Discurso no Senado Federal

CRITICAS A POLITICA ECONOMICA ADOTADA NA AMERICA LATINA EM GERAL, QUE, EM SUA OPINIÃO, BENEFICIA AINDA MAIS OS PAISES DO PRIMEIRO MUNDO. IMPERIALISMO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. APROFUNDAMENTO DOS ERROS DO GOVERNO FEDERAL, EM VIRTUDE DE SEU DISTANCIAMENTO DA REALIDADE DO PAIS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • CRITICAS A POLITICA ECONOMICA ADOTADA NA AMERICA LATINA EM GERAL, QUE, EM SUA OPINIÃO, BENEFICIA AINDA MAIS OS PAISES DO PRIMEIRO MUNDO. IMPERIALISMO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. APROFUNDAMENTO DOS ERROS DO GOVERNO FEDERAL, EM VIRTUDE DE SEU DISTANCIAMENTO DA REALIDADE DO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/1997 - Página 6910
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA, NATUREZA ECONOMICA, ADOÇÃO, AMERICA DO SUL, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, RESPONSABILIDADE, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, FORMA, EXERCICIO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUTORITARISMO, DESRESPEITO, DECISÃO, JUDICIARIO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), OPOSIÇÃO, MOBILIZAÇÃO, SEM-TERRA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, ABUSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXECUTIVO.

O SR. LAURO CAMPOS (BLOCO/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, à medida em que os problemas econômicos, sociais e políticos vão se agravando, nós da Oposição nos sentimos cada vez mais marginalizados. Realmente, é muito confortador que nós, que éramos até há pouco tempo cavaleiros solitários, dom quixotes lutadores contra a política adotada no Brasil e na América Latina, que tem por objetivo abrir caminho, abrir espaço para o capitalismo cêntrico, para o neo-imperialismo denominado globalização, para o sucateamento das bases da economia nacional, que como diz Lester Thurow não pode jamais pretender ser independente se não tiver um setor de produção de bens de capital forte e inovador. Diante de tudo isso, percebemos que a agressividade aumenta, que o País se aproxima cada vez mais daquele infeliz momento em que a barbárie será reconhecida de todos. A Oposição nos ajuda demais neste momento. E muitos daqueles que achavam que nossas colocações eram exacerbadas agora são até mais críticos do Governo, mais agudos e felizes no diagnóstico dos nossos males, no apontar causas e soluções para as nossas angústias do que nós mesmos, pobres, reduzidos a Senadores da Oposição.

"A Oposição não existe", brada o Presidente Fernando Henrique Cardoso, são os bobocas, neobobos. Os neobobos são aqueles que há três meses eram chamados por Sua Excelência, o sociólogo, por Sua Excelência, o príncipe da Sociologia brasileira, de Esquerda burra, de neobobos e, assim por diante, como se achamboa a linguagem, como desce do seu pedestal para se igualar a Fernando Collor que também falava esses adjetivos chulos. 

Fernando Henrique Cardoso, o Professor, dizia que só acreditava nas ruas, que só acreditava no povo, na revolução vinda de baixo, através das organizações dos sindicatos e da sociedade civil, através das organizações dos trabalhadores do campo. Agora, obviamente, conhecedor de que os verdadeiros movimentos de transformação da sociedade vêm de baixo, Sua Excelência, transformando-se em neoliberal e conservador, sabe muito bem como desarticular os sindicatos, como barrar o Movimento dos Sem-Terra, como impedir que a sociedade se manifeste, como silenciar a Oposição, como colocar uma mordaça no Poder Judiciário e como reinar como um deus, como um rei, um Rei Sol, um Luís XVI, sozinho, sem peias, sem limites.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, é com prazer que vejo, aqui, uma parte daquilo em que acredito. Estão presentes hoje, para ver se conseguem alcançar algumas melhoras em suas condições de vida e de sobrevida, os trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Aqueles que, um dia, eu indagava das autoridades competentes quanto eles haviam se beneficiado, quando as agências dos Correios passaram a exercer as funções de banco, as funções de arrecadação e distribuição de telesenas, etc. Quanto havia beneficiado os trabalhadores o aumento de sua carga de trabalho? Obviamente, não os beneficiou em nada.

Agora, o adicional de periculosidade que eles, com todo o direito, pretendem ver passar nesta Casa, os trouxe para aqui, para este nosso silêncio, para esta nossa reunião da chamada Câmara Alta, elitizada, para trazer aqui o calor das ruas, nas quais o Presidente Fernando Henrique Cardoso deixou de acreditar, mas que eu continuo a acreditar como a única solução verdadeira para os problemas reais do Brasil.

Não querendo entrar na discussão da questão do grau de autoritarismo, de sua proximidade com o totalitarismo, do grau de despotismo que toma conta do Governo brasileiro, na medida em que a crise se aprofunda, sem que antes tivesse me debruçado sobre um estudo que considero acadêmico, um estudo que me consumiu mais de um mês de trabalho e de elaboração. No centro desse estudo, localizo e recoloco a figura do Professor Fernando Henrique Cardoso, em seu livro intitulado Autoritarismo e Democracia; livro escrito por um professor competente, que nos serve de luz, de guia, de bússola para nos orientar a respeito do caráter deste Governo, se ele é ou não autoritário, se ele está ou não repetindo, em escala ampliada, o caminho e os descaminhos que o autoritarismo militar cruzou neste País.

Pois bem, debrucei-me sobre o próprio Professor Fernando Henrique Cardoso, em seu livro Autoritarismo e Democracia, e qual não foi a minha alegria ao ver que muitas de suas posições ali colocadas, entre elas a principal talvez seja a de afirmar que o autoritarismo brasileiro é uma herança despótica da Península Ibérica, que não passou pela revolução burguesa, ocorrida na França, e nem pela revolução industrial, ocorrida naqueles países. Portanto, foi transplantado esse autoritarismo para o Brasil e para a América Latina que aqui adquire esse autoritarismo, esse despotismo que, segundo Sua Excelência, muitas vezes, gera o fascismo com conotações próprias e determinações específicas.

O meu trabalho é demasiadamente longo e eu faço questão de lê-lo na íntegra, se bem que eu saiba, muito bem, que os 20 minutos de hoje não serão suficientes para lê-lo todo. Mas parece-me que este assunto vem sanar ou procurar sanar um defeito de nossa cultura. Ernest Hamblock, o inglês que durante 25 anos foi Cônsul do Brasil na Inglaterra, tendo, portanto, um distanciamento suficiente das cargas emocionais, dos interesses partidários, escreveu o livro Sua Majestade, o Presidente do Brasil, onde afirma que não há discussão política nem no Senado nem na Câmara do Brasil. Esse livro é muito atual, seus fundamentos e sua penetração continuam invejáveis. Para ele, obviamente, não se trata de discussão política o feijão-com-arroz do municipalismo, os interesses provincianos e locais em que se esgotam e se esvaem grande parte dos discursos dos nossos políticos. Puxar a "brasa para a sua sardinha", de acordo com esse eminente inglês, que foi o primeiro lugar da sua turma e que exerceu com brilhantismo a função de diplomata em diversos países da Europa antes de vir para o Brasil, onde permaneceu por 25 anos.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Lauro Campos, desculpe-me interromper V. Exª, mas tenho que fazê-lo apenas para prorrogar a Hora do Expediente pelo tempo necessário para que V. Exª termine o seu pronunciamento e para que se ouça o Senador Ernandes Amorim, que tem uma comunicação inadiável para fazer na forma regimental. V. Exª continua com a palavra.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradecido. Como dizia Ernest Hamblock, em seu livro Sua Majestade o Presidente do Brasil - o título já é de grande atualidade -, diz que realmente o Brasil não havia ainda atingido o nível da discussão política. E eu pretendo modestamente contribuir para isso, chamando à colação o próprio Professor Fernando Henrique Cardoso, que tinha, naquela ocasião, tempo e azo para prolongar e aprofundar seus estudos a respeito do caráter autoritário presente na cultura brasileira e na nossa história política.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso demonstra, em seu livro intitulado AUTORITARISMO E DEMOCRACIA (Ed. Paz e Terra, 1975), ser doutor de borla e capelo em matéria de autoritarismo.

Decorre de sua visão que autoritarismo brasileiro não é uma inovação sua ou de seus neoliberais. O autoritarismo sempre fez parte da sociedade brasileira e é a conseqüência, na superestrutura política, de nosso "estilo de desenvolvimento". "A dinâmica deste estilo de desenvolvimento acomoda-se a uma política que nunca foi democrática e que se formou no solo ibérico e dele foi transplantada para a América sem jamais ter sido EUROPÉIA no sentido de que o desenvolvimento capitalista e a revolução burguesa não a modificaram plenamente. Não obstante, prossegue o mestre FHC, "a forma deste autoritarismo variou, desde o paternalismo autocrático do império, passando pela forma oligárquica republicana da "democracia de elites" e pelo populismo autoritário (ÀS VEZES BEIRANDO O FASCISMO) até ao atual autoritarismo tecnocrático, que não está imune aos apelos fascistas".(FHC, Autoritarismo e Democracia, Ed. Paz e Terra, pp. 11 e 12).

Seria de se perguntar ao ilustre autor da pesquisa sociológica e política de natureza histórica, que adota o método dialético e a concepção marxista, se o autoritarismo que seu governo herdou se diferencia e em que se diferencia do autoritarismo arraigado na formação da sociedade brasileira. Se ele se considera um simples herdeiro do grande entulho autoritário, sua culpa pessoal seria pequena ao ter aumentado a herança histórica recebida por ele junto com a faixa presidencial. Mas causa espécie as insistentes declarações do Presidente FHC e de seus áulicos e fâmulos de que o despotismo esclarecido a que o Professor Fernando Henrique Cardoso se refere diversas vezes ao longo de sua obra tenha sido exorcizado da sociedade brasileira. Será que apenas a ótica palaciana esteja certa e que o Ministro Sepúlveda Pertence, presidente do STF, bem como a unanimidade dos magistrados brasileiros reunidos em Macapá, a passeata dos juízes que se erguem diante da prepotência dos atos do Executivo imiscuindo-se indebitamente no Poder Judiciário, as ameaças de não cumprir as decisões do Supremo que reconhecem a ilegalidade e o discricionarismo das medidas de arrocho desrespeitoso dos direitos e dos vencimentos dos servidores públicos; será que a insistência do Poder Executivo em desrespeitar a decisão do Supremo que reconhece a isonomia entre os servidores civis e os militares e que se reafirma em medida provisória que proíbe o efeito vinculante da decisão Excelsa a outros tribunais e que, ainda por cima, torna a Justiça brasileira mais elitista ao exigir o depósito prévio, em dinheiro, de importâncias idênticas às pleiteadas na justiça; será que o Poder Legislativo, massacrado pelo rolo compressor que passa por cima das oposições, coopta com promessas de obras provincianas os parlamentares "indecisos", usa o fisiológico "é dando que se recebe", as promessas à bancada ruralista de retardar a reforma agrária, desde que ela vote na proposta continuísta e autoritária da reeleição sem desincompatibilização, despotismo duplo; será que a Pastoral da Terra da Igreja Católica, que se coloca ao lado dos trabalhadores sem terra, constitui um movimento subversivo ao ponto de ser dedurado por Sua Excelência o Presidente em audiência recente com o Papa João Paulo II; o irreconhecível marxista e seu Ministro da Reforma Agrária se revoltam diante do prêmio ganho pelo Movimento dos Sem-Terra, pelo MST, na Bélgica, a ponto de o Presidente se negar a receber o Príncipe e o Ministro belgas, portadores do prêmio; será que a ação contumaz do governo que ignora todas as justas reivindicações dos trabalhadores em luta pela recomposição de seus salários corroídos pela inflação dita residual, e que faz ouvido mouco "às vozes roucas da rua", esvazia a ação sindical ao torná-la aparentemente inócua diante das "vitórias" das forças do despotismo governamental; será que a doação das empresas estatais, coadjuvada pelo criminoso BNDES, por avaliações desvalorizadoras dos patrimônios das estatais a serem privatizadas; será que as medidas provisórias com as quais o Poder Executivo invade a esfera do Legislativo e despeja mais de 1.000 mandamentos que transformam a "vontade do Príncipe em Lei", cumprindo a velha ordem dos césares (quod Princeps voluit, legis habet vigorem); será que as dezenas de acusações feitas por deputados e senadores contra a marcha implacável do autoritarismo; será que a declaração de antigos amigos seus advertindo-o a respeito do desmoralizante processo de bonapartização comandado por ele, do culto da personalidade, da idéia de insubstituibilidade de czar, do grande chefe e do narcisismo que transforma em beleza as coisas feias em que coloca as suas mãos; será que as declarações de que "em Fernando Henrique Cardoso a vaidade ultrapassa a inteligência", ou que estamos a caminho do "despotismo esclarecido", avisos e advertências partidas de intelectuais companheiros e velhos amigos seus, da altura de Arthur Giannotti, Francisco de Oliveira e Leandro Konder; será que a ação conjugada dos Ministérios da Reforma Agrária e da Justiça que visam intimidar e fazer recuar os trabalhadores sem terra com declarações idênticas às feitas há cinco décadas pelos grupos ruralistas mais reacionários; será que as promessas e a ação continuísta que pretende usufruir um período de "vinte anos no poder", invocando, para isto, o argumento dos militares segundo o qual o "desenvolvimento econômico" depende da "segurança", binômio dos governos militares modernizados pelo seu homônimo "esenvolvimento auto-sustentado" e "estabilidade política" que só o regime autoritário garantiria; será que diante de tudo e de todos o governo FHC pode afirmar que não há despotismo, cesarismo, autoritarismo no governo? Como se o próprio professor Fernando Henrique Cardoso escreveu em sua obra sobre o autoritarismo que "a ideologia prevalecente nos regimes autoritários é desmobilizadora de massas e, até certo ponto, envergonhada, para proclamar sua vocação unipardidarista e antipluralista, nunca se cortam inteiramente os núcleos opositores na imprensa, nas universidades, nos sindicatos, nas igrejas, etc.(op. cit. p. 19)".

O enfraquecimento dos partidos de oposição por meio do fisiologismo da cooptação e do rolo compressor garante uma maioria constante e submissa no Congresso, maioria que será congelada por meio da lei de fidelidade partidária que, como uma ratoeira, se fechará, mantendo cada político em sua posição. As declarações do Professor Fenando Henrique Cardoso mostram que ele poderia ser convocado como testemunha de acusação do Governo FHC. Ele não apenas afirma, como comprova o caráter autoritário do governo, aponta as raízes do despotismo na história e nas relações econômicas brasileiras e, mais, especificamente, "no processo de acumulação de capital e em suas contradições."

Para terminar, Sr. Presidente, o Professor Fernando Henrique Cardoso, doutor em autoritarismo, pergunta: "Por que, então, não utiliza o designativo ´fascista´ para caracterizar o regime?" A diferença entre autoritarismo e fascismo, segundo Fernando Henrique Cardoso, mostra que, para ele, o regime brasileiro atual se aproxima mais das características fascistas do que o fez o próprio autoritarismo militar dos anos 60 e 70.

Como já havia previsto no início, das 32 páginas só pude ler quatro. De modo que voltarei às minhas colocações.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Se V. Exª desejar poderemos considerar como lido.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço, mas o assunto que trato aqui deveria ser do interesse de todos.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - E é do interesse de todos. Toda palavra de V. Exª é do interesse da Casa.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço a sua ponderação.

Realmente, pretende colocar aqui a posição do Presidente Fernando Henrique Cardoso, diante do gravíssimo problema do caráter autoritário, despótico, ou democrático de nossas instituições.

De modo que, diante desse problema fulcral, agradeço a boa vontade de V. Exª mas, paulatinamente, dentro dos 20 minutos que me são dados, eu me inscreverei até o esgotamento do assunto e, espero, não no esgotamento total dos atentos ouvintes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/1997 - Página 6910