Discurso no Senado Federal

ANALISE DA INSTALAÇÃO E MOTIVAÇÃO DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUERITO. PROCESSO DE LAVAGEM DE DINHEIRO FEITO PELO SR. PAULO CESAR FARIAS. ENVOLVIMENTO DA MULHER DO PREFEITO CELSO PITTA NO ESCANDALO DOS PRECATORIOS. PROJETO DE LEI DE S.EXA. QUE CRIA ORGÃO FEDERAL PARALELO AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, PARA REALIZAR INVESTIGAÇÕES E PESQUISAS PARA O PODER LEGISLATIVO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • ANALISE DA INSTALAÇÃO E MOTIVAÇÃO DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUERITO. PROCESSO DE LAVAGEM DE DINHEIRO FEITO PELO SR. PAULO CESAR FARIAS. ENVOLVIMENTO DA MULHER DO PREFEITO CELSO PITTA NO ESCANDALO DOS PRECATORIOS. PROJETO DE LEI DE S.EXA. QUE CRIA ORGÃO FEDERAL PARALELO AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, PARA REALIZAR INVESTIGAÇÕES E PESQUISAS PARA O PODER LEGISLATIVO.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/1997 - Página 6104
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), NECESSIDADE, CONCLUSÃO, INVESTIGAÇÃO.
  • CRITICA, IMPEDIMENTO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO, EMPREITEIRO.
  • CRITICA, INSUFICIENCIA, NUMERO, SERVIDOR, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), EXECUÇÃO, FUNÇÃO FISCALIZADORA, COMENTARIO, ATUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, ORGÃO PUBLICO, FUNÇÃO, INVESTIGAÇÃO, PESQUISA, COLABORAÇÃO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), SENADO, POLICIA FEDERAL.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos, realmente, vivendo sob o signo da CPI. Nesse momento, muitos de nós fazemos reflexões a respeito da importância dessa instituição sobre a história recente e a história presente do Brasil.

As ramificações que existem no submundo do crime, em uma sociedade que alimenta esta atividade subterrânea, através do desemprego, através do desrespeito à vida, através do massacre, que se transforma em barbárie, empurrando para o subsolo, para as regiões subterrâneas, uma parte da vida que se organiza, se transformam em atividades criminosas e mafiosas e que de lá voltam a influir sobre a sociedade dita normal, a sociedade que se julga iluminada e privilegiada.

Realmente, é preciso que se repita que a CPI que termina em "pizza" é aquela que não pôde ser constituída. Muitas vezes presenciamos aqui que, depois do número regimental de 27 Senadores necessários para constituir uma CPI, há um processo de retirada dos nomes, de esboroamento das condições e das bases em que a CPI deveria ser montada. Não é possível, por exemplo, imaginarmos que a CPI do Orçamento tivesse se limitado, não seguindo o seu passo principal, talvez o passo mais importante, que era a desejada CPI dos Corruptores, a CPI das Empreiteiras, a CPI dos Poderosos. Não podemos, portanto, simplesmente nos conformarmos em limitar a atividade investigatória, o alcance dos criminosos, a punição dos infratores, porque isso representa um processo de desmoralização do Senado e do Legislativo.

Quantas coisas aprendemos já nesta CPI que ainda se encontra em suas primeiras semanas de vida. Nós da Comissão de Assuntos Econômicos que, obviamente, não fizemos concurso para fiscais do Banco Central; nós que não temos obrigação e nem competência para sairmos fiscalizando os processos que nos chegam para opinarmos a respeito de sua adequação às leis, à Constituição; nós, obviamente, aproveitamos este momento da CPI para enriquecermos as nossas informações, para fazer crescer a nossa capacidade crítica e investigatória; desfazermos de nossa ingenuidade para compreendermos quão bem se articula essas forças subterrâneas, esses malfeitores que se aproveitam de um sistema que não quer ser fiscalizado, que não quer ser investigado.

A primeira coisa que os grandes malfeitores, que os grandes aproveitadores fazem quando pretendem encaminhar as suas ações ilegais e ilícitas é acabar com a polícia, reduzir o número de fiscais, reduzir o número de inspetores para que possam livremente dar curso às suas atividades criminosas.

Portanto, nesse enxugamento neoliberal nós percebemos que existe uma preferência para enxugar o número de fiscais. Aqui esteve o Presidente do Banco Central, reconhecendo ele próprio a incapacidade daquela instituição de fiscalizar o nosso sistema bancário e financeiro. Basta uma declaração desta, de que não há fiscalização satisfatória, para que os ânimos dos delinqüentes se acendam, a sua voracidade aumente e inventem novas formas de dilapidar a sociedade brasileira esgotada, esvaída e em crise profunda.

É interessante também verificarmos, por exemplo, que quando a CPI que terminou no impeachment do ex-Presidente Fernando Collor não deu andamento a uma atividade investigatória que levasse à condenação dos criminosos, alimentou-se essas raízes do mundo do crime globalizado, o crime que se ramifica pelo mundo afora, que tem raízes nas máfias italianas, que tem raízes também nas Ilhas Cayman, nos paraísos fiscais, que penetra nas montanhas suíças. Nós percebemos que essa globalização do crime, depois de tanto tempo, veio mostrar que existe muita gente neste País comprometida com as máfias italianas.

PC Farias, depois de morto, foi descoberto, não pela polícia e pela investigação brasileira - isso é uma vergonha para nós -, mas pela Itália, a polícia italiana. Foram investigações da Itália que conseguiram detectar a ação criminosa do Sr. PC Farias. E ninguém pode imaginar que o Sr. PC Farias poderia fazer o que fez, sair de um seminário, lá de Alagoas, passar pela praça, mediante atividades com carros, e, de repente, se transformar numa espécie de presidente da República subterrânea do Brasil, num mafioso de alto coturno. Sozinho, como se consegue fazer isso em tão pouco tempo? A genialidade de PC Farias apenas não permitiria que ele pudesse galgar tão alto na senda do crime. Portanto, nós sabemos que o foi, infelizmente, por meio de processos de lavagem desse dinheiro mafioso e suas ramificações com as toneladas de narcóticos que foram despejadas por essas organizações em que ele se associou, na Europa, em pouco tempo.

Sabemos, muito bem, que não é possível que esse grupo da Casa da Dinda tenha procurado mafiosos, no Sul da Sicília, para confiar neles milhões e milhões de dólares e não confiar em seus amigos de Brasília, e não confiar naqueles que, há muitos anos, são, praticamente, irmãos, naqueles que têm relações as mais íntimas com o Senhor Presidente Collor.

Em Brasília, foi detectado no Aeroporto, em um avião, um rastro de cocaína e gravações que apontavam para a existência desses crimes. Entretanto, tais gravações foram desmanchadas, apagadas por um secretário de segurança. Naquela ocasião, tal secretário afirmou que o gravador era um aparelho muito complicado e, por engano, apertou os botões errados, apagando, assim, as gravações.

Portanto, neste mundo, as mentiras também são quilomêtricas. Agora, vemos como essas mentiras começam a aparecer. A imaginação que têm esses seres subterrâneos. E, de repente, um grande chefe de campanhas políticas, que nunca perdeu uma campanha para Presidente ou para Governador, agora, afirma que a Srª Pitta, a Primeira-Dama da Prefeitura paulista, é muito piedosa. Agora, chama-se piedade a apropriação de alguns milhares de reais para fazer transportes individuais de S. Exª, a Primeira-Dama. Agora, chama-se piedade a arte sobre a qual o Padre Vieira tão bem descreveu: a arte de roubar. Dessa forma, também seria possível pensar que esse ilustre personagem deu um outro nome a essa antiga arte. Ela teve compaixão e, por isso, utilizou o dinheiro da corretora para os seus transportes pessoais e de parentes que estariam doentes.

Fico pensando que também esse ilustre político brasileiro, que se encontra em quarentena em Paris, esperando o resultado da CPI, tenha virado, de repente, um partidário da ecologia, porque, depois do pau-brasil, que ele cultivou com tanto amor, com tanto carinho, com tanto êxito e impunidade, com os recursos obtidos por Calin Eid, agora está plantando Pitta, ao lado do pau-brasil.

Portanto, as conseqüências diretas e remotas da CPI mostram a necessidade de, a cada momento, a cada oportunidade, ao invés de querermos esterilizar a instalação de novas CPIs, lutarmos para que elas sejam abertas, a fim de que o subsolo do crime, o subsolo da ilegalidade, que forma um lençol tão grande neste País, possa ser perfurado, detectado, para que, finalmente, possamos cumprir o nosso dever no Poder Legislativo. E, ao cumprirmos nosso dever, nossas obrigações, obviamente estaremos dando uma nova dimensão e uma nova credibilidade para o Legislativo brasileiro.

Para terminar, gostaria de dizer que é de minha autoria um projeto que cria um novo órgão federal, à semelhança do que existe nos Estados Unidos, encarregado de exercer algumas funções hoje desempenhadas pelo Tribunal de Contas da União. Essas funções seriam auxiliares do Legislativo, no sentido de realizar investigações e pesquisas que não temos condições de fazer, e seriam desenvolvidas nesse novo organismo federal, em consonância tanto com o Tribunal de Contas quanto com a Polícia Federal e, principalmente, com o Senado Federal. No dia em que essa questão do precatório se exponencializar na investigação da dívida externa brasileira, e mesmo da dívida pública, veremos a dimensão de nossa ignorância, a dimensão de nossa incapacidade de enxergar, de nossa miopia.

Se uma questão aparentemente simples como a dos precatórios tem a complexidade que agora a CPI revela, imaginem o que teria acontecido não com esses poucos bilhões, mas com os quase R$400 bilhões a que chegam a dívida pública e a dívida externa juntas.

É óbvio que se trata apenas da ponta do iceberg. E são essas relações espúrias que permitem que, magicamente, um funcionário público deixe o Banco do Brasil num dia e, na semana seguinte, transforme-se em dono de um banco privado neste País.

Essas atividades devem ser fiscalizadas com mais rigor. E é por essa razão que proponho a criação desse organismo especializado nisso. O BNDES, esse sim, já deveria ter sido privatizado para o bem do País. Esse banco que tenta desvalorizar, a cada leilão, as empresas estatais que por ele serão vendidas, já deveria ter sido privatizado para iniciar o processo de limpeza do organismo brasileiro, mas continua a agir das formas mais suspeitas e mais danosas possíveis. Diretores que antes presidiam a desprivatização no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no momento seguinte às suas saídas, prestam serviços aos compradores, aos ganhadores, aos grandes herdeiros das empresas estatais, que são doadas a cada toque do martelo.

Congratulo-me com o Presidente e com todos os membros da CPI, que demonstraram argúcia, inteligência, seriedade, vontade de chegar lá e que, portanto, merecem o apoio e o aplauso de todos nós que ficamos de fora, não tendo a felicidade de participar da CPI, mas que continuamos a torcer para não apenas essa CPI, mas para as CPIs que transformarão este País em uma região, em uma nação da qual não tenhamos que nos envergonhar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/1997 - Página 6104