Discurso no Senado Federal

DISCUSSÃO SOBRE A POLEMICA DA PRIVATIZAÇÃO DAS FLORESTAS BRASILEIRAS. PAPEL DA AMAZONIA NO FORNECIMENTO MUNDIAL DE MADEIRA. PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO ATUAL SISTEMA DE USO E EXPLORAÇÃO DAS RIQUEZAS MADEIREIRAS NO BRASIL.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • DISCUSSÃO SOBRE A POLEMICA DA PRIVATIZAÇÃO DAS FLORESTAS BRASILEIRAS. PAPEL DA AMAZONIA NO FORNECIMENTO MUNDIAL DE MADEIRA. PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO ATUAL SISTEMA DE USO E EXPLORAÇÃO DAS RIQUEZAS MADEIREIRAS NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/1997 - Página 6941
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • DEFESA, PROJETO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), PRIVATIZAÇÃO, FLORESTA, AUTORIZAÇÃO, EXPLORAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, OBJETIVO, ELIMINAÇÃO, ECONOMIA INFORMAL, REFORÇO, SOBERANIA NACIONAL, SETOR.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, REGIÃO AMAZONICA, MERCADO INTERNACIONAL, MADEIRA, REDUÇÃO, PREÇO, TERRAS, REGIÃO, APREENSÃO, CONTROLE, FLORESTA, EMPRESA ESTRANGEIRA.
  • ANALISE, PROJETO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), AMBITO, MANEJO ECOLOGICO, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, EXPLORAÇÃO, MADEIRA, LICITAÇÃO, ACESSO, POSSIBILIDADE, FISCALIZAÇÃO, REDUÇÃO, PERDA, ALTERAÇÃO, PROCESSAMENTO, AGREGAÇÃO, VALOR.
  • DEFESA, INVESTIMENTO, FORMAÇÃO, MÃO DE OBRA, POLITICA INDUSTRIAL, BENEFICIAMENTO, MADEIRA.

O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o governo brasileiro pretende privatizar as florestas brasileiras. A proposta já causa polêmica entre os ambientalistas. A idéia de conceder em uso as florestas públicas é do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Dele é o projeto de "privatização" de 39 Florestas Nacionais-FLONAS, envolvendo cerca de 12,5 milhões de hectares em todo o País, das quais 24 estão localizadas na região Norte. Além das FLONAS, as Reservas Extrativistas somam mais de 2,3 milhões de hectares. Os Projetos de Assentamento Extrativista sob administração do INCRA, na região Amazônica, ultrapassam 1,0 milhão de hectares.

Existem, portanto, em poder do Estado, cerca de DEZESSEIS MILHÕES de hectares na Amazônia, oficialmente destinados ao uso direto.

O termo "privatização" não é bem aceito pelo Secretário de Desenvolvimento Integrado do Ministério de Meio Ambiente, Raimundo Deus-Dará, que diz: "...prefiro chamar de publicização das florestas o ato de transmitir as áreas de domínio público em florestas nacionais, que serão exploradas pela iniciativa privada".

Eufemismos à parte, é importante trazer a esta Casa a discussão de mais um capítulo de uma série infindável de privatizações: das rodovias, das ferrovias, dos portos, do setor de geração de energia, das telecomunicações, do setor petrolífero, da Vale do Rio Doce, à qual agora se acrescentará a das Florestas Nacionais. O projeto foi elaborado em parceria do Ministério do Meio Ambiente com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, e incluiu a Floresta Nacional de Tefé, no Estado do Amazonas, com uma área de 1,5 milhões de hectares.

Segundo a entrevista do Secretário Raimundo Deus-Dará, o projeto é mais abrangente, pois a Secretaria de Desenvolvimento Integrado, do Ministério de Meio Ambiente, estuda a possibilidade de tornar públicas áreas de terras devolutas ou arrecadadas pela União, em Florestas Nacionais, para a exploração madeireira e não-madeireira.

Ao analisarmos o crescimento do mercado de madeiras tropicais, a diminuição dos estoques nos países que tradicionalmente são produtores, vale dizer os países do Sudeste asiático, como a Malásia e a Indonésia, em confronto com a evolução do preço dessa matéria-prima no mundo, é fácil concluir a importância do papel que virá a desempenhar a Amazônia, na passagem do século.

A Amazônia brasileira dispõe, segundo estimativas acreditadas, um terço das florestas tropicais mundiais.A Pan-Amazônia, (o Brasil mais os países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica) concentra dois terços das florestas tropicais remanescentes do Planeta.

É importante assinalar, Senhor Presidente, que as terras no Brasil e, de modo particular, na Amazônia nunca tiveram preços tão baixos. Isso graças ao Plano Real, que levou o País ao controle da inflação, às mudanças recém-introduzidas no Imposto Territorial Rural-ITR, à pobreza da infra-estrutura da região, acrescidas das ameaças de invasões pelo Movimento dos Sem-Terra.

Desta forma, Senhor Presidente, é de esperar que o preço da terra caminhe para o patamar mais baixo da história econômica da Amazônia, que ensejou, no período de ouro dos incentivos fiscais, da SUDAM, a especulação e a prática de representar a terra mais uma reserva de valor do que um fator de produção.

Os controladores dos mercado de madeira, no mundo, os já referidos, Malásia e Indonésia, açambarcam cerca de 80% do mercado mundial, e movimentam US$10 bilhões por ano. Desde o final do ano passado, na grande imprensa nacional, noticia-se com freqüência que grupos multinacionais, como malaia WTK Corporation, estariam inundando a Amazônia com mirabolantes somas em dólares. Uma fonte informa da remessa de US$ 300 milhões da Ásia para o Estado do Amazonas.

Contudo, não seriam apenas os asiáticos que teriam o privilégio de tentar o controle da floresta amazônica, eles apenas chegaram primeiro. O IBAMA informa que, pelo menos, três outras empresas madeireiras estrangeiras já estavam operando: a Carolina (americana) e a alemã Ghetal, que produzem laminados e compensados, assim como a suíça Mil Madeira, que exporta madeira serrada, mogno e cedro.

Senhor Presidente, não é demais lembrar, que a atividade pública, derivada dos recursos federais, estaduais e municipais, figura em primeiro lugar na economia da região amazônica. Em segundo lugar, é o setor de base florestal, a produção de madeira, a mais importante atividade econômica. É, também, a principal fonte de geração de empregos, de renda e de arrecadação de tributos.

Essa informação diferencia-se bastante no caso do Estado do Pará que, no período janeiro/dezembro de 1996, segundo estatísticas dos valores de exportação (valor US$ FOB), coligidos pela Federação do Estado do Pará-FIEPA, de um total de US$2.117.178.431,00 as exportações de minério de ferro (hematita), US$ 696.209.458,00 somadas ao valores das exportações de alumínio não ligado,US$512.039.564,00 perfazem 57% do total. Enquanto isso, os valores totais para exportações de madeira alcançavam US$300.860.137,00 que somados aos valores das exportações de pasta química de madeira, US$91.903.541,00 perfaziam 18,5% do valor global das exportações paraenses. 

A importância que assinalamos para a produção de madeira é válida para todos os Estados da Amazônia, além de residir no setor um forte potencial de crescimento. A importância é para o mercado externo, que ainda é inexpressivo, visto que atinge apenas 4% do mercado mundial, mas adquire relevância como supridor do mercado interno. A Amazônia, hoje, é supridora de 90% do mercado interno, das madeiras tropicais.

Para que a Amazônia possa tornar efetivos e utilizáveis as riquezas madeireiras de que potencialmente dispõe, como uma dádiva da natureza, é importante e indispensável que o atual sistema de uso e exploração seja modificado, com profundidade. Essa é a justificativa para que o Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA, em trabalho conjunto, estejam elaborando estudos, planos e projetos para operacionalizar regimes de acesso a áreas florestais públicas.

Essa proposta, Sr. Presidente, não é nenhuma inovação. Trata-se de pôr em prática sistema já adotado em vários países com larga tradição de exploração florestal, como o Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia. Objetiva, dar maior racionalidade e efetividade ao uso e controle da produção e ao controle dos estoques. Dessa forma, ficaria assegurada continuidade ao suprimento do mercado de produtos florestais e maior garantia de sustentabilidade no uso desses recursos.

O primeiro pressuposto fundamental a considerar, é o controle ao acesso do recurso, via fiscalização técnica, de monitoramento seletivo, controle efetivo, de forma que a quantidade (volume) da madeira colocada no mercado seja feita de maneira gradativa, para assegurar preço e sustentabilidade. É importante, igualmente, que as florestas públicas possam ser acessadas mediante exploração organizada. Com isso, criar-se-á uma escassez relativa ( a madeira, como qualquer outro bem, precisa ser escassa para ser valorizada) e serão formados estoques estratégicos capazes de regular as alterações da demanda.

O segundo pressuposto é obter a definição de um instrumento legal/normativo que possibilite a garantia do acesso às florestas. Este segundo pressuposto deverá ser objeto de uma ampla e democrática discussão, sem contudo transformar a discussão num número infinito de grupos de trabalhos, comissões, mesas redondas,etc. É importante que as discussões sejam balizadas pela objetividade.

Os países já mencionados, com forte tradição florestal, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia, para a implantação de mecanismos de acesso, trabalham com prazos que variam de 20 a 40 anos. Em alguns outros países no mundo, os prazos vão de 50  até 100 anos. Essa prática implica em introduzir distorções, com empresas ou empresa adquirindo a exclusividade do controle das florestas. O Poder Público fica manietado, com poucos mecanismos para reorientar a concessão.

Nos Estados Unidos, o sistema público responsável por esse serviço movimenta cerca de 30 mil pessoas, vinculadas ao Departamento Florestal; dos 100 milhões de hectares sob domínio público, 40 milhões são de Florestas Nacionais.

No Brasil, Sr. Presidente, apenas 12,5 milhões de hectares são de Florestas Nacionais-FLONAS. Na Amazônia existem 5.060.000 km2, ou seja, QUINHENTOS E SEIS MILHÕES DE HECTARES de florestas. Uma área, de tais proporções, dotada de uma infra-estrutura precária ou inexistente, mesmo com o emprego de modernos rastreadores e satélites, não pode ser completamente vigiada e, muito menos ainda, mantida intocável, para a preservação ambiental

É muito importante, indispensável mesmo, que as Florestas Públicas brasileiras passem a ser utilizadas de forma sustentável, sem sua destruição, que a ninguém beneficia, deixando apenas o rastro do saque.

A prática, hoje adotada no Brasil, é a de fazer licitação, inclusive com as Florestas Nacionais. Para uma empresa acessar os recursos das Florestas Nacionais-FLONAS é preciso ganhar uma licitação; esta prática está em uso apenas nos Estados do Sul do País. Ocorre que a empresa licitante ganhadora tem direito de acesso ao recurso florestal, apenas uma vez, por licitação. Esta prática não oferece segurança à empresa, para que esta programe e efetive investimentos indispensáveis.

Assim, Senhor Presidente, para ajudar o controle e torna-se desenvolvimento do papel social da atividade madeireira, é necessária uma ampla discussão do instrumento de acesso. É preciso que se diga que as autoridades do Ministério do Meio Ambiente, ou do IBAMA, não dispõem de fórmulas prontas. É preciso que se encontre um meio-termo entre os prazos muito curtos hoje praticados, e os prazos muito longos postos em prática em países tradicionais da utilização do acesso privado às florestas públicas.

É preciso, ainda, que seja mudado o perfil da indústria de processamento de madeira na região Amazônica, que opera com desperdícios de até 70%, segundo informações do IBAMA, e que ajuda a reforçar a lógica da superabundância, que resulta na desvalorização da matéria-prima. Por outro lado, é indispensável que se comece a praticar maior agregação de valor ao produto madeireiro, na região Amazônica, o que resultará em mais empregos e mais benefícios para a sociedade, que a exportação pura e simples exportação de madeira bruta, não-elaborada, não tem condições de proporcionar.

É fundamental, Sr. Presidente, que se façam investimentos maciços na base industrial do setor madeireiro. Além do acesso à matéria-prima, deve-se reduzir os desperdícios, tanto no processo de exploração, quanto no processamento. O corte das árvores deve seguir uma ação planejada: O manejo florestal, rodízio de áreas que permitam regeneração natural e o replantio.

Investir em capacitação dos recursos humanos deve ser uma política a ser adotada. Quanto mais qualificada a mão-de-obra que opera no processo de exploração e beneficiamento da madeira, mais possibilidades far-se-ão sentir nos resultados finais. Hoje, a mão-de- obra é de pobre qualificação; muitos operadores não sabem sequer trabalhar corretamente com moto-serras.

Como já foi referido, Sr. Presidente, pretende-se que a indústria madeireira exporte produtos beneficiados, de sorte que nos países importadores recebam somente acabamento final. Pergunta-se: por que não começar um trabalho para vender produtos acabados e de qualidade?

A madeira tropical é transformada em objetos sofisticados (painéis, móveis, portas,etc.) com acabamento de primeira qualidade. Pouco adianta entregar-se, no pátio da indústria, madeira produzida com qualidade, se ela for maltratada dali para a frente. É imprescindível criar um conjunto de instrumentos tecnológicos, de capacitação de mão-de-obra, de investimentos, que são essenciais para uma política florestal global.

A organização da atividade madeireira carece passar por um processo de reorganização. Como fazê-lo? Há um conjunto de propostas, uma das quais será a contratação de uma empresa privada, mediante licitação, para planejar a exploração, fazer o inventário florestal, definir a necessidade de infra-estrutura e elaborar o planejamento básico. A partir daí, estabelecer-se-á qual o estoque acessível e em quanto tempo poderá ser explorado para ser renovado num manejo sustentável.

Ao Governo caberá a gestão e o controle do sistema, podendo interferir no processo, quando for constatado qualquer desvio por parte do setor privado que bancou o investimento. É importante lembrar que as concessões podem ser cassadas, pelo não-cumprimento das regras estabelecidas, entre as quais se inclui o pagamento do direito de exploração.

O IBAMA, preliminarmente, pretende orientar as Florestas Nacionais existentes dentro de um raio econômico de exploração, para que produzam madeira. Pretende o IBAMA neste ano, colocar pelo menos quatro Florestas Nacionais a produzir madeira na região e, ainda fazer com que outras, que despertam interesse privado, possam ser abertas com a mesma finalidade.

O objetivo final é o de esvaziar o esforço de exploração madeireira que se faz de forma informal, numa enorme dispersão geográfica e, ilegalmente, em extensas áreas devolutas. A passagem dessa forma de explorar para um processo sustentável, e sobre o qual a sociedade tenha ciência clara de onde a madeira sai e em que condições é produzida.

Os estudiosos e planejadores do Ministério do Meio Ambiente e do IBAMA, entendem que o sistema sob proposta, terá que controlar mais de 50% das áreas exploráveis de madeira, na Amazônia, dentro do perímetro que está sendo denominado de "raios econômicos", envolvendo terras da União, dos Estados e dos Municípios. Isso significará ter o controle sobre 30 a 40 milhões de hectares de florestas, o que poderá funcionar como uma sinalização ao mercado mundial, de que o Brasil está cuidando de suas reservas, podendo transformar-se em supridor bem organizado da matéria-prima.

Com estas informações, Sr. Presidente, pode-se perceber que a iniciativa do Governo Federal está longe de ser o que se noticiou, de forma equivocada, ou seja de que estaria encaminhando um plano de "privatização das Florestas Nacionais do Brasil". O Governo não pretende vender as FLONAS para a iniciativa privada. A proposta é exatamente o contrário, isto é, a ampliação das áreas de florestas sob o domínio público e sua delimitação como áreas sujeitas à exploração florestal, comercial, no País.

Em Reunião da Comissão de Desenvolvimento da Amazônia, do Senado Federal, realizada no dia 6 de março último, sob a Presidência do Senador Nabor Junior (PMDB-AC), o Presidente do IBAMA Dr.Eduardo Martins, anunciou que a Floresta Nacional do Jamari, em meu Estado Rondônia, deverá ser uma das primeiras FLONAS a ser colocada ao acesso privado. Em um próximo pronunciamento, Sr. Presidente, pretendo trazer a esta Casa alguns detalhes da FLONA do Jamari e de como o Setor de Base Florestal e a Federação das Indústrias do Estado de Rondônia estão se posicionando em relação a essa importante medida. É preciso, porém, que o tema seja discutido amplamente na sociedade. Importa, também, que os instrumentos de concessão de uso permitam um controle rígido sobre um recurso que se tornará cada vez mais escasso na economia mundial, e que não pode ser utilizado de forma predatória pelo capital internacional das madeireiras asiáticas, americanas ou européias.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/1997 - Página 6941