Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 25/03/1997
Discurso no Senado Federal
REPERCUSSÕES DO PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, NA CERIMONIA DE POSSE DO CONSELHO CONSULTIVO DO PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA, ATRAVES DA INTRODUÇÃO DO VOCABULO NEOBOBISMO. QUADRO DEMONSTRATIVO DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL. NECESSIDADE DA ADOÇÃO DE CRITERIOS MAIS NACIONAIS DE ATAQUE A MISERIA, QUE NÃO SEJA APENAS PELA CONCESSÃO DE CESTAS BASICAS A POPULAÇÃO. INEXISTENCIA NO PAIS DE UM PROGRAMA UNIVERSAL DE DIREITO A RENDA MINIMA.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
- REPERCUSSÕES DO PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, NA CERIMONIA DE POSSE DO CONSELHO CONSULTIVO DO PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA, ATRAVES DA INTRODUÇÃO DO VOCABULO NEOBOBISMO. QUADRO DEMONSTRATIVO DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL. NECESSIDADE DA ADOÇÃO DE CRITERIOS MAIS NACIONAIS DE ATAQUE A MISERIA, QUE NÃO SEJA APENAS PELA CONCESSÃO DE CESTAS BASICAS A POPULAÇÃO. INEXISTENCIA NO PAIS DE UM PROGRAMA UNIVERSAL DE DIREITO A RENDA MINIMA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/03/1997 - Página 6575
- Assunto
- Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, INCOERENCIA, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, SOLENIDADE, POSSE, CONSELHO CONSULTIVO, PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA, CRITICA, POLITICO, OPOSIÇÃO, GOVERNO.
- DEMONSTRAÇÃO, SITUAÇÃO, DISPARIDADE, RENDA, DESIGUALDADE SOCIAL, INEXISTENCIA, TOTAL, ACESSO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, BRASIL.
- DEFESA, PROGRAMA, RENDA MINIMA, FORMA, RACIONALIZAÇÃO, CRITERIOS, COMBATE, MISERIA, POBREZA.
O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, o Presidente da República, na cerimônia de posse do Conselho Consultivo do Programa Comunidade Solidária, fez pronunciamento que teve repercussão, sobretudo em virtude da introdução de nova palavra no vocabulário brasileiro. Não que ela exista no Aurélio, mas, como o Presidente a usou, talvez venha a fazer parte dos novos dicionários da língua portuguesa.
Passo a ler o parágrafo conclusivo dito ontem pelo Presidente:
"E para concluir, e digo isso é opinião de todos, na área da Fazenda também, não será através do mercado que isso se resolve, será através dessa soma de esforços que se edificam, aí sim, a partir de bases sólidas do mercado, mas que tem de ser muito mais do que só o mercado, e só quem não tem nada na cabeça é que fica repetindo que o governo só se preocupa com o mercado, que é neoliberal. Eu já disse isso uma vez, isso é neobobismo".
Ora, o que será "neobobismo"? Aqui está a explicação do Presidente Fernando Henrique, que está se referindo àqueles que criticam o Governo por levar adiante uma política qualificada de neoliberal.
A palavra neoliberal também não está no Aurélio e nos dicionários modernos da língua portuguesa. Eu mesmo tenho algumas restrições ao sentido da palavra, tão utilizada por pessoas no espectro político, na esquerda. Já ouvi, por exemplo, líderes dos mais diversos Partidos, do centro à esquerda, criticarem o que seria a política neoliberal; já ouvi o Presidente Fidel Castro, de Cuba, e outros Líderes internacionais criticarem o que seria a política neoliberal, mas tenho algumas dúvidas sobre o sentido completo dessa palavra. De alguma forma, poderia significar que política neoliberal é aquela levada adiante por quem avalia que os instrumentos de mercado seriam suficientes para resolver toda a problemática de desenvolvimento socioeconômico de um país. Mas essa palavra, de fato, tem que ser analisada criticamente.
Primeiro, se alguém quiser se referir ao liberalismo no sentido da língua e da tradição anglo-saxônicas, precisa levar em conta que a palavra liberal, em inglês, tem o sentido justamente do que significaria progressista. Nos Estados Unidos, os que são qualificados como liberais são, sobretudo, os democratas mais avançados, que se contrapõem aos republicanos mais conservadores.
Então, o que é exatamente o neoliberalismo? Seria alguma forma de se qualificar o sentido de uma política econômica? Muito mais do que estarmos falando em neoliberalismo ou em "neobobismo", seria próprio irmos ao cerne da política econômica e de seus resultados.
Será que os resultados nos campos econômico e social do Governo de Fernando Henrique Cardoso podem ser considerados como muito adequados? Será que os resultados decorrentes da coordenação de esforços do Conselho da Comunidade Solidária podem realmente ser considerados como satisfatórios? Pois, por melhor que sejam as intenções da Senhora Primeira-Dama, Ruth Cardoso, por mais meritórios que sejam os programas abraçados e coordenados pelo Conselho da Comunidade Solidária, estes, até agora, não conseguiram reverter a natureza do sistema socioeconômico de desenvolvimento excludente que caracteriza a economia brasileira. E podemos utilizar os próprios dados do IBGE para constatar que o Brasil continua sendo um dos campeões mundiais da desigualdade socioeconômica.
Aqui tenho este quadro demonstrativo da desigualdade da renda no Brasil, no qual organizei a evolução da participação na renda dos 10% mais pobres, dos 10% mais ricos e, depois, dos 10% mais ricos em relação aos 40% mais pobres no Brasil. Gostaria de assinalar que, acompanhando alguns desses dados, podemos observar que sua evolução é claramente no sentido de ainda termos, no Brasil, uma situação de alta concentração da renda e da riqueza.
Em 1986, ano do Plano Cruzado, a relação da participação na renda dos 10% mais ricos, com respeito à participação na renda dos 40% mais pobres, era de 4,8%, ou seja, a parcela dos 10% mais ricos era 4,8 vezes maior do que a dos 40% mais pobres.
Nos anos seguintes, a renda concentrou-se mais ainda. O referido indicador alcançou 6,1% em 1990; 6,5% em 1993 e chegou ao máximo de 7,2% em 1994. Bem, o que aconteceu nos últimos dois anos será algo tão brilhante assim?
Os efeitos do Plano Real se fizeram sentir, sobretudo em 1995, quando o indicador caiu significativamente de 7,2%, em 1994, para 6,4, em 1995. Mas voltou a aumentar, ainda que moderadamente, em 1996, situando-se no nível de 6,5%. Portanto, os índices para 1995 e 1996 são praticamente iguais aos de 1993, e o índice de 1996, repetindo, de 6,5%, é pior do que todos os resultados observados no Brasil entre 1985 e 1992.
A despeito do Plano Real, a distribuição da renda em 1995 ainda era pior do que em 1990, ano marcado por uma hiperinflação aberta, no primeiro trimestre, e pela recessão provocada pelo Plano Collor, no segundo e terceiro trimestres.
Portanto, será possível o Presidente Fernando Henrique Cardoso avaliar seu plano como adequado, positivo? Poderá Sua Excelência estar tão entusiasmado com a situação socioeconômica brasileira, a ponto de estar criticando aqueles que avaliam como inadequados os seus esforços para melhorar a distribuição da renda?
Vejamos alguns trechos do pronunciamento do Presidente Fernando Henrique Cardoso:
"Todos os nossos programas são de cunho universalista no Governo. Evidentemente, um programa piloto não pode ser universalista. É uma área, até porque há áreas onde há problemas emergentes, que têm que ser enfrentados. É natural que assim seja, mas a orientação da política social tem que ser de cunho universal: educação, saúde, habitação, saneamento, renda mínima, assistência social."
Sua Excelência aqui fala como se o Programa de Garantia de Renda Mínima fosse já de caráter universal.
Diz o Presidente:
"O Governo está gastando mais na área de cesta básica. Dobramos o número de cestas básicas, de 3,5 milhões eu creio, para 7 milhões, algo assim."
Disse o Presidente que está gastando menos com cesta básica, mas distribuindo um maior número delas.
Aqui, há um aspecto importante que gostaríamos de analisar com os responsáveis pelo Governo, com os seus Ministros, com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, a fim de sabermos se realmente a sistemática de distribuição de cestas básicas é a mais racional.
Já expressei, inúmeras vezes, a minha opinião de que a distribuição de cestas básicas - que justamente no ano de 1996 ganhou um grande impulso, mais precisamente nos meses de julho, agosto, setembro, outubro, às vésperas das eleições, e em novembro, durante o segundo turno das mesmas - não é a forma de se conceder maior grau de cidadania.
É preciso que passemos a adotar critérios mais racionais de ataque à miséria e pobreza.
Diz o Presidente:
"Mas não há dúvida nenhuma de que, nessas áreas que mencionei, o Governo vai, não é que vai gastar mais, vai oferecer crescentemente mais à sociedade, porque o País tem consciência das suas deficiências, que são gritantes na área social, e, portanto - estou de pleno acordo -, queiramos ou não, e nós queremos, o País exige um esforço maior na reforma agrária, na educação, na educação de base, na questão da extensão da merenda escolar, na questão de livros escolares, na melhoria do atendimento da formação do professorado. Exige mais no seu elemento básico, em água, etc."
Sobre isso não tenho discordância.
Aí o Presidente faz menção ao projeto de renda mínima nos seguinte termos:
"Quando a Ruth - o Presidente está se referindo à Primeira-Dama - disse aqui que a comunidade discutiu reforma agrária, discutiu renda mínima, é para isso mesmo, é para criticar. Renda mínima, nós temos um grande programa de renda mínima que é o programa na Secretaria de Assistência Social, na Previdência Social, onde nós estamos atendendo quantas pessoas, Ministro? - Acho que ele estava consultando algum Ministro - Centenas de milhares. Um milhão e meio de pessoas, quer dizer, o que significa dar uma renda mínima àqueles que não contribuíram, mas têm direito a renda mínima porque têm de sobreviver. Isso já existe no Brasil. Freqüentemente eu vejo a discussão: precisamos criar um programa de renda mínima. Mas, meu Deus, já existe, e existem outros, nos municípios, juntando a essa idéia, a idéia de incentivo educacional, que é muito importante e tem de continuar e tem de difundir."
Ora, Sr. Presidente, Senador Levy Dias, V. Exª já sabia que existe em todo o Brasil, com caráter praticamente universal, o projeto de garantia de renda mínima? "Mas, meu Deus, já existe", diz o Presidente.
Vamos por partes. Parece que o Presidente pelo menos abraçou a idéia do programa de renda mínima, e quero aqui cumprimentá-lo; Sua Excelência coloca como algo extremamente positivo, que merece constar de seu pronunciamento, como já existente. Menciona também que há um milhão e meio de pessoas que estão sendo beneficiadas com o referido projeto de renda mínima. Ora, penso que o Presidente exagerou. O demonstrativo do quantitativo dos programas de benefício aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência, beneficiárias da renda mensal vitalícia e do benefício de prestação continuada no mês de janeiro de 1997, segundo os dados do Ministério da Previdência e da Secretaria de Assistência Social é um pouco mais modesto do que o anunciado ontem pelo Presidente.
Em janeiro de 1995, os benefícios de prestação continuada foram de 45.523; renda mensal vitalícia, 264.975; totalizando 310.498. Pessoas portadoras de deficiência e inválidas com benefício de prestação continuada, 339.630 mais 447.464 com renda mensal vitalícia. Total, 767.984. Então, idosos mais pessoas portadoras de deficiência e inválidos, isso totaliza 1.097.592. Portadores de deficiência e idosos pertencentes a famílias carentes com uma remuneração média menor do que um quarto de salário mínimo têm direito a receber um salário mínimo e já chegam a 1.097.
Obviamente, isso é um passo. Mas o que temos aqui propugnado, quando defendemos o direito de todas as pessoas em partilharem minimamente da riqueza nacional é justamente prover-se de forma universal, como, aliás, aceita o Presidente, de que todos os programas educacionais de saúde, programas que visem garantir a cidadania, devem ser universais. Isso pregamos há tempos. Conquistamos, certa vez, o voto do próprio Presidente. Se o Presidente já abraçou a idéia no sentido de considerá-la positiva, é preciso que Sua Excelência, de forma inteligente e à altura de seu extraordinário conhecimento e inteligência, venha reconhecer que ainda não temos um programa universal de direito à renda mínima, e que esse projeto está ainda por ser apreciado e votado na Câmara dos Deputados. Está agora no Senado Federal, uma vez que, naquela Casa, aprovou-se um projeto modesto, resultante do projeto do Deputado Nelson Marchezan, que ganhou um substitutivo do Deputado Osvaldo Biolchi, do PTB do Rio Grande do Sul, levando em conta projetos bolsa-escola, do Deputado Chico Vigilante, e o de Renda Mínima, do Deputado Pedro Wilson e dos Deputados Federais do PT do Distrito Federal e de Goiás, que, no Senado Federal, encontrarão não apenas o histórico do projeto aqui discutido em 1991, mas ainda as contribuições de Senadores como a do Senador José Roberto Arruda, que propõe a criação da bolsa-escola, e a do Senador Ney Suassuna, que propõe o projeto de garantia de renda mínima relacionado à educação e outras proposituras. Aliás, o Senador Lúcio Alcântara está estudando a formulação da melhor proposta.
Ora, Sr. Presidente, é preciso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso esteja com a consciência clara de que até agora a política econômica desenvolvida por seu Governo não conseguiu mudar estruturalmente a péssima distribuição da renda e da riqueza. O programa de reforma agrária ainda é insuficiente e está sendo realizado num ritmo aquém do necessário para transformar a estrutura fundiária tão intensamente desigual como a que presenciamos.
Mais do que o projeto de garantia de renda mínima, faz-se necessário também estimular e levar em conta as iniciativas como a do crédito popular, a do estímulo às cooperativas, formas cooperativas de produção que faz com que as pessoas possam partilhar melhor o usufruto da riqueza em nossa Nação.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Concluí o meu pronunciamento pontualmente, conforme o relógio indica.