Discurso no Senado Federal

COMENTANDO SERIE DE REPORTAGENS DO JORNAL O GLOBO, DESTE FINAL DE SEMANA, SOBRE A PROSTITUIÇÃO INFANTIL EM MANAUS. CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS PROJETOS DE LEI QUE VERSAM SOBRE OS PROGRAMAS BOLSA-ESCOLA E RENDA MINIMA.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • COMENTANDO SERIE DE REPORTAGENS DO JORNAL O GLOBO, DESTE FINAL DE SEMANA, SOBRE A PROSTITUIÇÃO INFANTIL EM MANAUS. CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS PROJETOS DE LEI QUE VERSAM SOBRE OS PROGRAMAS BOLSA-ESCOLA E RENDA MINIMA.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/1997 - Página 6773
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PROSTITUIÇÃO, CRIANÇA, CRIME, MENOR ABANDONADO, CRISE, NATUREZA SOCIAL, NECESSIDADE, DEBATE, CONGRESSISTA.
  • AVALIAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, VINCULAÇÃO, FREQUENCIA ESCOLAR, CRIANÇA, CONCESSÃO, SUBSIDIOS, FAMILIA.
  • APREENSÃO, MIGRAÇÃO, MOTIVO, PROGRAMA, RENDA MINIMA.
  • JUSTIFICAÇÃO, EMENDA, ORADOR, PROJETO DE LEI, LIMITAÇÃO, MUNICIPIOS, INFERIORIDADE, POPULAÇÃO, RECEBIMENTO, BENEFICIO.
  • DEFESA, PARCERIA, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, PREFEITURA, REDUÇÃO, CUSTO, PROGRAMA, RENDA MINIMA.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADOR, RELATORIO, PROJETO DE LEI, RENDA MINIMA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste último final de semana o jornal O GLOBO, do Rio de Janeiro, apresentou uma série de reportagens, em que mostrava, até com certa crueldade, a questão da prostituição infantil, especificamente em Manaus.

Mais cruel ainda do que a matéria, não pela forma, mas pelo conteúdo, que sabemos verídico, é o fato, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que matérias desse tipo, exibidas pela televisão ou colocadas amplamente em jornais, já não emocionam mais. Não emocionam exatamente porque todos sabemos que, em todas as grandes cidades brasileiras, infelizmente, a questão dos meninos e meninas de rua, do menor abandonado, as conseqüências disso, a prostituição infantil e a criminalidade, estão atingindo níveis insuportáveis em uma sociedade organizada e, mais do que isso, representam talvez o retrato mais nítido do esgarçamento do tecido social, decorrência das enormes desigualdades entre as classes sociais brasileiras.

É imperdoável, Sr. Presidente, que nós que fazemos vida pública, que temos responsabilidades públicas com o País, que temos mandato eletivo, é absolutamente imperdoável que nós, Senadores, Deputados, não discutamos com a seriedade que o assunto merece, esse verdadeiro câncer social. O que foi mostrado pelo jornal O Globo, o que ocorre em Manaus, não é diferente do que ocorre em São Paulo, no centro do Rio de Janeiro, em Brasília, capital do País, em Belo Horizonte e não é diferente do que ocorre em praticamente todas as cidades brasileiras, inclusive cidades de médio porte no interior do País e algumas capitais do Nordeste.

A questão da prostituição infantil, Sr. Presidente, que aterroriza, que emociona, que nos toca a consciência como cidadãos, é apenas um lado de uma moeda que tem dois lados ruins - do outro lado tem a criminalidade. Já não nos assustamos mais com fotos de meninos de doze, treze anos, com tarja nos olhos e revólver na mão. Já é comum nas grandes cidades brasileiras, principalmente Rio e São Paulo, assaltos à mão armada em todas as esquinas, à luz do dia, praticados por meninos de doze, treze, quatorze anos.

Agora a prostituição. Boates em Manaus buscam no interior ou nas periferias da cidade meninas de doze, treze, quatorze anos, com o corpo ainda em formação, com absoluta desinformação humana e educacional, sem lar, sem família, e pessoas inescrupulosas vestem essas meninas para que elas façam o jogo surdo da noite.

Ora, nós que temos filhos, nós que temos família, nós que acreditamos que este País tem todas as condições para ser uma sociedade um pouco menos injusta, não podemos ficar calados diante de fato que aterroriza a todos.

Matérias como essa, quando são mostradas na televisão fora do Brasil, muitas vezes indignam os brasileiros. É comum que pessoas façam comentários no sentido de que as televisões estrangeiras só mostram o lado ruim do Brasil. Claro que pode haver um certo exagero e claro que coisas boas que este País tem não são mostradas. Mas vamos ser francos. Será que estão mentindo? Será que não existem neste País milhares de menores abandonados, milhares de menores que vivem nas ruas, embaixo das pontes, famintos, sem escola e sem esperança? Será que não existe neste País a criminalidade infantil? Será que é uma invenção da imprensa internacional? Será que não existe a prostituição infantil nas boates de Manaus e de todo o País? Será que o Jornal O Globo também inventou? É claro que não.

É preciso que o Congresso Nacional, com o poder que tem de legislar, com a responsabilidade que tem de discutir os problemas mais sérios que afetam a sociedade brasileira, discuta o tema e o faça com mais profundidade.

Recentemente, Sr. Presidente, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei de autoria do Deputado Nelson Marchezan, que recebeu emendas de vários outros Deputados, tendo sido inclusive aglutinado a outras iniciativas de projetos de lei naquela Casa. Este projeto estabelece o salário educação ou a bolsa escola nos municípios médios e pequenos deste País.

Ora, todos sabemos que a experiência da bolsa-escola começou em Campinas com o nosso querido Prefeito José Roberto de Magalhães Teixeira, de saudosa memória, depois foi para Ribeirão Preto, agora está em Brasília e em mais de vinte cidades brasileiras. A bolsa- escola tem uma grande vantagem e um grave problema. A grande vantagem é que ela faz com que famílias carentes, que não têm sustentação mínima, recebam o valor mínimo de meio salário mínimo por filho com idade entre 7 e 14 anos matriculado na rede pública e que tenha assiduidade superior a 90%.

A experiência dessas grandes cidades brasileiras que já têm o projeto da bolsa-escola é muito boa. Realmente, essas crianças foram para a rede pública, saíram das ruas, da criminalidade, da prostituição. Muitas dessas famílias, a partir dessa bolsa pública, não só colocam seus filhos na escola como também, dentro de um determinado tempo, são inseridas num contexto de trabalho e, portanto, ficam distanciadas desse auxílio do Estado.

No entanto, traz um grave problema. As famílias pobres do interior do País têm na bolsa-escola exatamente um vetor a mais a motivá-las à migração para os grandes centros, onde ela é justamente dada. A migração é um dos graves problemas do País.

Na verdade, grande parte das famílias pobres, abaixo da linha da miséria, que estão nas periferias das grandes cidades ou que estão desabrigadas nas ruas das grandes cidades, são de famílias que vieram do interior do País, justamente das regiões mais pobres, dos burgos de miséria, como chamava o ex-Presidente Tancredo Neves. São famílias expulsas ou pela seca, ou pela falta de terra, ou pela falta de trabalho, que vão para os grandes centros em busca de uma vida melhor.

Sr. Presidente, o projeto aprovado na Câmara dos Deputados anexou-se, no Senado Federal, a um projeto de nossa autoria, o qual, também, já recebeu emendas de vários Senadores e juntou-se a outros projetos como os dos Senadores Ney Suassuna e Eduardo Suplicy. É uma matéria que visa exatamente dar a bolsa-escola, erradicando com isso a miséria absoluta, trazendo os filhos das famílias carentes para a rede pública escolar. Só há uma diferença: a bolsa-escola, em primeiro lugar, só deve ser concedida em municípios cuja população seja inferior a 50 mil habitantes. Por que isso? Porque os dados do IBGE demonstram que 64% da miséria deste País está justamente concentrada nos municípios com população inferior a 50 mil habitantes e no campo. Mas há algo mais: as famílias miseráveis que vão para as periferias das grandes cidades vieram do interior.

Se o Estado brasileiro fizer o provimento mínimo de uma vida digna exatamente onde a miséria campeia, onde as pessoas não têm condições mínima de vida digna, elas não precisarão migrar. Esse é um vetor importante. É fundamental que façamos uma inversão destas correntes migratórias brasileiras.

Há uma segunda característica: o fato de que o Governo Federal nem as prefeituras não dariam a bolsa-escola sozinhos. Seria feita uma parceria, em que cada bolsa escola teria 50% de recursos de federais e 50% de recursos municipais. Por que isso? Porque, feita a inscrição do município no projeto, em que o município terá de arcar com a metade das despesas, a fiscalização será muito mais rígida. Claro, deve-se evitar que esse projeto não passe de um programa de assistência de renda mínima vinculado à educação para um programa assistencialista sem limites, o que, obviamente, o descaracterizaria.

Sr. Presidente, ao ler matérias do jornal O Globo e em toda a imprensa brasileira sobre a prostituição infantil e criminalidade, julguei do meu dever vir a esta tribuna dizer ao Congresso Nacional que esse Projeto de Renda Mínima vinculado à Bolsa Escola já tem um relatório definitivo do Senador Lúcio Alcântara e deverá, já nesta semana - o Senador Élcio Álvares, Líder do Governo nesta Casa, tem acompanhado esta matéria -, ser apreciado na Comissão de Assuntos Sociais.

Não tenho dúvida de que um projeto desse tipo, de abrangência nacional, deve ser aplicado nos grandes centros. Se as grandes cidades brasileiras quiserem adotar a bolsa-escola, ótimo, mas que o façam com seus recursos. O Estado brasileiro, o Governo Federal trataria de fazer um programa nas pequenas e médias cidades, basicamente no interior, onde a miséria começa. Isso conteria as correntes migratórias e as famílias poderiam criar seus filhos com um mínimo de dignidade, sem ter que migrar para a periferia dos grandes centros urbanos. Essa medida não é inovadora, não se está inventando nada. Vinte e duas cidades brasileiras já concedem a bolsa-escola e obtiveram uma série de vantagens. A única desvantagem, comum a todas, foi a de fomentar a migração às grandes cidades.

Sr. Presidente, a experiência está aí. Se os Congressistas - por meio desse projeto de lei, cujo Relator é o Senador Lúcio Alcântara - apresentassem, em definitivo, uma proposta de solução que possa unir Governo Federal e municípios para uma parceria de recursos, haveria a possibilidade de, em prazo curto - e isso é o importante -, retirarmos essas crianças da rua, da prostituição e da criminalidade.

Esse benefício deveria ser estendido a toda família brasileira, situada abaixo da linha mínima de miséria, que tivesse filhos entre 7 e 14 anos matriculados na rede pública. Cada filho teria um ganho de meio salário mínimo, que seria pago metade pela União e metade pela prefeitura. Em primeiro lugar, isso custaria muito pouco.

Não tenho dúvida de que um programa assim, de abrangência nacional, será muito menos oneroso do que alguns programas assistencialistas que trouxeram uma experiência ruim para o nosso País. Os custos estimados pelo Senador Lúcio Alcântara, Relator desta matéria, dão-nos conta de que se pode fazer um programa desses, em todo o País, com vinte e duas vezes menos recursos do que, por exemplo, o Programa de Renda Mínima, sempre levantado aqui no Senado Federal pelo Senador Eduardo Suplicy.

Portanto, o programa viável. Não tenho dúvidas de que, investindo na educação, principalmente das famílias mais humildes, estaríamos desenhando um futuro melhor para a sociedade brasileira, estaríamos diminuindo as desigualdades e, mais do que isso, matando a fome daquelas famílias que não têm os filhos na escola porque passam fome em casa e, quando vão para a escola, não conseguem alcançar limites mínimos de aprendizado porque sentem fome. É a fome, é a falta de alimentos, é a falta de condição de vida mínima digna que faz com que essas crianças sejam, infelizmente, encaminhadas para a prostituição e para a criminalidade.

Penso que todos nós que temos responsabilidades públicas não podemos ficar de braços cruzados enquanto esse mapa da desigualdade, da injustiça, é colocado em todas as grandes cidades brasileiras. Há que se fazer alguma coisa, e muito rapidamente.

Quero, desta tribuna, encarecer aos Srs. Senadores que discutamos e votemos esse projeto a partir do relatório do Senador Lúcio Alcântara, que traz inclusive modificações substanciais ao nosso projeto original - esse é um projeto que serve exatamente à discussão da matéria. Assim, a partir da discussão e aprovação desse projeto, poderemos oferecer ao Governo Federal, aos governos estaduais, aos municípios e à sociedade brasileira uma proposta de solução para que, num curto espaço de tempo, possamos reverter o quadro cruel das desigualdades sociais, que leva crianças, meninos e meninas, às ruas, à prostituição e à criminalidade.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/1997 - Página 6773