Discurso no Senado Federal

DENUNCIANDO ACORDO FECHADO ENTRE UM REPRESENTANTE DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, O GOVERNADOR DO ESTADO DO PARA, SR. ALMIR GABRIEL, O PREFEITO E O PRESIDENTE DA CAMARA MUNICIPAL DE CURIONOPOLIS, VISANDO A SAIDA DOS GARIMPEIROS REMANESCENTES DE SERRA PELADA. PROCEDIMENTOS DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PARA A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. IMPORTANCIA ECONOMICO- SOCIAL DE SERRA PELADA. LAMENTANDO A OPOSIÇÃO DE PARLAMENTARES QUE ACUMULAM APOSENTADORIAS A FIXAÇÃO DE TETO SALARIAL PARA O SERVIÇO PUBLICO.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL. REFORMA ADMINISTRATIVA.:
  • DENUNCIANDO ACORDO FECHADO ENTRE UM REPRESENTANTE DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, O GOVERNADOR DO ESTADO DO PARA, SR. ALMIR GABRIEL, O PREFEITO E O PRESIDENTE DA CAMARA MUNICIPAL DE CURIONOPOLIS, VISANDO A SAIDA DOS GARIMPEIROS REMANESCENTES DE SERRA PELADA. PROCEDIMENTOS DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PARA A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. IMPORTANCIA ECONOMICO- SOCIAL DE SERRA PELADA. LAMENTANDO A OPOSIÇÃO DE PARLAMENTARES QUE ACUMULAM APOSENTADORIAS A FIXAÇÃO DE TETO SALARIAL PARA O SERVIÇO PUBLICO.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/1997 - Página 6627
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL. REFORMA ADMINISTRATIVA.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, ACORDO, PARTICIPAÇÃO, REPRESENTANTE, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), ALMIR GABRIEL, GOVERNADOR, ESTADO DO PARA (PA), OSMAR RIBEIRO DA SILVA, PREFEITO, MUNICIPIO, CURIONOPOLIS (PA), PRESIDENTE, CAMARA MUNICIPAL, REFERENCIA, INDENIZAÇÃO, GARIMPEIRO, DISTRITO, SERRA PELADA.
  • CRITICA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO FEDERAL, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), ADOÇÃO, MEDIDAS COERCITIVAS, IMPOSIÇÃO, GARIMPEIRO, DISTRITO, SERRA PELADA, OBRIGATORIEDADE, SAIDA, AREA, GARIMPAGEM, PREJUIZO, POPULAÇÃO, LOCAL.
  • CRITICA, REALIZAÇÃO, ACORDO, OBJETIVO, EXPULSÃO, GARIMPEIRO, DISTRITO, SERRA PELADA, ESTADO DO PARA (PA), PARTICIPAÇÃO, AUTORIDADE, AUSENCIA, TRABALHADOR, AREA, GARIMPAGEM, DESRESPEITO, POPULAÇÃO, PREJUIZO, FAMILIA, REGIÃO.
  • CRITICA, PRETENSÃO, CONGRESSISTA, MAGISTRADO, IMPEDIMENTO, APROVAÇÃO, REFORMA ADMINISTRATIVA, MOTIVO, ESTABELECIMENTO, LIMITAÇÃO, SALARIO, ACUMULAÇÃO, APOSENTADORIA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco\PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a um tema já bastante discutido nesta Casa. Normalmente há repercussão quando fazemos denúncias extremamente graves sobre o que acontece em nosso País.

O discurso que fiz aqui na semana passada, exatamente na quinta-feira, sobre as barbaridades que estavam sendo cometidas contra os garimpeiros de Serra Pelada pela Companhia Vale do Rio Doce e pelo Governo do Estado do Pará, fez com que algumas das medidas que deveriam ser tomadas contra os garimpeiros fossem modificadas e o Governo decidiu religar a energia em Serra Pelada e chamou algumas lideranças para discutir a questão.

Em Belém, reuniram-se o Governador do Estado do Pará, Almir Gabriel, o representante da Companhia Vale do Rio Doce, David de Araújo Leal, o Sr. Osmar Ribeiro da Silva, Prefeito de Curionópolis, e o Presidente da Câmara Municipal de Curionópolis. É impressionante que esses senhores - e o Prefeito de Curionópolis foi eleito por nós, com a nossa ajuda, com o nosso apoio, com o apoio dos garimpeiros de Serra Pelada - tenham se reunido em Belém e chegado a um acordo com a Companhia Vale do Rio Doce, que envolve essencialmente a vida dos garimpeiros de Serra Pelada, sem que os tenha consultado. Ninguém foi ouvido, nenhum garimpeiro foi escutado e decidiram algumas coisas que são verdadeiros absurdos.

O documento que fecha a proposta - gostaria que fosse inserido nos Anais do Senado - diz o seguinte:

      "Considerando a premissa de que a CVRD não despenderá recursos para o desmonte dos chamados "barracos novos" - são as casas que foram construídas de dois anos para cá;

      "Considerando que a CVRD subentende a retirada destes como condição para a retomada das negociações" - e retomada das negociações significa indenizar o restante dos garimpeiros das suas casas para que eles, definitivamente, saiam de Serra Pelada;

      "Considerando a proposta do prefeito e dos vereadores de Curionópolis de que as ações de desativação dos "barracos novos" e a indenização e desativação dos barracos velhos podem acontecer de forma paralela, nos termos a seguir apresentados, propõe:

      1) Criar uma comissão com representantes da Prefeitura Municipal de Curionópolis, do Poder Legislativo do Estado do Pará, das igrejas, dos garimpeiros, do Executivo Estadual e da CVRD;

      A comissão terá como objetivos:

      1) Acompanhar os estudos referentes ao cadastro original feito pela CVRD com o objetivo de avaliá-lo, compará-lo com a relação dos já indenizados e definir os verdadeiros clientes da indenização;

      2) Definir os critérios para a avaliação das benfeitorias;

      3) Criar mecanismos, com a CVRD, para garantir a lisura do processo de indenização;

      4) Apresentar o planejamento da operação de deslocamento dos garimpeiros de Serra Pelada para as cidades de Curionópolis, Eldorado dos Carajás, Parauapebas e também para a Ferrovia" - e, colocados nas ferrovias, só Deus sabe aonde irão parar esses garimpeiros.

      "5) Sugerir procedimentos que garantam a fiscalização do processo migratório que vem ocorrendo em Serra Pelada;"

E olhem o absurdo da proposta:

      "6) Criar instrumentos que impeçam outras construções, com o objetivo específico de receberem privilégios".

Ora, quem vai determinar se outra construção tem ou não o objetivo específico de receber privilégios?

Serra Pelada é um distrito legalmente constituído; a Cooperativa dos Garimpeiros tem poderes absolutos para dar a quem quiser qualquer terreno para que nele possa construir. Como é que essas pessoas podem agora se arvorar no direito de decidir sobre o destino daquela gente?

E eles estabelecem um prazo de 90 dias para o encerramento da desmobilização dos garimpeiros de Serra Pelada.

É impressionante a capacidade dessa empresa de comprar pessoas! É impressionante a capacidade dessa empresa de, buscando o seu objetivo, atender ao interesse do Presidente da República de privatizá-la a qualquer custo, fazer o que ele está fazendo! E como ela não pode reunir-se com os garimpeiros, reúne-se com lideranças políticas, corrompendo-as, convencendo-as e submetendo-as às suas determinações e desejos.

Lamento profundamente que o Prefeito de Curionópolis esteja a participar desse acordo e a concordar com ele. Os garimpeiros de Serra Pelada não foram ouvidos, nem cheirados, nem escutados. Como se decide sobre o destino dos outros sem lhes dar oportunidade de dizer o que pensam e o que querem fazer de suas próprias vidas? É um verdadeiro absurdo o que estamos a assistir!

Eles não querem sair de lá. E é evidente que esse acordo, feito pelo Governador do Estado, que deve estar contrariado com as denúncias que fiz contra ele neste Senado da República, agora tenta, atendendo aos interesses da Vale do Rio Doce, dar alguma solução para o problema. Eles não vão encontrar solução, porque na hora em que chegarem com essas propostas às bases, lá em Serra Pelada, vão encontrar resistência.

Entendo ser um verdadeiro crime o que o Governo Almir Gabriel e o Governo Fernando Henrique Cardoso estão fazendo com essa gente. Serra Pelada deveria ser tombada como patrimônio histórico da Nação brasileira. Serra Pelada representa uma fase da nossa História. São dezessete anos de existência! Há pessoas que estão lá há dezessete anos. Esse garimpo representou uma mudança na economia do sul do nosso Estado. O Brasil inteiro sabe o que foi e o que é Serra Pelada, que é conhecida no mundo inteiro.

A forma excepcional como se deu a exploração daquela riqueza mineral é uma coisa que deveria ser preservada para o resto da vida. O que a Vale do Rio Doce deveria fazer era indenizar esses garimpeiros, criando, à margem do Projeto Serra Leste, o projeto de matriz social que ela, quando não estava protegida pelas Forças Armadas e pela Polícia Militar do Estado do Pará, falava que faria. O tal projeto de matriz urbanizaria Serra Pelada; criaria, em volta de Serra Pelada, uma espécie de colônia agrícola; daria emprego no Projeto Serra Leste aos garimpeiros de Serra Pelada; pagaria aos garimpeiros royalties pela exploração dessa quantidade imensa de ouro que já lá existe, e que, segundo anunciou Fernando Henrique, são 150 toneladas - entretanto, já se fala hoje em 450 toneladas exclusivamente naquela reserva.

Se a Vale do Rio Doce, se o Governo brasileiro tivesse o mínimo de decência, o mínimo de coerência, o mínimo de respeito pelo cidadão humano, o que ele deveria fazer era isso.

Os garimpeiros estão pedindo 10% de royalties sobre a produção do ouro. É um pedido justo, um pedido até pequeno, muito aquém de seus direitos. Mas a Vale não quer nem ouvir falar em direito minerário para garimpeiro. Ela quer simplesmente banir da face do território do Estado do Pará o distrito legalmente construído de Serra Pelada.

Creio que nós ainda haveremos de ver essa novela por muito tempo. Esses homens têm uma força impressionante. Perseguidos, massacrados, eles resistem. Eu, às vezes, me pergunto como resistem tanto. Mas eles resistem! E o Governo não vai conseguir, com esse acordo, extinguir Serra Pelado do mapa do Estado do Pará.

Esses cidadãos não aceitarão o que foi combinado entre o Governador Almir Gabriel, a direção da Companhia Vale do Rio Doce e os garimpeiros de Serra Pelada. Tenho certeza de que haverá resistência a essa proposta, mas creio que, por mais que passe o tempo, alguma solução que faça justiça ainda poderá vir. Quem sabe até depois da privatização da Companhia Vale do Rio Doce!... Porque até lá, tenho certeza, não conseguirão tirar esses homens daquela área.

Quero homenagear essas pessoas pela sua coragem, pela sua bravura, pela sua resistência, pela sua indignação e pela sua revolta. É assim que se constrói este País.

Dito isso, Sr. Presidente, mais uma vez quero lamentar também a posição das Lideranças que respaldam o Governo no Congresso Nacional. Tais Lideranças já declaram que estão cedendo à pressão da bancada parlamentar do Congresso Nacional. Estes, além do salário de Senador ou de Deputado Federal, percebendo, portanto, R$8 mil, acumulam duas ou três aposentadorias do serviço público. Essa bancada é formada de 149 parlamentares. Portanto, como alguns estão angariando salários que chegam a R$28 mil por mês, resistem a votar a reforma administrativa, que estabelece um teto máximo de salário de R$10.800,00 mensais.

A base governista, os parlamentares que dão sustentação ao Governo Fernando Henrique Cardoso, os Líderes do PMDB, do PSDB, do PFL, já manifestaram posição favorável em ceder às pressões desses parlamentares; não só desses parlamentares, mas de autoridades ligadas ao Judiciário, que também gozam dessas mordomias e não admitem um limite, um teto salarial de R$10.800,00 por mês.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço V. Exª com prazer.

A Srª Marina Silva - V. Exª está tratando do acúmulo de aposentadorias. Está tramitando, nesta Casa, um projeto de minha autoria que acaba com a duplicidade - e no caso, aí, alguns chegam a ter mais de duas aposentadorias - em todas as esferas. Sei o quanto é a drenagem dos recursos públicos para esse tipo de aposentadoria. Existem várias pessoas que percebem como senadores, como ex-governadores, como ex uma série de coisas. Para mim, o correto é que essas pessoas façam uma opção por uma forma de remuneração e que não se permita esse tipo de manobra para aumentar as receitas individuais e subtrair as receitas públicas para os investimentos necessários na saúde, na educação, naquilo que é fundamental para o País. Meu projeto está sendo relatado pelo Senador Roberto Requião, que tem se empenhado nessa questão. Lamentavelmente, também o projeto, tratando desse ponto específico, não consegue tramitar, não sei em função do quê. Mas, além da reforma administrativa que institui o teto, que V. Exª se referiu, de R$10 mil, como o salário mais elevado para o serviço público, também tramita nesta Casa um projeto que acaba com o acúmulo de aposentadorias. Ou seja, aquele que estiver recebendo algum tipo de remuneração pela função pública terá que optar, necessariamente, por umas das formas de remuneração. Concordo inteiramente com V. Exª, que se constitui um prejuízo para a Nação e até mesmo uma situação desagradável a situação atual. Tive a oportunidade de participar de um debate em que estava o Ministro da Previdência, no meu Estado, e S. Exª falava exatamente do quanto o Estado brasileiro vem sendo drenado nas suas finanças em função dessas manobras e como as aposentadorias indevidas - porque eu as considero indevidas - têm contribuído muito para isso. Obrigada.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço, Senadora Marina Silva. Quero ver agora onde vamos encontrar a decência do Governo, porque o seu papel, neste momento, seria informar à opinião pública brasileira a razão dessa absurda resistência; somar-se a todos aqueles que compreendem a necessidade de se estabelecer esse limite; ganhar a opinião pública e forçar esses parlamentares, esses ministros, desembargadores de tribunais do Poder Judiciário neste País a recuarem da sua posição e apoiarem essa reforma administrativa.

O que vemos no Brasil é um verdadeiro descalabro. O Brasil é um país que está errado sob todos os aspectos, a começar pelas diferenças salariais que aqui existem. É inacreditável que tenhamos essa diferença como uma questão legal. Dez mil e oitocentos reais significam praticamente cem vezes o salário mínimo de R$112,00. Em qualquer país europeu a diferença maior que existe dentro da política salarial é de um para dez. Em nenhum país europeu um funcionário público ganha dez vezes mais do que o outro, ainda que ele seja o presidente da República ou o primeiro-ministro. Existem países onde o nível de formação, o nível cultural do povo é tamanho que a justiça social chega a ser muito forte, como a Suécia, onde a diferença salarial maior que existe é de um para três; um primeiro-ministro da Suécia ganha três vezes o que ganha aquela pessoa que apanha o lixo nas ruas daquele país. Aqui, no nosso, são cem vezes mais, cem salários mínimos, e ainda há aqueles que são contra esse tipo de limitação. É um verdadeiro absurdo aceitar esse tipo de coisa.

Espero que o Governo não ceda a isso, embora já percebamos claramente que as lideranças políticas que lhe dão sustentação já estão buscando uma alternativa para ceder a essa pressão de ministros dos tribunais de justiça do País e de parlamentares que gozam aposentadorias especiais, somando salários astronômicos, pagos com recursos advindos dos impostos que a Nação brasileira paga.

Era esta a minha manifestação, esperando que o Governo tenha a decência de resistir na sua posição, mantendo o limite máximo de R$10.800,00 para os salários.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/1997 - Página 6627