Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE APROVAÇÃO PELO CONGRESSO NACIONAL DE PROJETOS QUE VISAM ATUALIZAR A LEGISLAÇÃO QUE REGULA A CRIAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DAS COOPERATIVAS NO PAIS. PREOCUPAÇÃO COM A FALTA DE TITULAR NO DEPARTAMENTO DE COOPERATIVISMO E ASSOCIATIVISMO RURAL - DENACOOP.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • NECESSIDADE DE APROVAÇÃO PELO CONGRESSO NACIONAL DE PROJETOS QUE VISAM ATUALIZAR A LEGISLAÇÃO QUE REGULA A CRIAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DAS COOPERATIVAS NO PAIS. PREOCUPAÇÃO COM A FALTA DE TITULAR NO DEPARTAMENTO DE COOPERATIVISMO E ASSOCIATIVISMO RURAL - DENACOOP.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/1997 - Página 6123
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, COOPERATIVISMO, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTOR, ESPECIFICAÇÃO, PRODUTOR RURAL.
  • COMENTARIO, HISTORIA, COOPERATIVA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), CRESCIMENTO, NUMERO, BRASIL.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, APRECIAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, PROJETO DE LEI, BENEFICIO, COOPERATIVA.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, APOIO, COOPERATIVISMO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, REFORÇO, ORGÃO PUBLICO, SETOR.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, um dos grandes desafios com que se deparam os governantes é o de criar mecanismos que proporcionem a indivíduos mais desprotegidos ou menos aquinhoados pela sorte e pelos recursos financeiros condições de se firmarem, de serem úteis e produtivos. Em termos objetivos, é muito difícil que um mini ou pequeno produtor possa ele sozinho vender a sua produção por um preço justo e participar adequadamente do processo produtivo. Se ele, porém, puder se juntar a outros, no grupo ele será forte.

Esse mecanismo que dá vez aos pequenos existe e, no Brasil, já é ele responsável por significativa parcela da riqueza nacional. Estamos falando, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, do cooperativismo.

Em termos mundiais, esse movimento surgiu no século passado, em decorrência do desenvolvimento, na Europa, do capitalismo industrial. Como os trabalhadores eram muito explorados por seus patrões, começaram a se unir com o objetivo de resolver os problemas profissionais que mais os afligiam. Qualquer associação profissional, porém, era proibida nessa época, o que fez com que as primeiras entidades criadas fossem secretas. Uma característica especial as identificava: a ajuda mútua. Os estatutos de uma dessas associações, em Grenoble, na França, estabelecia: "o nosso objetivo exclusivo é auxiliar aqueles nossos colegas que venham a cair doentes ou a encontrar-se na indigência".

No Brasil, essa característica se manteve, mas, um fato curioso, narrado por Gilvando Sá Leitão Rios, marcou a criação da primeira sociedade de ajuda mútua aqui conhecida: a Associação dos Galileus. Os moradores do Engenho Galiléia, no Município pernambucano de Vitória de Santo Antão, por serem muito pobres, não tinham como enterrar aqueles que morriam. A praxe, então, era a prefeitura municipal emprestar o caixão para os sepultamentos. Por ser emprestado, o caixão só era utilizado para o carregamento do defunto até à cova. Depois de esvaziado, era devolvido à prefeitura. Para fugir a essa prática vergonhosa, os empregados -- "galileus" -- criaram uma associação para cuidar dos sepultamentos. Não gostando da idéia, o proprietário das terras tentou expulsá-los. Inconformados, procuraram o advogado e deputado estadual Francisco Julião, que iniciou o processo político de luta pela desapropriação do Engenho Galiléia. Esse episódio deu início, no Nordeste, às Ligas Camponesas que tanta influência tiveram na região.

Essas associações de ajuda mútua eram mal vistas pelos patrões, em razão das reivindicações que apresentavam, por segurança no trabalho, por assistência social e contra a exploração dos trabalhadores. Por essa razão, foram os embriões da assistência previdenciária, do sindicalismo e do cooperativismo.

No que tange ao cooperativismo, as profundas transformações que aconteceram no mundo, no século passado, só chegaram ao Brasil na década de trinta deste século, com o Estado Novo. Também aqui a idéia floresceu com mais vigor no setor agrícola, criando-se desde grandes cooperativas voltadas para o comércio exterior, até pequenas cooperativas regionais, congregando pequenos produtores.

Cerca de um terço das quatro mil, trezentas e dezesseis cooperativas que hoje existem no Brasil são cooperativas agropecuárias, as quais movimentam, a cada ano, o correspondente a seis por cento do Produto Interno Bruto brasileiro, algo em torno de quarenta e cinco bilhões de dólares. Não resta dúvida de que, no cômputo geral das cooperativas, é esse o setor mais atuante e eficiente. Outros números são claros em mostrar essa pujança: provêm de cooperativas sessenta e dois por cento do trigo produzido no Brasil, quarenta e cinco por cento da cevada, trinta e nove por cento da aveia, trinta e oito por cento da soja, trinta e cinco por cento do leite, vinte e oito por cento do café e da carne de suínos, vinte por cento da carne de aves.

A idéia cooperativista tem se espalhado cada vez mais na vida nacional, atingindo hoje os mais variados setores: temos cooperativas de crédito e de eletrificação rural, de pesca e de consumo doméstico, de produção industrial e de comercialização agrícola, habitacionais e de artesanato, de telefonia e de prestadores de serviços, de saúde e de trabalho. Na prática, não há setor que não possa ser abrangido por uma cooperativa.

Entretanto, se compararmos a nossa realidade com a de outros países, veremos que ainda há um longo caminho a trilhar. Em países desenvolvidos, as cooperativas chegam a responder por trinta por cento do seu PIB. Na Dinamarca, país de apenas oito milhões de habitantes, há quatorze mil cooperativas. Na Holanda, país menor do que Santa Catarina, há três mil e quinhentas cooperativas apenas no setor de crédito.

A Constituição de 88 deu um impulso novo a esse movimento ao dispor que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

Efetivamente, a união de muitos em torno de um só objetivo é a melhor fórmula para que os pequenos tenham também a sua vez. De outra forma, como uma rendeira do Nordeste, um pescador capixaba ou um pequeno produtor de leite do interior poderia ter condições de vender a sua produção por um preço razoável? Como um pequeno agricultor poderia obter crédito se não fosse por meio de uma cooperativa de crédito?

Raul Martins, um estudioso do cooperativismo, tem uma observação sobre as cooperativas dos artesãos que pode ser perfeitamente aplicada àquelas de pescadores, de garimpeiros, de pequenos produtores de leite e a uma vasta gama de outras atividades: "A cooperativa é a forma ideal, capaz de assegurar a sobrevivência do artesanato, enfrentando as ambições dos intermediários e a agressividade da máquina".

O movimento cooperativista vem crescendo de forma constante nos últimos anos. De três mil, novecentas e vinte e oito cooperativas em 95, o seu número saltou para quatro mil, trezentas e dezesseis em 96.

Além de trazer benefícios aos associados e à economia do País, são elas uma excelente forma de combater o desemprego e aglutinar ao processo produtivo pessoas que, em outras circunstâncias, estariam marginalizadas.

Por isso, é fundamental que Governo e sociedade dêem todo apoio a esse movimento. Aquela determinação constitucional a que já me referi de a lei apoiar e estimular o cooperativismo e outras formas de associativismo não pode ficar só como idéia luminosa do legislador constituinte; precisa ser convertida em prática.

É necessário, pois, que se atualize a legislação que regula a criação e o funcionamento das cooperativas, tendo em vista justamente a nova filosofia que essa Constituição quis imprimir ao setor.

Encontram-se em tramitação no congresso Nacional alguns projetos de lei nesse sentido, os quais podem ser agrupados em dois blocos: de um lado, aqueles apresentados na Câmara dos Deputados e que estão de acordo com proposta da Organização das Cooperativas Brasileiras, exaustivamente discutida pelas entidades que a congregam. De outro, o projeto de autoria do combativo e atuante colega Eduardo Suplicy, que traz algumas divergências em relação àqueles que tramitam na Câmara.

É importante que essa matéria seja urgentemente apreciada pelas duas Casas do Congresso Nacional, para que esse setor possa se desenvolver com mais segurança e celeridade e para que se coíbam algumas transgressões que ocorrem principalmente em cooperativas de trabalhadores, em que a legislação previdenciária é desrespeitada, sob a égide de uma interpretação deturpada do princípio cooperativista.

No que tange ao Executivo, é incompreensível que ainda permaneça sem titular o Departamento de Cooperativismo e Associativismo Rural -- DENACOOP, órgão do Ministério da Agricultura e do Abastecimento encarregado de elaborar diretrizes de ação governamental para o associativismo rural e o cooperativismo e os programas de projetos que tenham por objetivo o seu desenvolvimento. Pela importância do associativismo e do cooperativismo na vida nacional, o DENACOOP deveria até mesmo ter um novo status dentro do Governo, com vinculação direta à Presidência da República, para que não transmitisse a impressão de que é sua atribuição cuidar tão somente dos assuntos agropecuários. É triste, no entanto, verificar que, ao contrário, é ele hoje um órgão tão desprestigiado que nem sequer o seu titular foi escolhido.

De minha parte, convencido que estou da oportunidade e da necessidade de se incrementar a discussão em torno dessa matéria, coloco o meu gabinete à disposição da OCB, das entidades cooperativistas estaduais e das próprias cooperativas, para que possamos estabelecer um amplo debate sobre esse assunto e, assim, dar impulso novo ao cooperativismo nacional.

Ao Governo Federal, como um todo, e ao Ministério da Agricultura e do Abastecimento, em particular, faço um veemente apelo para que olhe com mais atenção o sistema cooperativista brasileiro, pois, é no associativismo e no cooperativismo que o setor produtivo do nosso país poderá encontrar, num futuro próximo, novo surto de progresso e desenvolvimento. Uma primeira prova desse interesse poderia ser a dinamização imediata do DENACOOP. Esse órgão, desde que bem orientado e bem conduzido, tem um papel ímpar a desempenhar no sistema cooperativista nacional.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/1997 - Página 6123