Discurso no Senado Federal

AVICULTURA BRASILEIRA. HISTORICO DA CRISE ENFRENTADA PELO SETOR NO NORDESTE, PRINCIPALMENTE NO CEARA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • AVICULTURA BRASILEIRA. HISTORICO DA CRISE ENFRENTADA PELO SETOR NO NORDESTE, PRINCIPALMENTE NO CEARA.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1997 - Página 6015
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • NECESSIDADE, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, SENADOR, DEPUTADO FEDERAL, PROVIDENCIA, FACILITAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, DIVIDA, EMPRESARIO, SETOR, AVICULTURA, BANCO DO BRASIL, BANCO OFICIAL, BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A (BNB), BANCO ESTADUAL, ESTADO DO CEARA (CE), FINANCIAMENTO, PRODUÇÃO, INSUMO, CULTIVO, MILHO, SOJA, MELHORIA, RODOVIA, HIDROVIA, FERROVIA, REGIÃO, GARANTIA, ESCOAMENTO, FRANGO, OVO, MERCADO INTERNO, MERCADO EXTERNO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em pouco mais de 50 anos, a avicultura brasileira, graças a uma formidável evolução tecnológica, galgou posição de destaque no comércio mundial, sendo atualmente o segundo maior produtor e exportador de carne de frango e o sexto produtor de ovos.

O empresário Carlos Matos Lima, Presidente da Associação Cearense de Avicultura, escreveu no jornal Parceria, Órgão Informativo de Gestão Participativa do Governo do Ceará, um histórico da crise enfrentada pelo setor no Nordeste. Segundo ele, a avicultura cearense estabeleceu-se a partir do final da década de 50, gozando de incentivos governamentais, especialmente no que concernia ao abastecimento de insumos básicos.

Para se ter uma idéia da importância alcançada pelo setor, na economia cearense, basta observar que, em 1996, a avicultura gerou 9 mil empregos diretos e 20 mil indiretos, representando cerca de 22% do PIB agrícola e 2% do PIB estadual. A produção cearense de carne de frango (108 mil t), em 1995, correspondeu a 2,7% da brasileira e 28,6% da oferta regional. No mesmo ano, a produção nacional de ovos atingiu 70 milhões de dúzias, representando 5,2% da produção nacional e 32% da nordestina.

Em apenas sete anos, ou seja, no período que vai de 1987 a 1994, o consumo per capita de carne de frango cresceu 50%, passando de 10,8 Kg/hab/ano para 16,2 Kg/hab/ano, um pouco abaixo da média nacional (22Kg/hab/ano).

Por outro lado, em 1994, o consumo per capita da região metropolitana de Fortaleza foi de 30,4 Kg/hab/ano, superior em 6Kg à média nacional.

A avicultura cearense apresenta ainda como principal desvantagem o fator de ter que adquirir grande parcela dos seus insumos fora do Estado, pois a produção local não é suficiente para atender à demanda ou o preço não é competitivo.

A outra grande dificuldade, talvez a maior delas, refere-se à interação entre o aumento de custo e a queda de preços, que reduziu ou eliminou a margem de lucro. Acrescentando-se as altas taxas de encargos sobre os recursos captados, somente um resultado poderia advir: incapacidade de saldar compromissos junto aos órgãos do financiamento.

A implantação do Plano Real trouxe como conseqüência imediata o aumento do poder aquisitivo das populações de baixa renda, que passaram a consumir mais frango, a fonte de proteína animal mais acessível. Com isso, houve uma reação positiva do setor avícola condizente com o aumento da demanda, captando recursos no mercado financeiro para investir na ampliação da atividade. Muitos avicultores chegaram a imobilizar parte do capital de giro e outros recorreram até ao crédito comercial.

Para 1996, esperava-se uma recuperação que não aconteceu, pois a melhora de preço do frango correspondeu a aumentos maiores nos preços dos insumos.

Descapitalizados e endividados, suas dívidas foram acrescidas de encargos de inadimplência, que fazem crescer muito o saldo devedor. Os avicultores, embora queiram, não estão conseguindo honrar seus débitos. A inadimplência é da ordem de 93% no Banco do Estado do Ceará (BEC), 38% do Banco do Brasil (BB) e 14% no Banco do Nordeste (BNB).

Já no final de 1994 e durante todo o ano de 1995, o setor avícola enfrentou uma grande crise mundial de insumos. O milho, principal insumo, subiu de preço acima das piores projeções, passando a saca de R$7,80 em março/95 para R$12,70 em novembro do mesmo ano, ou seja, um aumento de 71%.

Para contornar este problema e conseguir manter uma atividade econômica tradicional e grande empregadora de mão-de-obra de um estado e região carentes, o setor avícola sugere uma série de possíveis soluções, discriminadas por ordem de prazo.

De curto prazo ou emergencial, esperam-se condições compatíveis com a capacidade de pagamento das empresas, procurando pactuar os débitos vencidos e a vencer nos próximos meses, de forma a dar certa folga financeira aos empreendimentos, viabilizando a sua sobrevivência como entidades econômicas.

Sugere-se que os bancos oficiais - Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco do Estado do Ceará -, adotem uma postura de real compreensão dos problemas enfrentados por todas as empresas do setor e passem a promover estudos de composição de dívidas, sempre analisando caso a caso, como é padrão.

No médio prazo, a ênfase está em possibilitar a sustentabilidade da Região Nordeste na produção de insumos. A produção nordestina de milho não é suficiente para atender seu autoconsumo, havendo necessidade de importação desse insumo das grandes regiões produtoras do País como também do exterior. Uma das formas de superação do problema seria a remoção dos excedentes de produção dessas áreas para a formação de estoques reguladores de milho na Região Nordeste, constituindo-se em medida eficaz por parte do Governo Federal, que beneficiaria o parque avícola regional.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me concede um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª está abordando um tema que é de suma importância para o Brasil. Estamos enfrentando, inclusive, uma série de ações pouco legítimas dos nossos concorrentes, que subsidiam o frango - inclusive de pior qualidade que o nosso, porque o nosso tem muito boa qualidade. A alimentação de soja e milho faz que a carne de frango não tenha aquele cheiro de peixe. Alguns concorrentes fazem uma mistura de farinha de peixe e, por isso, o frango adquire esse odor. Mas, pelo subsídio, terminam os compradores optando por várias fontes, inclusive a França, que tomou uma boa quantidade do nosso mercado com o subsídio. É preciso que olhemos para esse setor, Senador Lúcio Alcântara, porque emprega muito e barateia inclusive as proteínas de que a nossa população necessita. Então, congratulo-me com V. Exª, porque essa é uma área que muita gente pensa que só há no Sul, mas que tem grande peso no Ceará e em alguns Estados do Norte e do Nordeste. Por isso é legítima a preocupação, não só como brasileiro, mas também como nordestino, de todos os Senadores na luta para que o frango realmente seja um item importante na pauta brasileira. Muito obrigado.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª lembra, com toda razão, como já havia feito em meu pronunciamento, que o frango é realmente uma proteína de ótima qualidade, barata, e que se transformou no grande ícone do Plano Real do Presidente Fernando Henrique Cardoso, porque ficou acessível à população de baixa renda.

No entanto, o Brasil, tendo desenvolvido essa atividade com bastante êxito, depara-se agora com grandes barreiras à exportação. Mesmo agora, quando o Presidente Jacques Chirac esteve aqui, um dos diretores da Sadia interpelou-o na FIESP sobre as barreiras à importação do nosso frango. V. Exª lembrou que a França é um grande produtor, subsidiando o produto e os produtores e, conseqüentemente, ganhando o mercado internacional.

No Nordeste, a situação ainda é mais grave, porque temos problemas de insumos, que temos que trazer de outras regiões. Os empresários são mais descapitalizados, mais frágeis economicamente. Só no Ceará são nove mil empregos diretos - a atividade, portanto, cria oportunidade de trabalho para as pessoas -, e estamos numa dificuldade muito grande.

Para concluir meu discurso, vou enumerar aqui outras providências importantes. Entretanto, se não houver uma ação imediata, simplesmente aquilo que foi feito com grande esforço ao longo de anos vai desaparecer. E será mais um "ex": o Nordeste foi um ex-produtor de algodão, um ex-produtor de sisal, um ex-produtor de oiticica e poderá transformar-se agora em um ex-produtor de frango.

Pois não, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Com a complacência de V. Exª, apenas desejo complementar que ainda temos outros problemas sérios, uma vez que o frango tem subprodutos, como por exemplo, o adubo, que é um item altamente importante na olericultura.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - O adubo orgânico?

O Sr. Ney Suassuna - Sim. Além do mais, eu gostaria de lembrar ao eminente Senador, apenas para complementar, que nós ainda perdemos uma série de cotas no Mercado Comum Europeu, cotas essas que foram preenchidas por países que sequer faziam parte do acordo e que, de repente, se candidataram e ganharam por inoperância nossa. Permitimos que Singapura, por exemplo, que não tem a menor expressão, começasse a ser, de repente, um produtor de frango, tomando as nossas cotas na Europa, cotas às quais tínhamos direito pela anexação de outros países ao Mercado Comum Europeu. Então, ainda estamos pagando esse erro da nossa assessoria internacional.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Estou preparando, Senador Ney Suassuna, para breve, um pronunciamento sobre a questão do comércio exterior. Nessa área, realmente, estamos enfrentando muitos problemas, um dos quais, como há pouco V. Exª falava aqui, é o saldo negativo da Balança Comercial, sobre posições tradicionais que conquistamos ao longo de muitos anos, sobre protecionismos de países, seja da União Européia, seja dos Estados Unidos, sobre diversos argumentos que são utilizados. Enfim, é uma questão muito grave para o Brasil, porque nós, um País tradicionalmente exportador, de repente escancaramos nossas portas, com empresas fragilizadas, descapitalizadas, às vezes com baixa tecnologia, e não temos como competir.

Li em jornais de ontem que algumas oficinas americanas já estão instaladas no Brasil. Uma delas já tem oito unidades em São Paulo e pretende, nos próximos anos, instalar cem aqui no Brasil. Até tomei um susto, porque eu tinha aquela idéia de que nos Estados Unidos ninguém consertava carro: quando era uma coisa difícil, jogava logo fora e comprava um novo. Até os funcionários das oficinas de Campina Grande, coitados, que ficam desamassando uma porta, um pára-choque, dando jeito numa instalação elétrica do carro, daqui a pouco também vão ficar desempregados ou, pelo menos, vão deixar de ser pequenos empresários, como é tradição em Campina Grande.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª me permite uma última colocação?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª, nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Nesse discurso que V. Exª está preparando...

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Vamos assinar esse discurso juntos. V. Exª, para minha felicidade, está participando tanto que será um discurso de autoria dupla: Ney Suassuna e Lúcio Alcântara.

O Sr. Ney Suassuna - ...sobre comércio exterior, não deixe de olhar para o Hilton Beef, área em que perdemos cota, e também para as oleaginosas, onde tínhamos cotas também e perdemos. Estamos pecando muito na luta pelos espaços para o comércio brasileiro no exterior.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna.

No Ceará, o milho é uma cultura tradicional que em 1996 ocupou a décima posição entre os maiores produtores do País, embora não sejamos auto-suficientes, mesmo quando a produção é muito grande. O Governo Tasso Jereissati está comandando o "Projeto Milhão", que tem como meta principal tornar o Ceará auto-suficiente na produção de milho, com novas tecnologias, novas sementes, milho irrigado e assim por diante.

Concomitantemente, surgem acordos com os avicultores cearenses e a Cooperativa de Irrigantes do Vale do Jaguaribe-Apodi, para plantio de 700 hectares de milho irrigado por pivô central.

Com relação à produção de soja, outro insumo importante, o cerrado nordestino, principalmente o dos Estados da Bahia, Piauí e Maranhão têm características especiais que possibilitam produtividade mais elevada que as obtidas pelos tradicionais produtores do Centro-Sul. No entanto, as áreas carecem de infra-estrutura básica, especialmente no que concerne a meios de transportes mais baratos para o escoamento da produção. Resolvida esta questão, em futuro próximo, a região poderá ser o principal fornecedor de insumos à avicultura nordestina.

No longo prazo, podemos considerar a melhoria mais ampla da malha de transportes da região como prioritária.

A maior parte do volume de grãos que abastece os avicultores do Nordeste é transportada por via rodoviária, mais caro quando comparado ao ferroviário e hidroviário. A melhoria da malha rodoviária brasileira, em quantidade e, principalmente, em qualidade, baratearia o frete, com benefícios imediatos para os avicultores e também para os demais agentes econômicos. Uma pesquisa, mostrada no ano passado, revelou que, das dez piores rodovias federais do Brasil, sete estão no Nordeste e, salvo engano, três no Estado do Piauí, como mostrou, à época, o Senador Freitas Neto.

O maior impacto adviria da conjugação das malhas hidroviária e ferroviária. A viabilização do Corredor Nordeste, trazendo grãos das áreas produtoras de milho de Minas Gerais, Tocantins e Goiás, e a soja produzida no pólo de Barreiras-Bahia, pelo Rio São Francisco e seus afluentes até Petrolina, em Pernambuco, redistribuindo-os daí para os parques avícolas, por via ferroviária, com a implantação da Transnordestina, é uma das soluções viáveis e já deveria ter sido equacionada.

A conclusão da Ferrovia Norte-Sul tornaria a produção de grãos dos cerrados do Piauí e Maranhão mais competitiva nos mercados local e internacional. Seriam transportados por via férrea até o Porto de Itaqui, em São Luís, e, de lá, por via marítima, para os centros consumidores.

Também o rio Parnaíba poderá desempenhar importante papel no processo de escoamento da safra de grãos, mediante obras de dragagem que se façam necessárias e, sobretudo, nos períodos de maior vazão.

Portanto, gostaria que este Plenário refletisse sobre esse processo de morte da avicultura cearense, bem como a de todo o Nordeste.

Não podemos deixar ir à bancarrota um setor que levou 40 anos para consolidar-se.

É necessário que haja uma sensibilidade fora do convencional dos Governos Estaduais e Federal, assim como uma atuação política dos representantes do povo, cada qual em sua esfera de competência.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1997 - Página 6015