Discurso no Senado Federal

PUBLICAÇÃO DO EDITAL, FIXAÇÃO DA DATA DE VENDA E DO PREÇO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. REFERENCIA AO RELATORIO DA COMISSÃO EXTERNA DA CAMARA DOS DEPUTADOS ACERCA DO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA EMPRESA. ESTRANHANDO A PARTICIPAÇÃO DA SRA. ELENA LANDAU, EX-DIRETORA DE DESESTATIZAÇÃO DO BNDES, COMO PALESTRANTE DO PAINEL 5 INTITULADO 'A VISÃO DOS INVESTIDORES', EM SEMINARIO A SER REALIZADO EM SÃO PAULO, NO PROXIMO DIA 31, PROMOVIDO PELA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS ANALISTAS DO MERCADO DE CAPITAIS.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • PUBLICAÇÃO DO EDITAL, FIXAÇÃO DA DATA DE VENDA E DO PREÇO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. REFERENCIA AO RELATORIO DA COMISSÃO EXTERNA DA CAMARA DOS DEPUTADOS ACERCA DO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA EMPRESA. ESTRANHANDO A PARTICIPAÇÃO DA SRA. ELENA LANDAU, EX-DIRETORA DE DESESTATIZAÇÃO DO BNDES, COMO PALESTRANTE DO PAINEL 5 INTITULADO 'A VISÃO DOS INVESTIDORES', EM SEMINARIO A SER REALIZADO EM SÃO PAULO, NO PROXIMO DIA 31, PROMOVIDO PELA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS ANALISTAS DO MERCADO DE CAPITAIS.
Aparteantes
Lauro Campos, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1997 - Página 6018
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, FORMA, GOVERNO, EXECUÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), INEXATIDÃO, AVALIAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, EDITAL, LEILÃO, FAVORECIMENTO, EMPRESA PRIVADA.
  • CRITICA, FALTA, ETICA, ELENA LANDAU, DIRETOR, BANCO PARTICULAR, PARTICIPAÇÃO, CONFERENCIA, ORIENTAÇÃO, EMPRESARIO, AQUISIÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, MOTIVO, OCUPAÇÃO, ANTERIORIDADE, CARGO PUBLICO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo publicou o edital para a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, marcando a data para o dia 29 de abril e estabelecendo um preço mínimo de R$10,3 bilhões.

Já há uma polêmica pública sobre a avaliação; há uma Comissão externa na Câmara dos Deputados, que compareceu à Dataroom acompanhada por mais de dez técnicos, incluindo economistas, geólogos, engenheiros de minas, do Programa de Pós-graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A conclusão do relatório da Comissão Externa da Câmara é que, em primeiro lugar, há uma subavaliação do preço da Vale do Rio Doce feita pelo consórcio capitaneado pela Merril Lynch, subavaliação esta que chega a atingir mais de R$2 bilhões.

Nesse relatório da Comissão Externa da Câmara também se faz um registro de que as mais de 100 patentes que são propriedades da Companhia Vale do Rio Doce não mereceram nenhuma avaliação por parte da Merril Lynch, ou seja, têm preço zero. Na medida em que foi aprovada a Lei de Patentes, que, a partir de agora, é monopólio, o Brasil - que investiu em pesquisas por intermédio da Companhia Vale do Rio Doce para conseguir essas patentes -, a partir do momento em que a Vale do Rio Doce será vendida, vai novamente ter que pagar, caso esses produtos originários das patentes venham a ser colocados no mercado.

Além disso, a Comissão Externa da Câmara faz referência à existência de urânio na região de Carajás. Isso implica que aquela área não pode ser objeto da privatização, pois a Constituição Federal estabelece que a pesquisa, lavra e beneficiamento de urânio é objeto de monopólio do Estado.

Ainda surgiram notícias estabelecendo a vinculação da Merril Lynch, empresa integradora do consórcio que estava criando o modelo de privatização da Vale e o seu preço, e uma corretora sul-africana conhecida na África do Sul como a corretora da Anglo American.

Num debate com o Ministro Kandir e com o Presidente do BNDES, Dr. Luiz Carlos Mendonça de Barros, eu disse que, se tivesse que fazer uma aposta, apostaria tranqüilamente que a ganhadora desse leilão será a Anglo American, isso porque o modelo em que se estabeleceram as barreiras para a participação no leilão apontam para uma grande tendência no sentido de que aquela empresa seja a vencedora. O Dr. Luiz Carlos Mendonça de Barros foi à imprensa questionar o relatório feito pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados, desqualificando, inclusive, o relatório.

No entanto, o que eu queria registrar neste momento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um fato que, de antemão, quero dizer que não é ilegal, mas que é no mínimo estranho do ponto de vista ético; se a legislação brasileira fosse semelhante à legislação, por exemplo, dos Estados Unidos, onde se estabelece um impedimento para essa relação promíscua entre dirigentes de instituições públicas e privadas, poderia resultar até, no mínimo, em cadeia.

Considero estranho do ponto de vista ético, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fato de eu ter recebido um convite - inclusive confirmei a presença - para participar de um seminário em São Paulo, no próximo dia 31, promovido pela Abamec, Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais. Esse seminário, que se prolongará durante todo o dia, será composto por nove painéis e será aberto pelo Ministro Antonio Kandir.

Haverá um painel sobre "Legislação do Setor Mineral - Oportunidades para o Investidor Nacional e Estrangeiro", tendo como palestrante o Dr. José Mendo Misael de Souza, do IBRAM. O segundo painel será sobre "Perspectivas do Mercado Nacional e Internacional", tendo como palestrante Giovani Toniatti, Secretário Nacional de Minas e Metalurgia. O painel três abordará o "Modelo da Privatização Democrática e sua Aplicação no Caso Vale". Haverá mais uma série de painéis. O último painel, do qual participarei, tratará da "Visão Política da Privatização".

O que me chamou atenção foi o painel 5, intitulado "A Visão dos Investidores", cuja palestrante será Elena Landau, Diretora Gerente do Bear Stearns, o qual suponho ser um banco. Repito: A visão dos investidores, palestrante Drª Elena Landau, Diretora-Gerente do Bear Stearns.

Do ponto de vista legal do atual modelo institucional brasileiro, fatos como esse podem ocorrer. Todavia, é estranho.

A Drª Elena Landau estava até há pouco tempo do outro lado do balcão. Era diretora de desestatização do BNDES; participou da comissão que escolheu as empresas que estão fazendo a licitação, que estão estabelecendo o modelo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Ela veio a esta Casa assessorando o Dr. Mendonça de Barros em uma audiência na Comissão de Infra-Estrutura, ocasião em que eu questionava a presença, dentro do consórcio que estava avaliando a Companhia Vale do Rio Doce, da KPMG, empresa que tinha sido incapaz, por omissão ou por cumplicidade, de descobrir que o Banco Nacional durante dez anos tinha uma contabilidade fantasma.

A Dra. Elena Landau foi quem orientou o Dr. Mendonça de Barros a dizer que o trabalho da KPMG nesse processo era meramente secundário. Agora vemos a Drª Landau participando de um painel público sobre privatização como palestrante, painel intitulado A visão dos investidores.

O Sr. Júlio Campos - V.Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Tem V.Exª a palavra.

O Sr. Júlio Campos - Ouço com atenção o pronunciamento de V. Exª em que faz uma denúncia grave ao dizer que a ex-diretora de privatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, vai falar do outro lado do balcão como representante dos investidores. É por isso que entendo que tinha razão o então Senador Itamar Franco, que posteriormente ocupou a Vice-Presidência e a Presidência da República, quando apresentou, nesta Casa, há alguns anos, um projeto de lei definindo que o ocupante de um cargo público federal ao nível de Banco Central, Banco de Desenvolvimento, Banco do Brasil teria de cumprir um período de carência entre a saída do serviço público e a posse num cargo na iniciativa privada, para não acontecer um fato como esse que V. Exª denuncia nesta tarde. A mulher que conduzia até um pouco mais de um ano atrás a política de privatização do Governo Federal, em especial da Companhia Vale do Rio Doce, deixou o BNDES e hoje é Diretora-Gerente de uma empresa, possível compradora da Vale do Rio Doce, que participará do leilão presidido pelo BNDES, banco onde está encravada uma grande parte da tecnocracia nacional da qual ela fazia parte. Mais do que nunca a advertência que V. Exª faz neste instante merece ser ouvida por esta Casa, que precisa, mais do que nunca, votar o projeto de lei do ex-Senador Itamar Franco, para evitar lamentáveis acontecimentos como esse, que poderão causar sérias suspeitas na privatização que talvez ocorra no dia 29 de abril. Tem V. Exª minha solidariedade.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Júlio Campos. Se não me engano, o projeto do então Senador Itamar Franco já foi votado nesta Casa. Ele está engavetado na Câmara dos Deputados. É um projeto importantíssimo tanto que, volta e meia, quando se fala na regulamentação do artigo que trata do sistema financeiro, levanta-se a questão sobre a necessidade de se estabelecer uma "quarentena" para que as pessoas não saiam do Banco Central e imediatamente possam ocupar cargos em instituições financeiras privadas.

Se fizermos um levantamento com a finalidade de descobrir quais os cargos que os últimos presidentes do Banco Central passaram a ocupar depois que deixaram o Banco, veremos que todos saíram e imediatamente foram para outros bancos. Não é apenas pelos belos olhos dessas pessoas recém-saídas das instituições governamentais que elas são contratadas para instituições privadas, mas naturalmente porque detêm informações privilegiadas que, mesmo que não as usem de má-fé, fatalmente acabarão utilizando. V. Exª lembrou muito bem. É necessário que essa questão seja novamente incluída na agenda para que se possa estabelecer a quarentena.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador José Eduardo Dutra?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Pois não, nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Imaginava, nobre Líder, que o Governo haveria de prorrogar a publicação do edital visto que foram feitas muitas interrogações e levantadas muitas dúvidas. Eu até não sabia de sua publicação, tomei conhecimento dela por intermédio do discurso de V. Exª, por isso vim do meu gabinete para aparteá-lo. Saiu o edital e ele terá um impacto maior do que imaginávamos. Ouvi também de meu gabinete a referência que V. Exª fez à Drª Elena Landau. É inacreditável. Essa senhora conduziu todo o processo de privatização; ela era a responsável, batia na mesa, divergia inclusive do Ministro, avançava o sinal e afirmava que essa ou aquela empresa deveria ser privatizada. Fazia muito tempo que não ouvia falar no nome dela. Há quanto tempo ela saiu do banco?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Faz menos de um ano, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Realmente não tenho visto o nome dela circulando pela imprensa, pensava até que ela estivesse no Banco.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Ela agora é Diretora-Gerente do Bear Stearns, e é nessa condição que ela vai fazer a palestra apontando a visão dos investidores no processo de privatização.

O Sr. Pedro Simon - Até outro dia, ela fazia palestras mostrando a visão do nosso Governo sobre a privatização. Ela debatia, analisava, fazia exposições, concedia entrevistas para jornais e empresas de televisão. Era a pessoa que mais falava dentro do BNDES, porque era a responsável pelas privatizações. Tinha, aliás, certa impertinência, era um pouco dona da verdade; simpatia não era um grande atributo dela, mas tinha competência. O projeto do ex-Senador Itamar Franco, que disciplina essa matéria, foi aprovado por esta Casa, mas está na Câmara dos Deputados. V. Exª, que é Líder, deveria reunir os Líderes e fazer um apelo para que a Câmara dos Deputados votasse esse projeto que determina uma "quarentena" para técnicos recém-saídos de empresas governamentais. Assim, aqui também haveria uma norma como nos Estados Unidos. Por que só se copiam as coisas ruins e não se copiam as coisas boas? Tem que haver um interstício entre o tempo que o cidadão deixa de ocupar uma função de confiança no governo para ocupar uma outra na iniciativa privada. Um cidadão que é diretor do BNDES, vice-presidente, presidente da Comissão de Desestatização não pode passar imediatamente para o lado de lá. No Governo Itamar Franco, diretores do Banco do Brasil, BNDES, Banco Central, Caixa Econômica Federal, tinham de ser funcionários do cargo aposentados, mas não podiam ser banqueiros em hipótese alguma. Mas agora, de repente, a Srª Elena Landau, que fez todas as privatizações, dará uma conferência orientando o lado do empresariado. Vou ser sincero, "felicito" a empresa que contratou os serviços dessa senhora porque ela conhece tudo sobre o outro lado. É o mesmo que colocar-se, na véspera de uma partida decisiva de futebol, um coringa no time adversário para ouvir toda a orientação, toda a determinação que o técnico está dando aos jogadores. A Srª Elena conhece todo o lado de cá. Em primeiro lugar é uma grosseria a atitude dela; trata-se de um gesto que, se formos analisar, não tem um mínimo de ética. Seria melhor que essa senhora fosse trabalhar em um outro setor da área econômica, fazer uma assessoria, mas não nesse setor. Estamos perdendo a capacidade de nos envergonharmos, tudo vale neste País, é a maior tranqüilidade. Está lá o nome dela impresso no programa que V. Exª está lendo, e ela ainda será a grande heroína do seminário, o grande nome. Estou com vontade de ir assistir a essa palestra, palavra que estou com vontade de ouvi-la para ver de que maneira ela mescla, ela fala, qual o tipo de linguagem que ela vai usar quando alguém lhe fizer perguntas sobre determinados assuntos. Certamente ela vai dizer: "Isso foi eu que consegui". Se perguntarem como é que ela sabe isso ou aquilo, responderá: "Fui eu que fiz isso quando estava do lado de lá, agora estou aproveitando do lado de cá". Isso não valeria nos Estados Unidos, isso não valeria em nenhum país sério. A privatização da Vale está sendo feita dessa maneira, com as "Landau" da vida conduzindo e orientando o Governo que aí está. Ainda penso que vale a pena o Sr. Fernando Henrique pensar novamente, porque Sua Excelência vai arrepender-se de ter privatizado a Vale da maneira como está fazendo. Meus cumprimentos a V. Exª pelo pronunciamento.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Obrigado, Senador Pedro Simon.

O que é de se lamentar é que nem esses fatos - esse da Drª Elena Landau e aquele da vinculação da Merril Lynch com uma corretora que é conhecida na África do Sul como corretora da Anglo America - fizeram com que esta Casa se dispusesse a dar urgência ao projeto de resolução da Senadora Júnia Marise que estabelecia que o edital deveria ser aprovado pelo Senado. Não se deu urgência naturalmente para esperar que, após 29 de abril, com a possível venda da Vale, o projeto seja naturalmente arquivado, porque perdeu a importância.

Ainda existem alguns aspectos que o Senado, ou o Congresso Nacional, pode, se quiser, retomar. Os representantes dos Estados e do povo brasileiro podem retomar esse processo de privatização da Vale do Rio Doce. Há dois anos venho dizendo que esse assunto estava nas mãos dos tecnocratas do BNDES e citava especificamente a Drª Elena Landau. Ela saiu do BNDES, passou para o outro lado do balcão e está usando os seus conhecimentos em seminários em que fala da privatização da Vale sob a visão dos investidores.

É lamentável, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que está acontecendo no Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1997 - Página 6018