Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO PROGRAMA DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL PARA A CLASSE MEDIA.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • CRITICAS AO PROGRAMA DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL PARA A CLASSE MEDIA.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/1997 - Página 6112
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, PROGRAMA, CARTA, CREDITOS, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), EXCESSO, EXIGENCIA, JUROS, RESTRIÇÃO, ATENDIMENTO, CLASSE MEDIA.
  • CRITICA, FALTA, VINCULAÇÃO, PLANO DE EQUIVALENCIA SALARIAL.
  • COMENTARIO, RESPOSTA, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AVALIAÇÃO, INEFICACIA, PROGRAMA, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF).
  • SUSPEIÇÃO, FALTA, IDONEIDADE, ATUAÇÃO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), CONCORRENCIA DESLEAL, ATRAÇÃO, CORRENTISTA.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, em outubro do ano passado, a Caixa Econômica Federal anunciou um novo programa de financiamento habitacional para a classe média: o Programa Carta de Crédito - CEF.

A divulgação da notícia causou impacto alvissareiro no País, por quebrar um jejum de vários anos que afastara a classe média do acesso aos recursos financeiros de entidades públicas para a aquisição da tão sonhada casa própria.

A resposta da sociedade ao novo programa foi sentida de imediato. Milhares de pessoas acorreram às agências da Caixa, buscando, ansiosas, informações sobre o anunciado financiamento, com a esperança avivada de poderem se livrar de pesados aluguéis, de serem proprietárias de um imóvel, de estarem em vias, enfim, de realizarem o almejado sonho de morar em casa própria.

"Pouco dinheiro e muita exigência" foi a manchete do Jornal de Brasília no dia seguinte à abertura do programa. O grau de desalento dos senhores mutuários, a exigência de elevada poupança própria, acrescida do limite máximo de 25% do comprometimento inicial da renda com o pagamento da prestação mensal e aliada ainda ao teto de financiamento de até 60% para um financiamento máximo de R$120 mil, jogaram um balde de água fria na classe média brasileira.

Reconhecessem os técnicos da Caixa Econômica que as condições de acesso à carta de crédito são bem mais restritivas do que as do Sistema Financeiro de Habitação. No SFH o financiamento alcançava 80% do valor do imóvel. O novo programa requer uma poupança prévia de, no mínimo, 40% do valor do imóvel. Assim, para obter um financiamento de R$50 mil, o pretendente terá que contar com quase R$34 mil de recursos próprios. Além disso, como só pode comprometer 25% de sua renda familiar, se estiver alongando sua dívida por 144 meses, necessitará comprovar renda mensal de pelo menos R$2.6OO,00, para uma prestação inicial girando ao redor de R$650,00.

O Sr. Edison Lobão - V.Exª me concede um aparte, Senador?

O SR. JÚLIO CAMPOS  - Ouço com atenção o aparte do Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão - Senador Júlio Campos, esse realmente é um setor em relação ao qual o Governo Federal precisa ter um cuidado especial. O setor habitação ainda é, em nosso País, profundamente deficiente. O Governo precisa encontrar meios e modos de suprir as necessidades habitacionais do povo financiando intensivamente a construção da casa própria. Na medida em que dota famílias de uma residência, o Governo está abrindo um leque muito grande de empregos, que é a maior necessidade hoje do povo brasileiro. Não financiar a casa própria será um grave erro do Governo, mas abrir uma perspectiva - como relata V.Exª - de um financiamento por intermédio da Caixa Econômica e depois fechá-lo, ou seja, como se não fosse aquilo o que o Governo quisesse dizer. Isso é de extrema gravidade porque se cria uma possibilidade, uma expectativa na consciência do povo que depois não é cumprida, o que é muito grave para as famílias brasileiras. Cumprimento V. Exª, portanto, pelo registro e pela reclamação que faz em nome do povo brasileiro.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Senador Edison Lobão, agradeço-lhe o aparte, incorporado, com muita honra, ao meu pronunciamento.

Sr. Presidente, caros colegas, cabe perguntar neste momento: a classe média brasileira, no atual cenário financeiro e salarial, pode aventurar-se a uma empresa desse porte? Pode ela arcar com o peso dos encargos financeiros de uma dívida com taxa de juros remuneratórios de 12% ao ano, acrescidos ainda esses encargos da famosa e malfadada variação da Taxa Referencial (TR) acumulada no período?

Como não se vinculou o financiamento ao sistema de equivalência salarial, as prestações podem, por hipótese, crescer mais do que os salários, levando os mutuários a uma precoce inadimplência. A Caixa chegou, inclusive, caros colegas, a criar mecanismos para evitar a inadimplência, como a possibilidade de renegociar o empréstimo quando o comprometimento da renda familiar com a quitação das mensalidades chegar ao patamar de 40%. Ocorre, entretanto, que, como o financiamento habitacional é um empréstimo de longo prazo, tendem a crescer, com o correr do tempo, os encargos financeiros. A diferença entre a evolução dos salários e dos juros pode forçar o mutuário a descambar na inadimplência. A própria Caixa Econômica Federal admite que a prestação pode comprometer 40% dos rendimentos num prazo de 6 a 7 anos, se o mutuário não conseguir ganho real de salário no período.

Mas, antes de se pensar na possível inadimplência, é preciso tratar de garantir às famílias da classe média brasileira, tão combalida pelo rebaixamento salarial dos últimos tempos - para não mencionar os trabalhadores que ficaram desempregados com os últimos ajustes na economia, e sem mencionar também aqueles que se viram forçados a migrar para a economia informal e não contam com a garantia de um salário fixo a cada mês - é preciso garantir, repito, às famílias da classe média brasileira acesso ao financiamento de sua casa própria.

Não parece ser isso o que fez - ou tencionou fazer - o Programa Carta de Crédito lançado pela Caixa no final do ano passado. A expectativa de que pelo menos 200 mil pessoas em todo o País se inscrevessem nos 10 dias de prazo aberto para tal finalidade, em outubro do ano passado, não se cumpriu. Não que as pessoas não se tenham interessado pelo Programa e acorrido ansiosas às agências da Caixa de todo o País. Foram aos milhares! Mas sucumbiram às duras exigências do Programa.

Surpreso com tais notícias alardeadas pelos jornais, busquei informações fidedignas junto ao Ministério da Fazenda, por meio do Requerimento de Informação nº 08, de 1997. Indaguei sobre os critérios técnicos informadores da Carta de Crédito, sobre a repercussão do Programa no atual déficit habitacional, que é de alguns milhões de casas, critérios de admissão, custos da Carta de Crédito, origem dos recursos movimentados pela CEF, além de outros itens.

A resposta, Srªs e Srs. Senadores, datada de 20 de fevereiro próximo passado, causou-me muita perplexidade. Saibam os senhores que dos 600 milhões de reais disponibilizados para o Programa, conforme divulgado pela Caixa em outubro de 1996, pouco mais de 25 milhões de reais foram destinados para os contratos já assinados, valor que atendeu apenas a 1.141 candidatos. Esse total de 1.141 contratos efetivados está muito aquém dos 30 mil contratos anteriormente anunciados. É verdade que pouco mais de 135 milhões de reais estão empenhados nos contratos ainda em andamento. Se eles forem efetivados, contemplarão mais 5.134 candidatos. Mas mesmo assim é pouco, Srªs e Srs. Senadores, para um programa que surgiu tão pretensioso!

O que pensar, então, diante de resultados tão irrisórios para um programa que surgiu como solução viável para milhares de famílias que buscam adquirir a casa própria, mesmo que fosse um imóvel usado?

A própria Caixa Econômica Federal deve ter-se alarmado com esses números frustrantes, porque anunciou no final de janeiro deste ano que estaria convocando mais dez mil candidatos inscritos no programa de financiamento habitacional para a classe média. Os recursos para a liberação de novos empréstimos, segundo noticiou O Globo, em 23 de janeiro de 1997, seriam provenientes, segundo declaração do próprio Presidente da Caixa, Sérgio Cutolo dos Santos, das quitações antecipadas de financiamentos antigos que chegariam a mais de 200 milhões de reais. Informou, ainda, o Presidente Cutolo que a instituição estava tentando obter recursos no exterior para aplicar na área habitacional, numa negociação em torno de 300 milhões de dólares.

Ora, Sr. Presidente, o que se pode deduzir desses fatos? Somos levados a pensar que a Caixa não tinha os recursos anunciados no lançamento do Programa e que cometeu uma concorrência desleal com as demais entidades financeiras do País, uma vez que milhares de correntistas, para estarem habilitados a pleitear uma carta de crédito, tiveram de transferir seus recursos, principalmente de poupança, para a CEF.

É preciso lembrar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, entre as exigências para inscrever-se no Programa, o candidato deveria ser ou tornar-se cliente da Caixa. E mais ainda: teriam preferência na seleção aqueles clientes que apresentassem, nos últimos doze meses, maior saldo médio em caderneta de poupança ou outras aplicações, além de pleitearem menor valor de empréstimo em relação ao preço do imóvel.

Quando indaguei, no meu Requerimento de Informação ao Ministério da Fazenda, sobre a alteração nos depósitos de caderneta de poupança, fundos de investimentos e conta corrente, após o anúncio do Programa, obtive laconicamente como resposta que a caderneta de poupança havia sofrido "sensível incremento, já que o saldo médio nessa Carteira constitui um dos critérios de seleção dos candidatos".

A dedução, portanto, de que houve, lamentavelmente, concorrência desleal da Caixa Econômica Federal com as demais entidades financeiras do País não é, de todo, descabida. Quero ressaltar que não sou defensor de nenhum banco privado, pelo contrário, não gosto de bancos porque toda vez que os procurei paguei juros muito altos e fui, até certo ponto, perseguido pelo sistema bancário. Mas não é justa a maneira como é tratada a poupança na Caixa Econômica Federal. E se tal fato efetivamente ocorreu, além de deslealdade na operação financeira, incorreu a Caixa em propaganda enganosa para com milhares de brasileiros, que viram uma luz de esperança se acender, mas viram-na apagar-se mais depressa do que se apagou o sonho de conquistarem a casa própria. Isso é coisa que instituições sérias não fazem, Sr. Presidente.

Nesta oportunidade, quero dizer que espero que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que afirmou ser prioridade de seu Governo a área social, neste ano de 1997, inclua a construção da casa própria como uma das metas prioritárias, pois o sonho da classe média brasileira, não digo do pobre, é hoje ter oportunidade de financiamento para adquirir sua casa.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/1997 - Página 6112