura como as que possui o município de Ariquemes.

Um outro aspecto que não pode ser esquecido é o de que agora, no limiar de uma nova era para a cacauicultura de Rondônia, quando a CEPLAC e o Governo do Estado, juntos, lançam-se à Campanha da Recuperação das Lavouras Cacaueiras do Estado de Rondônia, essa retomada dos lotes poderá constituir, também, o resgate, pelo menos parcial, da área cacaueira implantada de OITO MIL HECTARES de cacauais, na Gleba Licitação "Burareiro".


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/1997 - Página 5958