Discurso no Senado Federal

TORTURA E EXTORSÃO PRATICADA POR POLICIAIS MILITARES EM DIADEMA, SÃO PAULO, E NO RIO DE JANEIRO. TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS, DE MATERIA INTITULADA 'OS DESTINOS DE RAMBO E DE JOSINO', DE MARCEU VIEIRA, PUBLICADA PELO JORNAL DO BRASIL, DE ONTEM, NA COLUNA 'COISAS DA POLITICA'.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • TORTURA E EXTORSÃO PRATICADA POR POLICIAIS MILITARES EM DIADEMA, SÃO PAULO, E NO RIO DE JANEIRO. TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS, DE MATERIA INTITULADA 'OS DESTINOS DE RAMBO E DE JOSINO', DE MARCEU VIEIRA, PUBLICADA PELO JORNAL DO BRASIL, DE ONTEM, NA COLUNA 'COISAS DA POLITICA'.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/1997 - Página 7344
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REPUDIO, VIOLENCIA, POLICIAL MILITAR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, REPETIÇÃO, OCORRENCIA, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, BRASIL.
  • NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, POLICIA MILITAR, OBJETIVO, GARANTIA, SEGURANÇA, POPULAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, ESTUDO, DIREITOS HUMANOS, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, POLICIAL.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PROVISORIA, SENADO, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, EXPECTATIVA, INCORPORAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco\PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, pretendia fazer um discurso que começaria assim:

Já virou rotina no Brasil testemunharmos cenas de violência da Polícia Militar. Desta vez, cidadãos de Diadema, em São Paulo, participavam de uma blitz da PM local e foram vítimas de tortura, extorsão e assassinato promovidos por policiais militares. As imagens divulgadas pela televisão chocaram a Nação e o mundo, provocando indignação diante de uma polícia que comete crimes em vez de defender cidadãos, prevenir e resolver os próprios crimes.

Esse seria o teor do pronunciamento que eu faria hoje. Na terça, quarta e quinta-feira passadas, participava eu, juntamente com o Professor Paulo Sérgio Pinheiro, Hélio Santos, Sueli Carneiro, Caetana Damasceno e outras pessoas, de uma conferência na Universidade de Emory, em Atlanta, em que debatíamos a respeito dos direitos humanos, quando fomos surpreendidos pelas imagens desse episódio, que nos deixaram numa situação muito difícil. Sei que o que acontece no Brasil acontece em outros países, mas, dessa feita, soubemos do que tinha ocorrido não pela fala de alguém ou porque alguém tinha escrito no noticiário, mas porque tiveram a capacidade de filmar a violência e a atrocidade a que o cidadão civil está sujeito diante de um policiamento desinformado, desestruturado.

Por isso eu viria aqui fazer esse pronunciamento. Mas, em menos de 24 horas, o meu pronunciamento ficou defasado, não tenho como fazê-lo. Devo iniciar então com outras frases, adaptadas às imagens vistas ontem no Jornal Nacional, da TV Globo.

Não foi uma febre momentânea, conforme escreve ao Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e ao Ministro da Justiça, Nelson Jobim, pedindo clemência, o cabo Ricardo Luiz Buzeto, do 24º Batalhão da Polícia Militar de São Paulo, que participou dos crimes cometidos na Favela Naval contra civis.

Quero associar-me à dor e à revolta no Rio de Janeiro, desde a dos espancados e suas famílias até a do Governador Marcelo Alencar, que pediu a prisão, em 24 horas, dos envolvidos no episódio. Por que isso? Porque ontem, ao assistir ao Jornal Nacional, acreditei que aquelas cenas ali projetadas eram verdadeiras. Não me detive no pronunciamento feito pelo Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, Nilton Cerqueira. Não me detive porque aquelas imagens não eram apenas uma divagação. Não eram também uma coisa pura e simplesmente localizada - pontual, como se costuma dizer.

Ao longo dos meus 54 anos, tenho visto essas imagens se repetirem nas comunidades. E não é possível que tenhamos um Secretário que questione essas imagens, dizendo que são originárias de fonte que não merece confiabilidade. Diz o Secretário de Segurança do Rio de Janeiro que o povo é que tem que dizer o que quer na área da segurança. E o povo do Estado do Rio de Janeiro está dizendo o que quer da segurança. O povo tem que dizer o que quer.

Ora, não podemos transformar a polícia em ré ou em vítima, mas temos que estabelecer o seu legítimo papel na relação com a sociedade civil. Não basta apenas que tenhamos sanções.

Disse o Secretário - e bem - que ninguém forma policiais para que eles matem as pessoas. Só que a PM foi criada no regime autoritário, quando a sua função era repressiva. E, desta tribuna, eu já disse isso várias vezes.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso que haja uma reformulação nos conceitos, nas técnicas e na estrutura da PM. Não queremos, de forma nenhuma, tirar do Poder Público o legítimo dever de garantir a segurança, de garantir que a polícia seja eficiente. Não queremos que um poder paralelo substitua a polícia do Rio de Janeiro, de São Paulo ou de qualquer outro Estado.

Mas não podemos mais conviver com essa velha história, com isso que está sendo registrado, com a história em que o bandido vira mocinho. Estamos vendo os nossos policiais se tornarem bandidos!

Esse é um assunto delicado? É. Ele é tão delicado que tive o cuidado de escrever por várias vezes e pensar muito bem sobre o que iria dizer para poder dar aquilo que chamo de uma verdadeira contribuição à análise desse episódio.

Sabemos que a polícia ganha mal, sabemos que ela mora mal, sabemos, inclusive, da difícil situação de alguns policiais que, durante o dia, participam de diligências, vão às comunidades, prendem bandidos, são até assassinados, e que, à noite, vão morar naquele mesmo local, junto daquelas pessoas que, durante o dia, tiveram que prender ou violentar.

Temos que ter consciência da necessidade de mudança nessa relação. Não dá, pura e simplesmente, para pensar que a polícia, do jeito que está, está prestando um relevante serviço à sociedade civil. Não está.

Perdoe-me o Senhor Presidente da República, perdoe-me o Secretário de Segurança, mas esse não é simplesmente um fato localizado. E não se pode explicar a situação dizendo que é a comunidade internacional que está nos pressionando através da mídia, porque quem fez esse registro foi a TV Globo. E, após fazer esse registro, após tomar essa iniciativa, ela recebeu, de outros cinegrafistas, outras imagens, dessa vez do Rio de Janeiro.

Como explicar Eldorado dos Carajás? Como explicar Carandiru? Como explicar Vigário Geral, Candelária, e, agora, Cidade de Deus ou Diadema? Como explicar isso? Não podemos ser simplistas nas nossas colocações. Fomos mostrados ao mundo por esse cinegrafista, que pôde contribuir, que teve coragem de denunciar que somos um País que não coloca como prioridade a questão da segurança e onde a impunidade faz com que os policiais se comportem dessa forma.

Tivemos em tramitação nesta Casa o projeto do Deputado Hélio Bicudo, que poderia ajudar e que foi por nós, aqui, após uma discussão interminável, destituído do seu objetivo maior. Ainda bem que o Ministro da Justiça e o Presidente da República apóiam esse projeto.

Espero que a projeção da imagem dessas carnificinas possa contribuir para referendar as nossas argumentações políticas no Congresso Nacional, a política do Executivo na área dos direitos humanos e também o projeto do Deputado Hélio Bicudo.

Mas preocupou-me também a situação que estamos vivendo. Assustada diante da televisão, eu não queria acreditar que um trabalhador, que já não ganha absolutamente nada, tenha tido R$10,00 ou R$20,00 roubados. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não queria acreditar naquela cena que eu estava vendo, apesar de saber que ela era real, porque convivo quase que diretamente com cenas como essas. Não todos os dias, porque eu estou aqui, mas sempre que estou no Rio de Janeiro esse tipo de coisa não é novidade para mim.

O fato é que as imagens registradas precisam ser respaldo para uma iniciativa, porque elas não são novas, são velhas. E a Globo, quando projetou essas imagens e deu essa contribuição, mereceu de nós todo o apoio.

Nós, do Partido dos Trabalhadores, que somos críticos à TV Globo, temos que dizer que ela deu uma contribuição ao projetar aquelas imagens; não se tratou pura e simplesmente do melhor profissional da rede que estava ali narrando tais fatos ou escrevendo aquelas cenas. Ali estavam sendo projetadas imagens vivas e reais de um acontecimento em uma cidade sofrida.

Ouvimos dizer que não houve um registro policial porque os moradores não se queixaram. Conheço o código: o morador não vai se queixar de forma nenhuma, porque, se isso ocorrer, ele sabe que não haverá polícia para protegê-lo e sabe também que não haverá, dentro da comunidade, alguém que possa protegê-lo e que não tenha conivência com o crime organizado.

É essa a população que se cala. Mas o grito do silêncio se fará ouvir na medida em que houver compromisso político com a questão da segurança. Não podemos conviver apenas com os discursos que se perpetuam em cada uma das Casas, temos de respaldar as medidas concretas que têm chegado para serem votadas. Por isso, estou pedindo o apoio para projetos que acredito serem importantes.

Apresentei o Projeto de Resolução nº 20, de 1995, que criava a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. O Senador Lúcio Alcântara acatou alguns itens e sugeriu que a Comissão fosse incorporada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que passaria a ser denominada: Comissão de Constituição, Justiça e Direitos Humanos. Nessa época, estava sendo discutido o projeto de reforma administrativa do Senado Federal, e eu gostaria de pedir para que seja votado logo esse projeto de reforma, contemplando a necessidade de a Comissão de Direitos Humanos integrar a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Estou entrando com um outro requerimento, no qual solicito uma Comissão Provisória de Direitos Humanos até que seja votado o projeto de reforma, a fim de que esta Casa faça par com a Câmara dos Deputados, que já teve essa iniciativa e que investe nessa questão dos direitos humanos, que é importante para o nosso País.

Como já disse várias vezes, não custa repetir: não queremos direitos humanos para dar pão-de-ló aos presos, e sim para resgatar a cidadania de um povo. Não é a cor da pele ou o local de moradia que deve determinar quem deve ou não ter direitos ou ser considerado cidadão.

Eu também gostaria de pedir o apoio desta Casa para um projeto que apresentei em dezembro de 1996, que institui o estudo dos direitos humanos na formação policial. Eu gostaria de receber esse apoio dos meus Pares não como uma iniciativa, porque o projeto foi amadurecido em discussões realizadas com a sociedade civil há longos anos.

Hoje, desta tribuna, quero dizer que voltarei a abordar esse assunto com mais propriedade.

Queira Deus que a TV Globo não tenha mais imagens dessas atrocidades, porque isso significaria que estamos aceitando naturalmente esses fatos sem que tenhamos uma vontade política maior de inibir qualquer ação, seja no combate ao crime organizado, seja no combate a policiais fardados, que se tornam, a cada dia, bandidos em nossa cidade.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com muito prazer.

O Sr. Pedro Simon - Quero felicitar o seu pronunciamento e dizer que sou testemunha das várias iniciativas tomadas por V. Exª sobre direitos humanos. Creio que é oportuno o seu pronunciamento. Na verdade, o que a Globo fez foi apenas nos mostrar o que já sabíamos, que não era só São Paulo o local daquelas tragédias. Falou-se que o que aconteceu em São Paulo era uma exceção. "Não vamos generalizar!" Na verdade, sabemos que é exceção, sabemos que a imensa maioria dos órgãos de segurança merece respeito e confiabilidade. Mas, lamentavelmente, São Paulo não é uma exceção; existem muitas São Paulo! O que aconteceu no Rio de Janeiro é uma demonstração disso. O que acontece, minha brava Senadora, é que, neste País, há algo que se chama impunidade. Roubam por causa da impunidade. É necessária a CPI dos Títulos por causa da impunidade; é necessária a CPI da Corrupção por causa da impunidade; roubam na Previdência por causa da impunidade; a Polícia comete esses arbítrios e violências por causa da impunidade. Aconteceu algo diferente: de repente, a Globo mostrou o que aconteceu em São Paulo e isso pegou todo mundo de surpresa. "Mas foi uma exceção o que aconteceu", disseram. De repente, a Globo mostrou o que aconteceu no Rio de Janeiro. O perigo é V. Exª fazer esse discurso, nós falarmos, discutirmos e cair tudo na estaca zero. E a impunidade continua! Impunidade para os homens da Penitenciária de São Paulo, impunidade para os homens da Catedral do Rio de Janeiro, impunidade para todo o arbítrio e para toda a roubalheira que se comete neste País. V. Exª tem que ir à CPI dos Títulos para ver a maneira de falar daquelas pessoas que conhecem a impunidade. Eles mentem, não falam, não confessam, ridicularizam, debocham, porque sabem da impunidade. Aí V. Exª é responsável, eu sou responsável, nós somos responsáveis, alguma coisa deve ser feita. Gritar, berrar, protestar, tudo bem! Mas algo tem de ser feito de concreto. O Presidente da República fez uma declaração da maior importância, quando disse que se está facilitando a entrada de soldados; estão entre eles vários doentes mentais e viciados em drogas. Isso deve ser analisado. Vamos fiscalizar o conjunto da impunidade neste País. Creio, minha querida Senadora, com todo carinho e com todo apreço que tenho a V. Exª, que somos pessoas de bem, somos responsáveis; mas se ficarmos apenas assistindo, falando, denunciando e achando que isso é o suficiente... Na minha opinião, não é! O Senado é co-responsável pela omissão; omissão de tomar atitude, omissão de cobrar, omissão de tentar fazer alguma coisa contra a impunidade que reina neste País. Muito obrigado a V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, que, sem dúvida, enriquece o meu pronunciamento.

Quero dizer que a impunidade não pode existir entre nós; portanto, temos de acompanhar os projetos de interesse que criam condições para que não haja impunidade no País. V. Exª aborda muito bem a matéria.

Estamos acompanhando pela nossa nº 1, TV Senado, o brilhante trabalho que tem realizado com relação à CPI dos Precatórios. Lá não estou, Senador Pedro Simon, porque, como não faço parte da Comissão, não poderia ir apenas por questão...

O Sr. Pedro Simon - Pelo amor de Deus, vamos esclarecer! V. Exª não está porque o seu partido tem ilustres representantes, e V. Exª não pode estar em todo lugar ao mesmo tempo. Apenas digo que, se V. Exª estivesse ali, iria assistir aos horrores dos escândalos. Se dependesse de mim, seria dada voz de prisão a todos, por mentirem escandalosamente frente a uma Comissão.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Tenho acompanhado os trabalhos, Senador Pedro Simon, pela TV Senado. Tenho feito o meu registro no sentido de que temos responsabilidades, e não apenas as tem o Executivo, ou a Câmara dos Deputados, ou nossos Governadores. Somos responsáveis pela lei, pela segurança, pelo crescimento econômico, por uma vida melhor para todos os brasileiros.

Concluindo, Sr. Presidente, peço o registro nos Anais da Casa, de matéria publicada ontem pelo Jornal do Brasil, na coluna "Coisas da Política", de Marceu Vieira: "Os destinos de Rambo e de Josino". Gostaria de, na íntegra, acrescentar a matéria ao meu pronunciamento. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/1997 - Página 7344