Pronunciamento de Casildo Maldaner em 24/03/1997
Discurso no Senado Federal
AVALIAÇÃO DA POLITICA AGRICOLA NACIONAL. EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO AOS INVESTIMENTOS A SEREM REALIZADOS NO CAMPO PELO GOVERNO FEDERAL.
- Autor
- Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
- Nome completo: Casildo João Maldaner
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA AGRICOLA.:
- AVALIAÇÃO DA POLITICA AGRICOLA NACIONAL. EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO AOS INVESTIMENTOS A SEREM REALIZADOS NO CAMPO PELO GOVERNO FEDERAL.
- Aparteantes
- Edison Lobão.
- Publicação
- Publicação no DSF de 25/03/1997 - Página 6533
- Assunto
- Outros > POLITICA AGRICOLA.
- Indexação
-
- ANALISE, SITUAÇÃO, AGRICULTURA, PLANO, REAL, REFERENCIA, SAFRA, PERDA, RENDA, DIVIDA, SETOR, CONCORRENCIA, IMPORTAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
- CRITICA, AUSENCIA, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, BRASIL, DIFERENÇA, PRIMEIRO MUNDO, COMENTARIO, REDUÇÃO, CULTIVO, TRIGO, ARROZ, ALGODÃO.
- AVALIAÇÃO, POLITICA AGRICOLA, GOVERNO, AMBITO, RECUPERAÇÃO, SETOR, NECESSIDADE, ACOMPANHAMENTO, EXECUÇÃO, NORMAS.
O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é este ainda o momento de chegarmos a uma avaliação conclusiva do desempenho do Governo Federal no que se refere à agricultura. Sem dúvida, ao término do mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso - refiro-me ao atual mandato -, será possível determinarmos com maior precisão até que ponto as medidas de política agrícola implementadas foram corretas. Porém, não convém esperar tanto. A agricultura é uma atividade por demais importante para que possamos prolongar, com ela, experiências, sem as necessárias cautelas e sem a pronta correção dos erros constatados. O próprio Governo já tem, sem dúvida, corrigido a rota e alguns dos descaminhos em que incorreu.
O fato incontestável é que o setor agrícola foi o grande sacrificado nos primeiros anos de implantação do Plano Real e de reestruturação da economia brasileira. Se a produção de grãos na safra 94/95 atingiu patamar recorde de 81 milhões de toneladas, as perdas de renda do setor nessa mesma safra, segundo os cálculos de especialistas, ficaram entre 15 e 20% em relação às do ano anterior. Quando constatamos a significativa queda dos preços de produtos agrícolas no período, entendemos por que foi consagrada a expressão âncora verde do Plano Real.
Ainda mais catastróficas foram as perdas relativas ao aumento das dívidas dos agricultores em decorrência das exorbitantes taxas de juros praticadas no País. Os prejuízos decorrentes do crescimento não previsível das suas dívidas, nesse mesmo período, foram estimados em R$4 bilhões.
Isso ainda não foi tudo, Sr. Presidente. A abertura dos mercados, especialmente para os países do Mercosul, juntamente com a nossa política cambial, conduziu a um significativo aumento de importação de alimentos, prejudicando de forma acentuada, quando não desestruturando por completo, a cultura de alguns produtos importantes, como é o caso do trigo, do arroz e do algodão.
A conseqüência de todos esses reveses para os agricultores brasileiros não tardaram a aparecer. A colheita de grãos da safra seguinte 95/96 caiu para 73,5 milhões de toneladas: um decréscimo de mais de 9%.
Sabemos que os resultados das atividades agrícolas depende de um grande número de variáveis naturais e sócio-econômicas, apresentando sempre um maior ou menor grau de incerteza quanto ao seu bom termo.
Vemos assim com alguma apreensão as proclamações da equipe econômica e do Ministro da Agricultura quanto à necessidade do setor agrícola atuar conforme as leis do mercado. Sabemos que isso não ocorre sequer nos países capitalistas desenvolvidos, invocados como modelo do neoliberalismo econômico. Ao contrário, a agricultura, tanto na Europa como nos Estados Unidos, é fortemente subsidiada pelos respectivos governos. Mesmo agora, quando está ocorrendo, nesses países industrializados, uma certa mudança na política de concessão de subsídios, a regra é a de mudanças graduais e amplamente discutidas pelas casas legislativas.
O Sr. Edison Lobão - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. CASILDO MALDANER - Com muita honra, Senador Edison Lobão, ouço V. Exª.
O Sr. Edison Lobão - Senador Casildo Maldaner, o pronunciamento de V. Exª nesta tarde é de grande importância para que se possa entender melhor a política agrícola que se estabelece em nosso País. Não temos tido uma política firme, coerente. Não tem havido incentivos, estímulos à nossa agricultura. Este ano, estamos tendo possivelmente, segundo os anúncios oficiais, a maior safra agrícola da história do Brasil. Mas isso dependeu muito mais das terras, que são boas, dos nossos rurícolas, que são competentes e dedicados, e de São Pedro do que mesmo da ação do Governo. Essa é a verdade. Refere-se V. Exª, ainda que superficialmente, aos estímulos concedidos à agricultura nos Estados Unidos e na Europa. Ora, vamos verificar que o açúcar consumido na França é de beterraba, que custa o dobro do preço do açúcar da cana. Os franceses poderiam simplesmente importar pela metade do preço todo açúcar que hoje consomem. Mas não, eles preferem investir no interior do Estado, porque a um só tempo estão gerando emprego para os franceses, mantendo o francês do interior no lugar de origem - onde nasceu e onde deseja ficar - evitando o inchaço das grandes cidades e gerando, de qualquer modo, riqueza interna. Mas nós não conseguimos aprender isso com os franceses, nem com os europeus de um modo geral, nem com os americanos, nem com ninguém. Nossa agricultura é o que se pode chamar de uma atividade verdadeiramente desvalida da assistência e da orientação do Governo Federal. Cumprimento V. Exª por abordar esse tema de fundamental importância para todos os brasileiros.
O SR. CASILDO MALDANER - Acolho, com muita honra, o aparte de V. Exª, Senador Edison Lobão. Gostaria de ilustrar aquilo que V. Exª acaba de detalhar. A última safra de trigo no sul do Brasil foi muito boa, mas por falta de estrutura, está havendo uma falta de estímulo para o plantio, que começará no final de abril ou início maio, pois depois da colheita da soja, planta-se o trigo. Os agricultores estão desanimados, porque não houve a necessária preparação. Talvez seja falta de infra-estrutura ou de recursos, ou, quem sabe, carece procurarmos fazer aquilo que é nosso dever, ou seja, criar possibilidades para estocar a produção e, assim, podermos alimentar nossa população.
Aproveito até a deixa de alguns amigos meus que me telefonaram ainda no fim da última semana e agora durante o dia, para dizer que, por paradoxal que possa ser, estamos às vésperas da Semana Santa e também na época da colheita do milho, no sul do Brasil principalmente. E há produtores de milho que têm ido fazer compras às vésperas da Semana Santa nas cooperativas e me dizem: "Maldaner, fui à cooperativa para tentar levar um ovo de Páscoa para minha família em casa". Vejam o exemplo que trago: eles me deram os preços, que até anotei aqui: um ovo de Páscoa de 250 gramas está em torno de R$6,00 a R$7,00 no mercado. E eles me dizem: "Maldaner, veja só, para levar o ovo de Páscoa para minha família, tenho que dar um saco de milho" - um saco de milho debulhado de 60 kg está na base de R$5,00 a R$5,50, não chega a R$6,00. "Vou ao mercado com um saco de milho de 60 kg nas costas para poder levar um ovo de Páscoa de 250 gramas e quando chego em casa ainda é oco."
Parece brincadeira, mas no fundo é verdade. O produtor tem que dar um saco de milho de 60 kg para poder levar um ovo de Páscoa oco de 250 gramas. Eles citam esse exemplo, fazendo uma ilustração com franqueza, dizendo: "Senador, tenho que dar ao armazém um saco de milho e, ainda por cima, por certo uma galinha do meu terreiro, para dar uma alegria à minha família agora na Páscoa".
São coisas que não têm dimensão de se comparar, mas mostram que a questão não é fácil. Mesmo aqui no bandejão, ao almoçar pelo custo de R$5,00 ou R$5,50, se comparado com custo da produção do saco de milho de 60 kg, parece ridículo, mas, se compararmos bem, percebemos que não é fácil a vida no interior. Conforme diz V. Exª, precisamos segurar o homem no interior, para que não haja o êxodo. Precisamos estimulá-lo, oferecendo-lhe, para que tenha uma certa recompensa, melhores condições de saúde e de educação no meio em que vive. É preciso que criemos mecanismos para isso, sem dúvida.
No Brasil, a prática tem sido a imposição de mudanças bruscas de rumo, correndo-se em seguida atrás dos prejuízos. O custo social e econômico dessas experiências é por vezes demasiado alto. Pudemos presenciar o triste quadro de ruína dos produtores de arroz no Rio Grande do Sul, tendo que vender suas próprias terras para pagar dívidas. Devemos ter claro que a agricultura é uma atividade econômica com características bem peculiares e, ao mesmo tempo, da mais alta relevância para a sociedade. Em nosso País, ela não só tem um papel fundamental na pauta de produtos exportados, como deve suprir as necessidades nutricionais de uma grande população, para a qual ainda não foi resolvido o problema da fome.
Dizia que era difícil avaliar a política do Governo Federal no que se refere à agricultura. De fato, devemos atestar que o Governo não vem assistindo em berço esplêndido à bancarrota da agricultura nacional. Algumas importantes medidas estão sendo implementadas, uma nova política agrícola vem se delineando. Já no final de 1995, a Lei nº 9.136 autorizou a securitização das dívidas dos produtores rurais, possibilitando a renegociação dos saldos devedores de até R$200 mil por um prazo de sete anos, com juros favorecidos. Sem dúvida muito justa, ao corrigir o efeito devastador do aumento imprevisto dos juros, essa medida - ainda que, infelizmente, não tenha contemplado todos os casos - mostrou-se de fundamental importância para trazer de volta à produção um grande número de agricultores endividados. Foram 190 mil os agricultores que negociaram as dívidas, totalizando mais de R$6 milhões.
Sinais de recuperação da atividade agrícola estão surgindo, tanto no que se refere à produção, como em relação às perspectivas de comercialização. A Companhia Nacional de Abastecimento estima que a produção de grãos na safra de 96/97 atingirá pelo menos 77 milhões de toneladas, aproximando-se do patamar de há dois anos. A cotação internacional e nacional dos preços de produtos agrícolas vem mostrando nítida tendência de alta.
Temos também boas notícias no que se refere à questão básica do financiamento da agricultura. Foi bastante compreensível o entusiasmo com que o Presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou a destinação de R$5,1 bilhões para o financiamento da presente safra, bem mais que os R$3,7 bilhões destinados à safra de 95/96. As taxas de juros estão agora prefixadas em níveis condizentes com a finalidade de financiar a produção agrícola. Entretanto, uma boa parte do dinheiro disponível não tem chegado em tempo às mãos dos produtores, por problemas de burocracia estatal ou bancária. A não liberação do crédito foi ainda mais grave no caso do R$1 bilhão destinado ao Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar - PRONAF, outra iniciativa do Governo a ser saudada. Como afirmou em recente editorial O Estado de S.Paulo, os responsáveis pela política agrícola devem acompanhar de perto a execução dos programas, pois "as melhores idéias podem ser prejudicadas por um impasse menor ou por um burocrata de mau humor".
Ainda estamos longe de retomar os níveis de renda do setor no início da década de 80, calculados pela Fundação Getúlio Vargas em R$47 bilhões por ano, em média, quando no ano passado a renda não ultrapassou os R$26,7 bilhões. É certo que o empenho do Governo Federal, nos mais diversos níveis, é fundamental para dar aos produtores brasileiros condições de competitividade em um mercado globalizado. A isenção do ICMS para os produtos agrícolas a serem exportados foi mais uma medida governamental com excelente impacto no setor. O Ministro da Agricultura anuncia o propósito de concentrar esforços, no presente ano, para diminuir o desperdício na colheita, no transporte e no armazenamento de grãos, estimado em até 25% da produção.
Esperamos, com a consecução dessas boas medidas, que se reduza a considerável migração de agricultores brasileiros rumo ao Paraguai e à Bolívia, atraídos por condições de produção mais favoráveis, conforme tem sido noticiado pela imprensa. Afinal, um significativo percentual de nossas terras agricultáveis ainda está por ser explorado.
Se temos alguns motivos para estarmos otimistas em relação ao futuro próximo da agricultura brasileira, acreditamos que muito mais ainda possa e deve ser feito. Recebi há poucos dias um manifesto assinado por entidades de produtores e trabalhadores rurais do oeste de Santa Catarina, além de outras entidades vinculadas à produção agropecuária do meu Estado. Realmente, é necessário um pouco mais de ousadia para tratar a questão da agricultura em nosso País. Repensar o campo, propõe o manifesto, lançando um alerta aos nossos políticos e governantes.
Sabemos que o próximo século não perdoará a estagnação, a inércia mental, o apego a velhas fórmulas e rotinas. Se não investirmos decididamente no desenvolvimento tecnológico, nossa agricultura não terá condições de atuar em um mercado aberto e altamente competitivo, nem tampouco de corresponder ao aumento da demanda mundial por alimentos, a qual, segundo se calcula, deverá dobrar nos próximos 30 anos. Por essas razões, os produtores do País propõem uma revolução verde no Brasil.
O Brasil requer uma política agrícola nacional séria e de longo prazo, articulando ações em diversas áreas. O investimento nas cidades de pequeno e médio porte, com a implantação de uma infra-estrutura adequada de energia elétrica, saúde e saneamento, associado ao desenvolvimento da produção agrícola, terá um efeito espetacular no sentido de levar o progresso para o interior do nosso País, detendo e até mesmo revertendo o fluxo do êxodo rural. O investimento em educação nessas cidades é outra necessidade crucial, de modo a formar profissionais com iniciativa e capazes de lidar com as novas tecnologias de produção rural, imprescindíveis nesse limiar do Século XXI.
Se pensarmos o campo brasileiro em sua devida dimensão, fazendo os investimentos corretos e desobstruindo o caminho dos produtores, teremos rapidamente resultados impressionantes, tanto econômicos como sociais. O Brasil, nesses cinco séculos de existência, ainda não aprendeu a voltar sua face para o interior, onde se concentra o seu mais fantástico potencial de crescimento. É tudo uma questão de opção política, a qual esperamos e acreditamos que seja a do atual Governo nos dois próximos anos de sua atuação.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.