Discurso no Senado Federal

DEFENDENDO O CUMPRIMENTO DO TRATADO ASSINADO ENTRE PERU E BRASIL PARA O ASFALTAMENTO DA RODOVIA LIGANDO OS DOIS PAISES, O QUE PROPORCIONARIA MAIOR COMPETITIVIDADE DOS PRODUTOS BRASILEIROS, EM PARTICULAR DA REGIÃO CENTRO-OESTE, POR INTERMEDIO DO OCEANO PACIFICO, NO MERCADO INTERNACIONAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • DEFENDENDO O CUMPRIMENTO DO TRATADO ASSINADO ENTRE PERU E BRASIL PARA O ASFALTAMENTO DA RODOVIA LIGANDO OS DOIS PAISES, O QUE PROPORCIONARIA MAIOR COMPETITIVIDADE DOS PRODUTOS BRASILEIROS, EM PARTICULAR DA REGIÃO CENTRO-OESTE, POR INTERMEDIO DO OCEANO PACIFICO, NO MERCADO INTERNACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1997 - Página 6021
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • CRITICA, RELATORIO, SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATEGICOS DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA (SAE), ADIAMENTO, IMPLANTAÇÃO, CORREDOR DE EXPORTAÇÃO, PAIS, AMERICA DO SUL, ASIA, MOTIVO, POSSIBILIDADE, CONCORRENCIA, MERCADO INTERNACIONAL.
  • DEFESA, INTEGRAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, PERU, CHILE, PAVIMENTAÇÃO, RODOVIA, LIGAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), AMERICA DO SUL, OCEANO PACIFICO, POSSIBILIDADE, CONCORRENCIA, MERCADO INTERNACIONAL.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Profere o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no final do século XV, durante o período das grandes navegações, as principais potências alcançaram uma situação de impasse e confronto. Portugal e Espanha dispunham da melhor tecnologia naval, contavam com experientes navegadores e tinham descoberto o segredo das viagens através do mar oceano. Portugal chegou às Índias, mapeou toda a costa da África e descobriu um território nacional no outro lado do oceano, o Brasil. Enquanto isso, Cristóvão Colombo alcançou nova terra, a que ele, na primeira viagem, chamou de Cipango. Os livros registram que o comandante supôs ter alcançado algum lugar ao sul do Japão. Hoje, a reinterpretação da história mostra os fatos de maneira um pouco diferente.

Subitamente, os dois impérios perceberam que estavam disputando a hegemonia no mesmo oceano. O segredo absoluto sobre os territórios alcançados, suas latitudes e longitudes, não conseguia encobrir a realidade de um conflito que se estava estabelecendo no Novo Mundo. Colombo é um personagem emblemático desse período. Ninguém sabe onde ele nasceu, ninguém sabe ao certo onde ele está enterrado, e grande parte das informações por ele divulgadas e que chegaram ao nosso tempo são vagas, imprecisas e até erradas. Até o século XIX, ele foi rigorosamente esquecido e marginalizado pela historiografia oficial espanhola.

Colombo, por ter sido um espião, pode ter inaugurado a corrupção na América. Retornou à Espanha, algemado, depois de sua terceira viagem. Ele e os navegadores portugueses e espanhóis inauguraram nova era no mundo. A Europa, atrasada e medieval, encontrou na América o território necessário para sua expansão e a solução dos enormes problemas demográficos que ocorriam em seu território. O conflito entre Portugal e Espanha foi solucionado pelo Tratado de Tordesilhas: a Coroa espanhola ficava com todas as terras situadas a 370 milhas a oeste de Cabo Verde

Esse Tratado significou, na verdade, que o conquistador espanhol passou a ter a posse do Caribe, do norte da América do Sul, do sul da América do Norte e de todas as terras descobertas às margens do Oceano Pacífico. Os portugueses, ao contrário, garantiram um livre corredor no Atlântico, com a África e o Brasil sob seu domínio, essencial para a política de aumentar o comércio com as Índias.

Cabral, que descobriu o Brasil, comandou a segunda grande expedição para as Índias. A primeira foi responsabilidade de Vasco da Gama.

Perdoem-me, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se relembro fatos conhecidos da História do Brasil. Ocorre que, às vezes, políticos e administradores incorporam a história como se ela fosse uma norma imutável. Não analisam circunstâncias, momentos e dificuldades eventuais. Desde o descobrimento até o Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, o Brasil foi o país traçado e desenhado pelos arquitetos do Tratado de Tordesilhas. Foi uma Nação voltada para o Atlântico e completamente esquecida do seu enorme interior.

Somente depois da construção de Brasília, contra a opinião de economistas importantes da época, os brasileiros conseguiram alargar sua fronteira interna. Agregaram milhares de quilômetros de terras férteis à produção agrícola, integraram o Centro-Oeste e o Norte ao processo produtivo do País. Algumas cidades surgiram, outras cresceram de maneira inesperada, nova área desenvolvida emergiu dentro do território nacional. Tudo isso ocorreu no curtíssimo espaço de menos de quarenta anos.

Agora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos diante da mesma situação. Os conservadores, os reacionários, os Velhos do Restelo, de que nos fala Camões, voltam a impor os conceitos de prevalência do status quo. Segundo eles, só pode haver progresso onde já há progresso. Relatório recente da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República informa que um corredor interoceânico, entre o oeste brasileiro e os países vizinhos, situados às margens do Pacífico, não deverá ser efetivado nem a curto nem a médio prazo. Os técnicos que elaboraram o relatório divulgado em junho do ano passado asseguram que não existem indicadores de que os países da Ásia deverão continuar a ser grandes mercados para grãos e que seria necessário realizar melhorias nos portos do Chile e do Peru.

Todos os argumentos são interessantes, peculiares até, porque não consideram o interesse regional, nem nacional e fazem prevalecer argumentos teóricos de pessoas que não conhecem a realidade daquela região. Em primeiro lugar, os governos do Peru e da Bolívia já manifestaram a vontade política de efetivar ligações terrestres entre esses países e o Brasil. Há tratados assinados, versando sobre a matéria. Em segundo lugar, caso as mercadorias brasileiras sejam exportadas por intermédio de portos chilenos ou peruanos, haverá uma redução no frete marítimo da ordem de mais de 6 mil milhas náuticas para o Japão, por exemplo. A existência de uma rodovia vai significar a redução entre 100 a 200 dólares em cada tonelada transportada para o Oriente.

Hoje, a maior parte do comércio mundial ocorre no Oceano Pacífico. Suas águas banham a China, a nação mais populosa do mundo, com 20% dos habitantes do planeta. Também o Japão, segunda potência econômica, além dos chamados tigres asiáticos como Coréia do Sul, Formosa, Malásia, Tailândia, Hong Kong e Cingapura, nações que vêm crescendo em ritmo vertiginoso desde os anos oitenta.

Por intermédio das águas do Pacífico, os produtos brasileiros chegariam com rapidez, facilidade e menor preço aos mercados da Indonésia e das Filipinas. Poderão ser criadas novas oportunidades na Austrália e Nova Zelândia, países que têm elevada renda per capita. Além disso, existem inenarráveis oportunidades de negócio no Canadá e na disputada costa oeste dos Estados Unidos, onde somente a Califórnia tem um produto interno bruto maior que o do Brasil. Mais ainda: por intermédio dos estreitos de Sumatra, Nova Guiné e Tasmânia, poderemos colocar nossa produção no Oceano Índico, onde estão os grandes mercados da Índia, Paquistão e Bangladesh.

No último mês de outubro do ano passado, uma caravana de 40 empresários saiu de Cáceres, Mato Grosso, e chegou à cidade de Arica, no norte do Chile, depois de percorrer, em 63 horas, cerca de 2.200 quilômetros de estradas, em sua maior parte não asfaltadas. Mesmo sem terem sido asfaltadas, as estradas percorridas mostram boas condições de tráfego. O pior trecho, de 300 quilômetros, é o que liga Oruro, na Bolívia, a Arica, no Chile. Mas duas empreiteiras, por sinal brasileiras, já estão trabalhando nesse trecho, numa obra financiada pelo Banco Mundial. Além disso, falta apenas asfaltar a ligação entre a fronteira de Mato Grosso, na cidade de Cárceres, e a cidade de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia - aproximadamente 350 quilômetros.

É inacreditável que, quase 500 anos depois, o Tratado de Tordesilhas continue se impondo sobre nossas pobres cabeças colonizadas. Hoje, aliás, é pior que ontem. Antes, o Vaticano, ao regulamentar a distribuição das novas terras, evitou o conflito entre Portugal e Espanha. Hoje, os sucessores daqueles impérios querem unir forças, trabalhar de maneira integrada, mas a tecnocracia brasileira insiste em que todas as exportações do Centro-Oeste sejam realizadas por intermédio dos portos de Santos e Paranaguá.

Esse axioma não merece nenhuma análise. Não merece sequer uma resposta. Ele agride o bom senso, a ordem natural das coisas e os desígnios do destino. Apenas um exemplo: uma tonelada de soja produzida em Mato Grosso - e neste ano a nossa produção de grãos de soja será de quase cinco milhões de toneladas - e exportada por algum porto peruano chegaria ao Japão depois de trafegar por 8.550 milhas. A mesma tonelada, saindo por Santos, passando pelo Canal do Panamá, chegaria ao mesmo porto japonês depos de 15 mil milhas. Ou seja, a obrigação de colocar o produto do extremo oeste nos portos do centro-sul brasileiro aumentam em 6.500 milhas a distância percorrida. Não há técnico, economista ou estudioso que consiga demonstrar a vantagem comparativa em dobrar a viagem da soja.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a insistência em negar o óbvio revela que há interesses não absolutamente claros nessa proposição. A produção dos países do Pacífico chega ao Brasil depois de ser armazenada em depósitos de vários países. Eles perderiam seu lucrativo negócio. Os portos do centro-sul brasileiro deixariam de manobrar a carga vinda de Rondônia e Mato Grosso. A solução até agora encontrada foi negar a viabilidade econômica a esse pleito e, de vez em quando, juntar à negativa algumas vozes histéricas em defesa do meio ambiente.

Ninguém quer agredir o meio ambiente. Queremos, nós daquela região, apenas abrir uma janela para um contato mais próximo com os países situados no oceano Pacífico. Poderemos, também, dar oportunidade para que os nossos vizinhos a oeste tenham a possibilidade de um comércio mais fácil, rápido e barato com a comunidade econômica européia e com a costa leste dos Estados Unidos. A isso se chama integração. Ou, como querem os teóricos, globalização.

No próximo dia 29, uma nova comitiva de políticos e empresários de Mato Grosso e de Rondônia estarão saindo novamente de carro pela rodovia da integração do Pacífico, que sai de Cuiabá e vai até ao Porto de Arica, no Chile, para uma nova visita de integração econômica e social entre a nossa região Centro-Oeste e a Bolívia, Chile e Peru.

O tratado assinado há poucos dias, quando da visita do Presidente Fujimori a Brasília, para asfaltar a rodovia que integra o Peru com o Brasil, tem que ser cumprido pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso.

É por isso que, nesta oportunidade, quero parabenizar os novos bandeirantes do século XX, de Mato Grosso, que estão lutando pela integração do Mato Grosso com o Pacífico por meio da rodovia que corta a Bolívia, o Chile e vai até ao Peru, para que os nossos produtos saiam pelos portos de Ilo, pelos portos de Arica e outros portos de águas profundas, no Oceano Pacífico, tendo assim maior competitividade no mercado internacional.

Não é um simples relatório da Secretaria de Assuntos Estratégicos que vai frustrar o sonho da gente mato-grossense. Quero, neste momento, lamentar que o Ministro de Assuntos Estratégicos, Embaixador Ronaldo Sardenberg, até hoje não tenha visitado pessoalmente o Centro-Oeste brasileiro. Há quase dois anos, ele ocupa esse Ministério do Governo Fernando Henrique Cardoso, de importância vital para o planejamento global do Brasil para o próximo século, e até hoje as decisões continuam sendo tomadas nos gabinetes de ar refrigerado do Palácio do Planalto.

Por isso, é óbvio e ululante, mas a tragédia do óbvio é não ser reconhecido. A integração entre o Brasil, Bolívia, Peru e Chile é necessária, urgente e, desculpe a repetição, óbvia. É uma política de uma clareza tão intensa que será capaz até de ferir os olhos menos sensíveis. Lembrando o velho Eça de Queiroz, só não a enxergará quem estiver movido por má-fé cínica ou obtusidade córnea.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1997 - Página 6021