Discurso no Senado Federal

A VIOLENCIA POLICIAL NO BRASIL. COMENTARIOS SOBRE O ANUNCIO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO ONTEM, EM SÃO PAULO, DE SEU PROPOSITO DE CRIAR UMA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • A VIOLENCIA POLICIAL NO BRASIL. COMENTARIOS SOBRE O ANUNCIO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO ONTEM, EM SÃO PAULO, DE SEU PROPOSITO DE CRIAR UMA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/1997 - Página 7278
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ELOGIO, INICIATIVA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANUNCIO, CRIAÇÃO, SECRETARIA, DIREITOS HUMANOS, DEMONSTRAÇÃO, APREENSÃO, GOVERNO, CONTRIBUIÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, VIOLENCIA, PAIS.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, PAIS, DEFESA, NECESSIDADE, ESTABELECIMENTO, INSTRUMENTO, AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO, ALTERAÇÃO, CONDUTA, POLICIA MILITAR.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ontem, em São Paulo, por ocasião de um evento no Memorial da América Latina, teve oportunidade de anunciar seu propósito de criar uma Secretaria de Direitos Humanos. Pretendeu, assim, demonstrar a sua preocupação e o interesse do Governo em contribuir com medidas efetivas para solucionar graves questões que atormentam o nosso País e a nossa sociedade em relação a esses temas.

Anunciou o nome do futuro titular da Secretaria, o Dr. José Gregori, que atualmente é chefe de gabinete do Ministro da Justiça, como aquele que deveria conduzir os assuntos sob a responsabilidade desse novo organismo que será criado pelo Governo Federal.

Sem dúvida nenhuma, uma esperança que surge no cenário administrativo e político do Brasil, na medida em que não podemos desconhecer que questões muito graves em relação à proteção e à defesa dos direitos humanos preocupam bastante as lideranças políticas e a própria sociedade brasileira.

Na verdade, os últimos acontecimentos envolvendo a Polícia Militar do Estado de São Paulo, acontecimentos que adquiriram uma repercussão enorme, principalmente pelo fato de terem sido divulgados por uma cadeia de televisão de grande audiência, revelam o muito que há por ser feito em relação a essa questão. E vários episódios poderiam ser acrescentados, como o de Eldorado dos Carajás, em que a Polícia Militar chacinou um grande número de membros do Movimento dos Sem-Terra, os sucessivos episódios de insurreição nos nossos presídios, que, apinhados de gente, se transformam em verdadeiras escolas do crime e terminam por ser palco de cenas de violência, de seqüestro, de tomada de reféns e de fugas rocambolescas de presidiários.

A Igreja Católica recentemente fez um amplo movimento nacional a propósito da Campanha da Fraternidade, chamando a atenção para o problema dos nossos encarcerados, não apenas dos que estão atrás das grades, mas também daqueles que são encarcerados no desvio de conduta, pela avareza, pelo egoísmo, pela luxúria, que terminam por cegar o homem e fazer com que não enxergue essa dura realidade na qual está inserido.

Não se pode desconhecer que uma das preocupações que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso tem tido é com a questão dos Direitos Humanos. Neste Senado Federal tivemos a oportunidade de votar várias matérias que dizem respeito a essa grave questão. Votamos uma lei sobre porte de armas, limitando, vedando o seu uso. Já votamos leis sobre a questão do julgamento de crimes cometidos por policiais militares. Nesse particular, o Senado tem amargado uma dura reprovação da sociedade.

É uma questão complexa, que não é fácil. Votamos um substitutivo elaborado pelo Senador Geraldo Melo, a propósito de um projeto oriundo da Câmara dos Deputados, e S. Exª, com a experiência de ex-Governador e de um Senador atento aos interesses do País, elaborou um substitutivo aprovado pelo Senado Federal, inclusive, com o meu voto favorável. Mas esse projeto foi muito criticado, e ainda tem sido. Muitos não aceitam, entendendo que o corporativismo existente no seio das Polícias têm dificultado a punição de culpados, o julgamento mesmo de pessoas envolvidas em crimes cometidos no exercício, ou não, da função policial. É uma questão que ainda não está definitivamente resolvida e, possivelmente, o Senado será chamado a opinar novamente, uma vez que se fala em restauração desse projeto na Câmara dos Deputados, o que, por certo, irá terminar com seu exame por parte do Senado.

Sr. Presidente, aqui quero citar a declaração que o Dr. José Gregori fez ontem, através de uma emissora de televisão, quando perguntado sobre o encargo que iria receber na condição de Secretário Nacional de Direitos Humanos. Muito prudente, muito cauteloso, declarou que é preciso um amplo debate, uma ampla discussão sobre a questão, colocar sobre a mesa os diversos ângulos do problema, as visões que as pessoas têm do desempenho tanto da Polícia Civil quanto da Militar nos Estados e da própria Polícia Federal, porque há maneiras diferentes de encarar a questão, há experiências diferentes no trato desse problema.

O certo é que essa situação, como está, não pode continuar. Há uma ofensa grave aos direitos humanos. As Polícias Militares - não quero julgar essas instituições - são gloriosas, têm amplos, grandes serviços prestados à comunidade e, portanto, merecem o nosso reconhecimento. Mas, sem dúvida nenhuma, há algo que não vai bem no seio delas. Alguma coisa precisa ser revista em seu funcionamento. É preciso fazer uma revisão completa nesses instrumentos responsáveis pela manutenção da ordem e da segurança. As pesquisas estão mostrando, salvo engano, nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, que o cidadão vê na Polícia mais um sinal de intranqüilidade e de insegurança que de garantia da ordem. Evidentemente, uma inversão intolerável, com a qual não podemos conviver, se estamos numa sociedade onde se respeita o cidadão e se supõe que o princípio da ordem está acima de tudo.

Por outro lado, não se trata de colocar mais homens nas Polícias Militares, tampouco de oferecer mais armas, viaturas e instalações de quartéis. Seguramente, em muitos lugares, isso é um fator dos mais importantes. Mas não é somente isso! Dizia o Dr. José Gregori que é necessário estabelecermos um instrumento de avaliação do desempenho policial, pois uma Polícia que não esteja sujeita a esses mecanismos de avaliação certamente tenderá a se desviar de suas verdadeiras finalidades - até por força de comportamento de pessoas que maculem a própria imagem da corporação. Todo o dia vemos policiais envolvidos com interceptadores, tanto os militares quanto os civis às voltas com o tráfico de drogas.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o aparte do nobre Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Lúcio Alcântara, na sexta-feira, pronunciei um discurso neste plenário repetindo o que já foi dito: que os acontecimentos de São Paulo diferem de outros porque foram filmados e exibidos na televisão, mas aquilo é rotina nas polícias militares de quase todo o País. Há dias, o jornal O Globo publicou uma ampla reportagem sobre a prostituição infantil em Manaus, com a conivência de contingentes policiais. Como V. Exª bem acentua, há algo errado hoje com as Polícias Militares do País, aliás com as Polícias em geral. E isso, evidentemente, é um complexo de fatores: baixos salários, militarização da Polícia Militar, conivência dos governantes, mas sobretudo, Senador Lúcio Alcântara, uma cultura policial que precisa ser mudada. Entendo que há necessidade de um trabalho em profundidade em todas as Polícias Militares, no sentido de transformá-las em Polícias cidadãs. É mais ou menos o que está fazendo o Governador Albano Franco, em Sergipe. Eu penso que é esse o caminho. É o que está fazendo, num outro contexto, o Prefeito Rudolth Giuliani, em Nova Iorque. Parabéns pelo seu pronunciamento. É exatamente isso.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Jefferson Péres. Realmente, V. Exª insiste nesse ponto que, para mim, é crucial. Tenho o maior respeito pelas Polícias Militares. Fui Vice-Governador do meu Estado, exerci o Governo durante vários períodos e sei valorizar a ação da Polícia, muitas vezes chamada a atuar em situações delicadas, a exigir bravura e a exigir sensatez, serenidade. Trata-se de um casamento que, muitas vezes, não é fácil, entre essas virtudes que deve possuir um Policial Militar. Muitas vezes um soldado despreparado, ganhando uma miséria. Reconheço tudo isso, mas estou convencido de que esse não é o único problema. Há algo mais que precisa ser examinado na questão do funcionamento das polícias e do nosso sistema de segurança.

V. Exª traz dois exemplos: um de Nova Iorque, que a polícia municipal, a cargo do Prefeito Rudolth Giuliani, e o exemplo de Sergipe, do Governador Albano Franco. Certamente teremos outras experiências que devem ser examinadas, com a convocação de especialistas, experiências inclusive internacionais.

O fato é que essa sucessão de episódios coloca o próprio Estado numa situação muito delicada. Quando digo Estado não estou referindo-me à entidade federativa, mas ao ente Estado, numa situação muito delicada.

O Senador Eduardo Suplicy está denunciando agora que os telefones dos sem-terra estão grampeados pela polícia militar. Quer dizer, trata-se de uma ação ilícita, ilegal.

O Sr. Jefferson Péres - Contra a lei que aprovamos há pouco tempo.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Exatamente. Acabamos de aprová-la. Salvo engano, V. Exª foi o Relator desse projeto aqui no Senado. Em certos momentos, V. Exª tinha até receio, ou melhor, muito cuidado em deixar bem definidas as situações em que esse sigilo telefônico poderia ser quebrado.

Em função desses episódios, estamos vendo o aparecimento de milícias privadas, estamos vendo a prática da lei de Talião, em que as comunidades se revoltam, se rebelam e estabelece-se a desordem, a violência passa a ser a tônica do dia-a-dia. Então, penso que a intenção já anunciada do Presidente de criar a Secretaria de Direito Humanos representa talvez uma esperança para nós, até porque o futuro titular do órgão é um homem de muita experiência nessa área, que já tem muitos serviços prestados ao País.

Temos que reconhecer, por exemplo, a importância da decisão do Presidente Fernando Henrique Cardoso de indenizar os familiares daquelas pessoas que desapareceram durante o período dos governos militares, enfrentando inclusive resistências e preconceitos.

Enfim, o Governo tem um acervo de medidas já adotadas nesse particular; todavia, estamos verificando, até pela natureza federativa do nosso País, pela autonomia política que os Estados têm, que ainda há muito por fazer nesse campo. E creio que a primeira providência a ser adotada é realizar-se um estudo amplo e profundo de toda essa questão, examinando realmente que o problema das polícias não é apenas de desaparelhamento, não é apenas de insuficiência de efetivos ou de baixos salários; como diz o Senador Jefferson Péres, há uma cultura policial que precisa ser modificada; há necessidade também de se estabelecerem instrumentos de avaliação que permitam maior controle da própria sociedade sobre essas polícias.

Com essas palavras, Sr. Presidente, quero concluir meu pronunciamento, chamando a atenção do Senado para a importância dessa questão, que é grave. Os episódios repetem-se, desdobram-se e ganham, às vezes, contornos espetaculares quando são reproduzidos amplamente nos meios de comunicação de massa. Na verdade, tudo isso é do cotidiano, é do dia-a-dia dessas populações, sobretudo das populações miseráveis, pobres, das favelas, da periferia das grandes cidades, dos desempregados, dos que estão à margem da sociedade. Enquanto isso, os que podem o que fazem? Contratam polícias particulares, armam os seus empregados, constroem muralhas altíssimas para proteger seus domicílios. Ninguém vai ficar a salvo desse clima de violência. Ele pode atingir qualquer um. Atingirá certamente todos. Deus guarde cada um para evitar essa situação! Mas, na verdade, como as coisas estão-se desenrolando, vamos terminar vivendo numa sociedade onde a insegurança será a norma; o estado de intranqüilidade será a situação com a qual vamos conviver no nosso dia-a-dia.

O Sr. Eduardo Suplicy - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com prazer.

O SR. Eduardo Suplicy - Vou tratar do mesmo tema: os abusos da polícia militar que ocorrem sobretudo no Estado de São Paulo e, infelizmente, em todo o Brasil. Quero cumprimentar V. Exª pelo alerta que aqui faz e para que tenhamos de fato outros procedimentos, no conjunto da Polícia Militar em cada Estado brasileiro. Infelizmente, estamos assistindo a cenas recorrentes. Aquilo que aconteceu em Diadema vem ocorrendo em diversos bairros, sobretudo os mais pobres, na grande São Paulo e também em muitos outros lugares do território brasileiro. Prosseguirei neste debate, mas quero cumprimentar V. Exª por estar trazendo à tona este tema. Também falarei do descumprimento do inciso XII do art. 5º dos Direitos e Garantias Fundamentais, ocorrido em São Paulo.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. V. Exª é uma pessoa sempre preocupada com essa questão dos direitos humanos e traz essa denúncia, que é importante.

Quero dizer que pertenço ao mesmo partido do Governador Mário Covas. Considero-o um homem público excepcional e tenho por S. Exª admiração. Conheci-o quando eu era Deputado Federal e S. Exª, Senador; depois, pelo seu trabalho na Assembléia Nacional Constituinte.

Está S. Exª sendo muitas vezes criticado, porque não exonerou o Secretário de Segurança e o Comandante da Polícia Militar. Isso é uma simplificação. Conheço o professor José Afonso da Silva, que foi um dos assessores mais importantes - o Senador Eduardo Suplicy deve lembrar-se disso - do então Líder do PMDB na Constituinte, Senador Mário Covas, e é um homem de grande conteúdo intelectual e moral.

O problema não é o de se exonerar o Secretário de Segurança Pública ou exonerar o Comandante da Polícia Militar. O problema é muito mais grave, tem aspectos muito mais profundos que uma mera substituição dos titulares desses dois órgãos.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Tem V. Exª a palavra.

O Sr. Eduardo Suplicy - Ontem, antes mesmo de falar à Imprensa, tive a preocupação de conversar com o Presidente Fernando Henrique Cardoso e com o Governador Mário Covas sobre o fato de estar havendo a escuta telefônica. Ambos disseram que não sabiam do fato. Vou detalhar isso e inclusive falei com o Secretário José Afonso da Silva logo a seguir. Relatarei oportunamente os fatos em detalhes.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Acredito perfeitamente nas informações que V. Exª recebeu porque há, nos escalões intermediários e inferiores dessas organizações, uma rede de pessoas que ocupam postos, que exercem certas atividades que contribuem para desautorizar o trabalho de seus superiores.

Vou concluir, Sr. Presidente, mas quero dizer que essa situação que estamos vivendo está levando a uma atitude constrangedora de muitas pessoas. Qual é? É um discurso conservador, reacionário, um discurso da lei e da ordem a qualquer preço, a qualquer título e que tem encontrado muitos ouvidos, que tem sensibilizado muitas almas que estão evidentemente em uma situação difícil onde moram ou onde trabalham.

Esse discurso também não é o que vai resolver. V. Exª, parece-me, foi candidato a prefeito na época, como também o fui em determinado momento, e uma das perguntas que se colocava sempre nos debates e nas entrevistas era como o prefeito iria agir em relação à questão da segurança. O que aconteceu? Muitos candidatos terminaram se elegendo com o discurso da segurança e da criação de guardas municipais. Em São Paulo existe guarda municipal, não sei se existe em muitas outras cidades. No Rio de Janeiro também foi criada uma guarda municipal.

Qual foi o resultado prático, objetivo da criação dessas guardas municipais? Se me perguntassem agora, com a minha experiência na administração pública, que já é um tanto longa, qual a orientação que eu daria nessa questão, sinceramente, não teria, até porque não pude debruçar-me em profundidade sobre a mesma.

O meu pronunciamento tem o objetivo de chamar a atenção de todos nós para a gravidade do problema e aplaudir a iniciativa do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Temos de examinar essa questão sem preconceitos, em profundidade, colhendo todas as experiências que existem, as diferentes visões que as pessoas envolvidas no problema têm sobre o assunto e, a partir daí, construirmos um novo projeto de segurança pública para o País, inclusive, se necessário, buscando recursos externos para realizarmos um grande projeto nesse sentido.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/1997 - Página 7278