Discurso no Senado Federal

PROTESTOS CONTRA AS AMEAÇAS DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, VEICULADAS PELA IMPRENSA NACIONAL, DE DEMISSÃO COMPULSORIA DE 50 MIL FUNCIONARIOS PUBLICOS, CASO O RELATORIO DO DEPUTADO MOREIRA FRANCO SOBRE A REFORMA ADMINISTRATIVA, NÃO SEJA IMEDIATAMENTE VOTADO E APROVADO NA CAMARA DOS DEPUTADOS. ABSURDOS E INVERSÕES DA REFERIDA REFORMA. TENTATIVAS DO EXECUTIVO EM DENEGRIR A IMAGEM DOS PODERES LEGISLATIVO E JUDICIARIO. ABERRAÇÕES NA PRIVATIZAÇÃO DAS ESTATAIS. APOIO DE S. EXA. AO MANIFESTO DE JURISTAS A NAÇÃO, DE 7 DE MARÇO PROXIMO PASSADO. DEFESA DA BANDEIRA DA DEMOCRACIA, ATRAVES DA PARTICIPAÇÃO EQUANIME DOS PODERES DA NAÇÃO E DOS CIDADÃOS.

Autor
Epitácio Cafeteira (PPB - Partido Progressista Brasileiro/MA)
Nome completo: Epitácio Cafeteira Afonso Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA ADMINISTRATIVA. PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • PROTESTOS CONTRA AS AMEAÇAS DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, VEICULADAS PELA IMPRENSA NACIONAL, DE DEMISSÃO COMPULSORIA DE 50 MIL FUNCIONARIOS PUBLICOS, CASO O RELATORIO DO DEPUTADO MOREIRA FRANCO SOBRE A REFORMA ADMINISTRATIVA, NÃO SEJA IMEDIATAMENTE VOTADO E APROVADO NA CAMARA DOS DEPUTADOS. ABSURDOS E INVERSÕES DA REFERIDA REFORMA. TENTATIVAS DO EXECUTIVO EM DENEGRIR A IMAGEM DOS PODERES LEGISLATIVO E JUDICIARIO. ABERRAÇÕES NA PRIVATIZAÇÃO DAS ESTATAIS. APOIO DE S. EXA. AO MANIFESTO DE JURISTAS A NAÇÃO, DE 7 DE MARÇO PROXIMO PASSADO. DEFESA DA BANDEIRA DA DEMOCRACIA, ATRAVES DA PARTICIPAÇÃO EQUANIME DOS PODERES DA NAÇÃO E DOS CIDADÃOS.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/1997 - Página 7008
Assunto
Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA. PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • CRITICA, LOBBY, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VOTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMA ADMINISTRATIVA, AMEAÇA, DEMISSÃO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), TENTATIVA, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, PRIORIDADE, AUXILIO, BANCOS, LATIFUNDIO, FALTA, ATENÇÃO, SAUDE, EDUCAÇÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL.
  • CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO, REFORMA ADMINISTRATIVA, RETIRADA, DIREITO ADQUIRIDO, SERVIDOR.
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXIGENCIA, GARANTIA, TROCA, CONCESSÃO, LIMINAR, EFEITO, LIMITAÇÃO, ATUAÇÃO, JUDICIARIO.
  • LEITURA, MANIFESTO, JURISTA, OPOSIÇÃO, CONCENTRAÇÃO, PODER, EXECUTIVO, PREJUIZO, DEMOCRACIA.

DISCURSO PRONUNCIADO PELO SR. EPITACIO CAFETEIRA NA SESSÃO DE 02/04/97, E QUE, ENTREGUE À REVISÃO DO ORADOR, SERIA PUBLICADO POSTERIORMENTE. 

O SR. EPITACIO CAFETEIRA (PPB-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diz o art. 2º da Constituição Federal:

Art. 2º São poderes da União independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Li, hoje, entre estarrecido e indignado, notícia veiculada em alguns grandes jornais deste País, sobre a ameaça do nosso Presidente da República de demitir compulsoriamente 50 mil funcionários, caso o relatório do Deputado Moreira Franco, sobre a reforma administrativa, não seja imediatamente votado pela Câmara dos Deputados.

Não resta dúvida que estamos vivendo, hoje, sob um regime de ameaças. É lamentável constatarmos que o autoritarismo, tão condenado nas ditaduras, campeia entre nós e tem expressão maior na pessoa do chefe de um dos três Poderes deste País que deveriam ser independentes e harmônicos entre si.

As reportagens falam ainda da irritação e da veemência com que Fernando Henrique Cardoso reagiu à demora da votação e à tentativa de inclusão de alguns dispositivos que contrariam a sua vontade.

Os psicólogos diriam tratar-se de um comportamento semelhante ao de uma criança que vê negadas suas satisfações; nós, leigos, diríamos, ao de um menino birrento que esperneia e faz que chora para obter o que quer.

Um Presidente da República não pode agir assim. Hoje, Sua Excelência ameaça 50 mil famílias brasileiras cujos titulares não têm a estabilidade plena.

Ora, imaginem o que acontecerá caso essa reforma venha a ser aprovada. Um dos itens propõe a flexibilização da estabilidade no serviço público. Amanhã, portanto, serão apenas 50 mil o alvo da ira do nosso Presidente?

Sr. Presidente, no meu entender, não há possibilidade de flexibilizar-se uma estabilidade. Ela existe ou não existe. Não pode ser uma "meia flexibilidade", então, não será flexibilidade alguma.

Por isso, e por tudo o que vem acontecendo neste País, como o fato de vermos o Executivo legislando por meio de reedições constantes de medidas provisórias e ainda distribuir a imagem de que o faz pela ineficiência do Poder Legislativo; ou pela tentativa de descrédito do Poder Judiciário frente à opinião pública; ou ainda, pelos inequívocos benefícios concedidos às elites financeiras ou agrárias em detrimento da saúde, da educação ou do homem simples do campo; os historiadores diriam que existe uma semelhança brutal entre as figuras de Fernando Henrique Cardoso e Luís Napoleão Bonaparte.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador Epitacio Cafeteira, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Com muita honra, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Note V. Exª que a ameaça a que se refere envolve dupla injustiça: uma ao Poder Legislativo, porque, na verdade, a emenda de reforma administrativa ainda não foi aprovada, porque o Governo somente quer que aprovada seja segundo seu desejo. Modificações já foram feitas; alterações são admitidas pela Câmara dos Deputados, mas o Governo é que protela para que seja votada segundo sua pretensão. De outro lado, porque o Congresso ainda não votou, ameaça 50 mil servidores. Vale dizer: os que não são culpados de qualquer modo pela situação respondem, entretanto, pelo fato. Não se entende que justiça é essa. É a justiça do neoliberalismo.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Agradeço ao nobre Senador Josaphat Marinho.

Os historiadores diriam que existe uma semelhança brutal entre as figuras de Fernando Henrique Cardoso e Luís Napoleão Bonaparte.

Respeitadas as diferenças de épocas e lugares - já que, obviamente, a História não se repete - podemos perceber elementos comuns no Brasil de 1997 e na França na segunda metade do século passado.

Eleito presidente da II República Francesa, instaurada após a Revolução de 1848, Bonaparte começou a trilhar um caminho, que ele mesmo havia determinado, rumo ao que sempre sonhara: tornar-se, como seu tio, o primeiro Napoleão, Imperador da França.

Para tanto, agradou as forças conservadoras, desestabilizou a Assembléia Legislativa, dividindo suas maiorias e ampliando a força dos "bonapartistas", na tentativa de aprovar uma emenda constitucional que permitisse sua reeleição após quatro anos de mandato. Além de tudo, procurou adular e direcionar a opinião pública defendendo a revogação de uma lei, aprovada em 31 de maio de 1850, que restringia a grande conquista da Revolução de 1848, o sufrágio universal, entre outras medidas populistas.

Tendo sido rejeitada sua reeleição, Bonaparte, que já havia preparado todo o terreno, deu um Golpe de Estado em 2 de dezembro de 1851, dissolvendo a Assembléia Legislativa e proclamando-se "príncipe-presidente". Este, porém, não era ainda o seu real objetivo.

Usando de violência contra seus opositores, do povo ou da classe política - e que não foram poucos, tanto em Paris, como em toda a França - Bonaparte rechaçou qualquer foco de insurreição contra seus propósitos. E, em apenas um ano, conseguiu terminar a construção do seu "edifício": tornou-se Napoleão III, "legitimado" por 7 milhões e 800 mil votos favoráveis (ou seriam votos temerosos e cansados de tanta violência e crises) no plebiscito que ele próprio propusera para referendar sua intenção.

Fernando Henrique Cardoso não precisa de tanto esforço, até porque os "fernandistas" estão conseguindo a sua reeleição. Mas, semelhante a Napoleão III, vai impondo o seu poder pessoal, por meio da introjeção nas mentalidades de que ele e o "seu" plano econômico são a panacéia para todos os problemas do seu País.

Aos percalços que surgem, o Presidente responde com ameaças e violências. Não mais a violência física, policialesca de Napoleão III. Agora a violência é sutil, velada e procura atingir não os corpos das pessoas, mas os seus direitos adquiridos depois de muita luta e discussões.

A proposta governista de reforma administrativa está repleta de absurdos e inversões. Além da quebra - esse é o termo adequado para flexibilização, já que a imposição de procedimentos subjetivos para a avaliação de quem deve e quem não deve manter o seu emprego foge ao próprio controle do funcionário - da estabilidade, propõe-se a elevação, para 75 anos, das aposentadorias compulsórias.

É notório que a medicina vem trazendo benefícios à humanidade e que tais benefícios aumentaram a expectativa de vida. Porém, com todos os avanços médicos, a deterioração do organismo humano é algo fatídico e irreversível. Há profissões que requerem um corpo físico perfeito e alerta, como por exemplo as ligadas à aviação. Seria temeroso um piloto ou controlador de vôo, já que lidam com milhares de vidas humanas, exercerem sua atividade com o organismo debilitado.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - V. Exª me concede um aparte?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Concedo-lhe o aparte com muito prazer, nobre Senador.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Epitacio Cafeteira, a exemplo de diversas personalidades proeminentes da vida intelectual e pública do Brasil, V. Exª manifesta sua preocupação. O assunto de que trata V. Exª é da mais alta relevância e recebe acatamento nesta Casa e fora dela, inclusive na imprensa e no Supremo Tribunal Federal, haja vista que o Presidente da República, eleito de forma democrática como o foi - logicamente que não contou com o meu voto -, está agindo neste instante como se fosse o imperador a que se referiu V. Exª, aquele que surgiu porque a França deixou que um de seus filhos se tornasse um ditador utilizando-se do processo democrático. Uma reportagem publicada hoje na Folha de S.Paulo atesta que essa preocupação a que V.Exª se refere é geral. O Ministro Celso Mello, do Supremo Tribunal Federal, que presidirá aquele Tribunal a partir do final do mês de maio, criticou ontem a medida provisória que desobriga o Governo de cumprir decisões judiciais provisórias quando houver risco de prejuízo aos cofres públicos. Isso quer dizer que o Presidente da República, com essa medida provisória, autoproclamou-se juiz daquilo que deve ser prejudicial ou não ao Erário público. Não é mais o Poder Judiciário que define se este ou aquele ato prejudica as finanças do Brasil; agora é o Presidente da República. Essa atuação temerária do Presidente da República foi criticada por um dos Ministros mais sérios do Brasil, que vai suceder ao não menos sérios Sepúlveda Pertence no Supremo Tribunal Federal. S. Exª tem criticado veementemente a reedição de medidas provisórias que exorbitam e retiram do Poder Legislativo a sua capacidade legisferante. Senador Epitacio Cafeteira, Líder do PPB, V. Exª está chamando a atenção do Brasil para o perigo de um homem como o atual Presidente da República, que foi eleito pelo povo, agir contra a Constituição, que reza que deve haver harmonia e independência entre os Poderes. Esse homem poderá tornar a sua política indesejável para a normalidade democrática e para a manutenção de uma conquista por que tantos brasileiros lutaram: a democracia. Parabenizo V. Exª. Estou inteiramente solidário com as suas preocupações. Esperamos que seja em breve apreciado por este Plenário o projeto que teve como Relator o Senador Josaphat Marinho e que limita a edição de medidas provisórias. Quem sabe se essa lei não fará com que o Presidente da República veja que o Poder Legislativo pode legislar com a participação do Poder Executivo, mas que não pode este exorbitar de suas funções? Agradeço a V. Exª.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Nobre Senador Antonio Carlos Valadares, agradeço o aparte de V. Exª.

Antes de concedê-lo, falava eu das aberrações da proposta de reforma administrativa do País. Outra aberração diz respeito à extinção das estatais deficitárias. Note bem, Sr. Presidente: extinção das estatais deficitárias.

Ora, todos nós sabemos que as empresas ligadas ao saneamento básico não apresentam nenhum superávit. Podemos, então, imaginar a desordem causada pelo fechamento dessas empresas ou a transferência delas para o poder privado. Retirar-se-á uma obrigação que é do Estado.

A impressão que se tem é a de que o Governo quer ser uma espécie de administrador de empresa: com o que dá lucro ele fica; o que não dá lucro ele joga fora. Ele está mais ou menos na posição daqueles bancos que querem comprar outros bancos comprometidos, desde que fiquem apenas com a parte boa e o resto entreguem o resto ao Proer.

Sr. Presidente, pouco importa a sobrecarga de trabalho dos funcionários públicos, pouco importam as suas dificuldades para sobreviver com um salário miserável. Entre outros, mais um disparate: nós, Parlamentares, somos tratados como servidores públicos comuns. Não, não o somos; não prestamos concurso, não fomos nomeados, não assinamos contrato, nem teremos contrato rescindido ao término dos nossos mandatos.

Quantos Parlamentares com vinte anos de mandato, na hora em que termina o mandato, vão para casa! Não defendo privilégios ou benesses para nós mesmos, mas, convenhamos, não somos profissionais da política. Os nossos salários existem para que não precisemos curvar-nos ou pedir favores. Temos um mandato eletivo conferido pelo povo por um período pré-determinado. Isso tudo, na verdade, é uma tentativa de passar a imagem de que somos funcionários públicos privilegiados e espertos e que aproveitamos nossa condição para colocarmo-nos acima de toda uma categoria.

Estas são algumas das medidas pretendidas pelo nosso "príncipe-presidente".

Não podemos calar. Não podemos deixar de denunciar. Não podemos assistir a tudo passivos e obedientes. Não podemos deixar de protestar no momento em que Fernando Henrique Cardoso veste o seu "manto imperial", afinal, o autoritarismo só vai até onde as resistências lhe permitem ir.

Profissionais do Direito estão fazendo a sua parte. Um manifesto à Nação, com 59 subscritores, mostra toda a indignação frente a essa tentativa de instalação de um poder único e na defesa do regime democrático.

Diante desse texto lúcido e sério, o Governo reagiu. Em represália, editou a Medida Provisória nº 1.570, que inviabiliza, principalmente para os mais carentes, já que exige "uma garantia real ou fidejussória" em troca da concessão de liminares, os recursos à Justiça.

O certo é que, com as permanentes reedições de medidas provisórias, o Legislativo deixou de legislar. O Judiciário, por essa medida provisória, não pode mais livremente julgar. Até mesmo o Orçamento, Sr. Presidente, no qual é o Legislativo que determina o que, onde e quando o Executivo vai gastar, é driblado pelo Fundo de Estabilidade Financeira que, além de retirar recursos de Estados e Municípios, deixa o Executivo com poderes para gastar onde desejar.

Leio, Sr. Presidente, para que conste dos Anais desta Casa, um Manifesto à Nação que não saiu em nenhum jornal, que acabou ficando no anonimato. Sinto-me na obrigação de divulgá-lo porque diz muito mais da defesa deste Poder do que o que temos dito da tribuna desta Casa.

Diz o Manifesto:

      "Muitos cidadãos têm visto com intranqüilidade a metódica e crescente concentração do poder ultimamente ocorrida no Brasil em prol do Executivo, sem que, em contrapartida, transpareçam, nos meios de comunicação, sinais de oposição consistente a esse perigoso fenômeno.

      Nós, estudiosos de Direito Público, sentimo-nos no dever de manifestar preocupação e até mesmo alarme diante de tal estado. Ocupando-nos, por ofício, dos temas relativos às instituições fundamentais do País, cremos estar em condições de avaliar a extensão desse processo e as graves conseqüências que poderá causar - como já está causando - em detrimento da democracia e das garantias do cidadão. Fatos concretos justificam este alerta.

      O País vem sendo dirigido predominantemente pelo Poder Executivo por meio de medidas denominadas provisórias, mas que, pela reiteração, se vão tornando definitivas e cujo desmedido fluxo atinge a inacreditável média de duas por dia. Há, pois, presentemente, verdadeira usurpação das funções legislativas do Congresso Nacional. Demais disto, este sofreu interferências indevidas e por métodos que a imprensa apontou como reprováveis no episódio da eleição do Presidente da Câmara e do Presidente do Senado, assunto, manifestamente, da economia interna daquelas Casas Congressuais e que não pode ser objeto de formação de parcerias. O Executivo se agiganta em relação ao Legislativo e desborda do princípio constitucional que estabelece independência entre os Poderes, exatamente para prevenir interferências indevidas e a supremacia de um deles. Aliás, ninguém menos que o Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil já denunciou à sociedade brasileira que "...a concentração do poder já se vai fazendo ameaçadora à normalidade institucional e à supremacia da lei".

      Agregue-se a isto o extremado empenho do Chefe do Poder Executivo na Emenda Constitucional da reeleição, com quebra de toda a tradição republicana brasileira. E - o que é mais grave -em proveito próprio, pois inclusiva da reelegibilidade do atual ocupante da Presidência e também ela com votos disputados segundo procedimentos que a própria imprensa noticiou como censuráveis. Começa a alastrar-se a tese de que não seria necessária a desincompatibilização, cumprindo-se, neste todo, um modelo símile ao obtido pelos Presidentes Fujimori e Menem nos respectivos países.

      Completando o quadro da emergência de um poder incontrastável de fato, inicia-se, o que é novidade entre nós, um processo de desmoralização do Poder Judiciário e - evento de indisfarçável seriedade - mediante ataques ao órgão máximo da Justiça do País: o Supremo Tribunal Federal.

       Para consternação dos que se ocupam do Direito e se empenham na preservação da Democracia, em face de uma decisão da Corte Suprema - quando outra seria impossível ante os termos da Constituição - foi divulgada a frase: "Eles não pensaram no Brasil", atribuída pela Imprensa ao próprio Presidente da República. Há nisto a gravíssima impropriedade de excitar a opinião pública contra o Judiciário, ao imputar a seu órgão de cúpula esquecimento de deveres patrióticos. Acresce que, dias depois, confirmando a parceria registrada, foi o presidente do Congresso quem levantou sua voz contra a Casa Máxima da Justiça.

       Ora, se os cidadãos não puderem esperar do Judiciário a garantia dos seus direitos na conformidade das normas preestabelecidas, a quem recorrerão? Poderá alguém irrogar-se a autoridade de escolher, dentre os direitos consagrados na Constituição, aqueles que devam ou não ser respeitados? Haverá, acaso, alguém conferindo a si a qualidade de senhor do critério sobre o que é agir pensando no Brasil?

       O certo é que em tal frase transparece, incontornavelmente, a concepção subordinante de que magistrados não devem julgar segundo a Constituição e as leis, mas segundo o que o Executivo estima desejável, além de traduzir esquecimento de que na Emenda da reeleição - diversamente do que ocorreu no acórdão criticado - esteve visível um pensamento em si próprio - e não no Brasil - pois, se apenas deste se tratasse, a previsão de reeleição far-se-ia tão só para os futuros titulares da Chefia do Executivo.

       Nestes episódios ocorre, pois, um agravo não apenas à independência, mas também à harmonia de Poderes (art. 2º da Constituição Federal), instaurando-se clima propício a uma danosa desarmonia, na qual não seria difícil antecipar quais os perdedores, que em última instância serão as liberdades públicas e, portanto, os cidadãos.

       Tudo leva a crer que está em curso um processo de ruptura do modelo constitucional democrático instituído em 1988, para substituí-lo por outro, elaborado à imagem e semelhança dos atuais governantes.

       Nesta marcha não apenas a Constituição é espezinhada, mas também fundamentais interesses da Nação. Hoje, ameaçados pelo projeto de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, amanhã talvez, pelo comprometimento de nossa soberania na Amazônia.

       A seqüência dos fatos arrolados - todos eles públicos, notórios e reveladores de uma escalada progressiva - evidencia que não se está perante um alarme infundado. Há um clima de personalismo crescente. Seu bom êxito até o momento, propiciado pela ausência de repercussão na mídia dos inconformismos existentes (com o que fica indevidamente sugerida uma unanimidade nacional abonadora das distorções mencionadas), demanda nós brasileiros. É uma experiência eterna a de que todo aquele que detém o Poder tende a dele abusar; o Poder vai até onde encontra limites.

       Os signatários deste documento convocam os brasileiros para uma vigília cívica, buscando a reversão das tendências ora denunciadas à Nação e para que exista uma voz sempre atenta em defesa da Constituição e dos direitos e garantias fundamentais consagrados nas instituições que ela modelou para proveito da cidadania.

       Independentemente da reprodução integral deste documento pela Imprensa, para a qual está sendo entregue, diligenciaremos para que seja afixado em todas as seccionais e subseccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, em todo o País, em todas as varas judiciárias e juntas de conciliação de todas as comarcas do País, em todas as Faculdades de Direito do Brasil e em todos os jornais, boletins e revistas dos órgãos de classe, pertinentes ou não à área jurídica.

      Brasília, 07 de março de 1997.

      Goffredo da Silva Telles Jr. - Evandro Lins e Silva - Paulo Bonavides - Rosah Russomano - Dalmo Dallari - Fábio Konder Comparato - Celso Antônio Bandeira de Mello - Carmen Lúcia Antunes Rocha - Eros Roberto Grau - Carlos Ayres Britto - Luís Roberto Barroso - Sérgio Sérvulo da Cunha - Valmir Pontes Filho - Weida Zancaner - Edgard Amorim - Roberto Amaral - Paulo Lopo Saraiva - Aristides Junqueira - Osíris Azevedo Lopes Filho - Márcio Thomaz Bastos - Hermann Assis Baeta - Marcello Lavénère - José Roberto Batochio - Mário Sérgio Duarte Garcia - Raimundo Paschoal Barbosa - Plínio Arruda Sampaio - Sérgio Ferraz - Fides Angélica Velloso Ommati - Arx Tourinho - Milton Nobre - Fran Figueiredo - João Roberto Piza Fortes - Guido Antônio Andrade - Antônio Cláudio Mariz de Oliveira - Marília Muricy - Clóviz Beznos - Washington Peluso Albino de Souza - Marco Antonio Rebelo Romanelli - Carlos Pinto Coelho Motta - Romeu Felipe Bacellar Filho - Clémerson Merlin Cléve - Regina Macedo Neri Ferrari - Adilson Gurgel - Marcelo Figueiredo - Roque Carrazza - Elizabeth Nazar Carrazza - Celso Antônio Pacheco Fiorillo - Márcio Cammarosano - Dinorá Musseti Grotti - Willies Santiago Guerra Filho - Dimas Macedo - Américo Lourenço M. Lacombe - José Eduardo Martins Cardozo - Nelson Felmanas - Tarso Genro - Rogério Viola Coelho - Ricardo A. Seitenfus - Ronaldo Brêtas - Luiz Carlos Madeira.

O meu pronunciamento, hoje, Sr. Presidente, é um protesto. É o protesto de um homem que defende as mesmas bandeiras que um dia, junto ao Sociólogo e depois Senador Fernando Henrique Cardoso, ousou defender.

Defendo a bandeira da Democracia, mas uma democracia plena, total, com todas as implicações que o termo comporta. Defendo a participação equânime de poderes e de cidadãos, para que possamos formar, todos juntos, uma Nação livre e verdadeiramente democrática.

Insurjo-me contra o autoritarismo, insurjo-me contra a centralização. Voltando à História Francesa, não quero ver o Presidente do meu País repetir as palavras de Luís XIV: "L´Etat c´est moi".*1


1* "O Estado sou eu".



Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/1997 - Página 7008