Discurso no Senado Federal

VISITA DE S.EXA. E OUTROS SRS. PARLAMENTARES A FAVELA NAVAL, EM DIADEMA, NO ULTIMO SABADO, COM O FIM DE OUVIR OS RELATOS DAS VITIMAS DA VIOLENCIA PERPETRADA POR POLICIAIS MILITARES. ABUNDANCIA DE CASOS DE ABUSO E DESCONTROLE DA POLICIA MILITAR DE SÃO PAULO. PROTESTOS DE CONJUNTOS MUSICAIS, EM ESPECIAL, DOS GRUPOS DE RAP DAS PERIFERIAS DAS GRANDES CIDADES, CONTRA A VIOLENCIA POLICIAL. INFORMAÇÕES OBTIDAS JUNTO A OFICIAL DA POLICIA MILITAR, DE QUE SEU SERVIÇO SECRETO ESTARIA EFETUANDO ESCUTAS TELEFONICAS ILEGAIS DE MEMBROS DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • VISITA DE S.EXA. E OUTROS SRS. PARLAMENTARES A FAVELA NAVAL, EM DIADEMA, NO ULTIMO SABADO, COM O FIM DE OUVIR OS RELATOS DAS VITIMAS DA VIOLENCIA PERPETRADA POR POLICIAIS MILITARES. ABUNDANCIA DE CASOS DE ABUSO E DESCONTROLE DA POLICIA MILITAR DE SÃO PAULO. PROTESTOS DE CONJUNTOS MUSICAIS, EM ESPECIAL, DOS GRUPOS DE RAP DAS PERIFERIAS DAS GRANDES CIDADES, CONTRA A VIOLENCIA POLICIAL. INFORMAÇÕES OBTIDAS JUNTO A OFICIAL DA POLICIA MILITAR, DE QUE SEU SERVIÇO SECRETO ESTARIA EFETUANDO ESCUTAS TELEFONICAS ILEGAIS DE MEMBROS DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/1997 - Página 7286
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, VISITA, ORADOR, DEPUTADO FEDERAL, FAVELA, MUNICIPIO, DIADEMA (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OBTENÇÃO, DEPOIMENTO, PESSOAS, VITIMA, VIOLENCIA, ABUSO, POLICIA MILITAR.
  • LEITURA, MUSICA, AUTORIA, BANDA DE MUSICA, PERIFERIA URBANA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PROTESTO, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR.
  • DEFESA, NECESSIDADE, MARIO COVAS, GOVERNADOR, JOSE AFONSO DA SILVA, SECRETARIO DE ESTADO, SEGURANÇA PUBLICA, AMPLIAÇÃO, ATUAÇÃO, CONTROLE, ABUSO DE AUTORIDADE, APURAÇÃO, VERACIDADE, DENUNCIA, ILEGALIDADE, ATIVIDADE, SERVIÇO SECRETO, POLICIA MILITAR, INTERCEPTAÇÃO, TELEFONE, JOSE RAINHA, LIDER, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães, Srªs e Srs. Senadores, no último sábado, acompanhado dos Deputados Hélio Bicudo, Luís Eduardo Greenhalg, Fernando Gabeira, José Augusto Ramos, que foi prefeito de Diadema, e do ex-Prefeito, José Felipe, estive em Diadema, na favela Naval, para ouvir o depoimento das pessoas que foram vítimas da violência e do abuso de policiais militares naquela localidade.

Estivemos também com a mãe e a esposa de Mário José Jovino, morto naquele dia pelos policiais, a partir de uma ação de extorsão, de tortura e de tiros. Vimos os sinais dos tiros nas paredes e ouvimos de muitos que, de fato, aquela violência estava ocorrendo quase diariamente, pelo menos há três ou quatro meses.

As pessoas estavam com grande temor de nos contar os fatos, mas foram aos poucos relatando-os. Preferiram que seus nomes não fossem revelados.

Ouvimos o relato, por exemplo, de uma mãe, que disse que em outubro último organizou em sua casa uma festa de aniversário bastante simples para uma de suas crianças. Estava servindo refrigerantes, quando, de repente, entraram diversos policiais e começaram, abusivamente até, a colocar o dedo dentro dos refrigerantes e a tomar atitudes que, a certa altura, foram objeto de protesto de seu cunhado. Eis que o policial, de pronto, deu um soco no estômago do cunhado. Ficaram estarrecidos. Como é que até uma festa de criança podia ser objeto daquele abuso?

Têm sido muitas as vezes em que autoridades policiais no Estado de São Paulo, e infelizmente em outros lugares do Brasil, têm usado e abusado do fato de estarem fardados e usando armas. Ainda, ontem também fiz uma visita à favela de Paraisópolis, que se encontra em meio a um dos bairros de maior renda per capita de São Paulo. É interessante que no meio do Morumbi, a aproximadamente 3 quilometros do Palácio dos Bandeirantes, exista uma favela que hoje tem cerca de 15 mil famílias, 75 mil habitantes, considerando-se um mínimo de 5 pessoas por família. Era a posse da nova diretoria da União dos Moradores de Paraisópolis, e inúmeras pessoas me disseram que também ali têm ocorrido abusos dos mais diversos tipos, como o caso do rapaz que de pronto disse: "Olha, outra dia, eu estava sem carta de motorista e me levaram para um terreno baldio e disseram: ou você me paga R$50 ou vou acabar com você". Na hora que o rapaz titubeou um pouco, o policial deu um tiro para o chão, e ele se viu na necessidade de fazer um pagamento ao policial.

Está havendo um certo descontrole, mas tenho certeza de que o Governador Mário Covas e o Secretário de Segurança, José Afonso da Silva, não estão de acordo com tais procedimentos.

Hoje a Folha de S. Paulo registra como o motoqueiro Aldair Severino da Silva sumiu quando estava no 23º DP, em Perdizes, porque foi justamente acusar de espancamento um tenente da PM.

      "Acho que mataram meu irmão", disse Ivair Severino da Silva. Aldair Silva estava dirigindo uma motocicleta Honda ML-125 em 1º de março passado quando foi parado pelo policiamento de trânsito no cruzamento da avenida Rebouças com a Brasil. Ele e a motocicleta foram levados para um quartel da avenida Marquês de São Vicente.

      A moto foi apreendida porque estava com velocímetro quebrado e com uma letra da placa apagada. Ao pedir uma relação do que existia na moto, o motoboy teria sido espancado pelo Tenente Otoni, do trânsito. Ele teria levado socos e chutes.

      Ele procurou o comandante do 4º Batalhão da PM, tenente-coronel Luiz Nakaharada, que mandou apurar o caso. Durante nove horas, o motoboy foi acompanhado por policiais militares, entre eles o aspirante Lessa, do 4º Batalhão.

      Às 21 horas, ele foi levado para o 23º DP, em Perdizes, a fim de registrar a queixa de espancamento. Estava acompanhado por um PM. Na delegacia, conversou com um engenheiro sobre a agressão policial. Depois, não foi mais visto."

São casos e mais casos. Bem salienta hoje Esther Hamburger, em artigo na Folha de S. Paulo, que diversas pessoas, conjuntos musicais, como Racionais, Titãs, Paralamas, Gilberto Gil, têm feito protestos, um após outro. Caetano Veloso, em sua música Haiti, diz que o Haiti é aqui no Brasil.

Impressiona-me o extraordinário sucesso do conjunto de rap os Racionais nos bairros mais pobres de São Paulo. Eles cantam justamente os que os adolescentes dos bairros periféricos querem ouvir. Que linguagem falam eles? O Senador Abdias Nascimento, na semana passada, falava-nos da perseguição que sobretudo os negros sofrem das polícias militares, constituída também de pessoas das camadas mais pobres.

Leio aqui o rap do DMN, do LP Cada Vez Mais Preto, intitulado "Como pode estar tudo bem?", de autoria de L. Fernando e M. Santos.

      "Como pode estar tudo bem?

      Se ainda somos jogados contra parede

      Medo sempre, está tudo bem?

      Manipulados e levados a incerteza

      Os meus irmãos ainda continuam na mesma

      A matança continua, criminalidade nas ruas

      Com sua atitude, fria e suja

      Nacionalidade sem cadência, sem estrutura

      Inteligência se perdendo.

      Qual é a sua?

      Que fala em pena de morte

      Pobre já nasce sem sorte

      Quando não morre de fome

      Morre nas mãos da polícia

      Que define o destino com pancadas e tiros

      Como pode estar tudo bem?"

São letras ouvidas por milhares de pessoas que vão ouvir tais grupos, os Racionais MC, por exemplo.

Cito aqui um trecho da música de Brown:

      "Um homem na estrada recomeça sua vida

      sua finalidade a sua liberdade que foi perdida

      subtraída e quer provar a si mesmo que realmente

      mudou, que se recuperou, e quer viver em paz

      não olhar para trás dizer ao crime nunca mais,

      pois sua infância não foi um mar de rosas, não na Febem

      lembranças dolorosas então sim, ganhar dinheiro ficar rico

      enfim muitos morreram assim.

      Sonhando alto assim

      Me digam quem é feliz

      Quem não se desespera

      Vendo nascer seu filho

      No berço da miséria

      Um lugar onde só tinha como atração o bar, e o

      candomblé prá se tomar a benção

      Esse é um palco da história que por mim será contada.

      Um homem na estrada

      Equilibrado num barranco

      Um cômodo mal acabado e sujo porém seu único lar

      seu bem e seu refúgio um cheiro horrível de esgoto

      no quintal.

      Por cima ou por baixo se chover será fatal

      Um pedaço de inferno aqui e onde eu estou

      Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou numerou

      os barracos fez um par de perguntas, logo depois

      esqueceram ...

      Acharam uma mina morta e estuprada deviam estar

      com muita raiva mano, quanta paulada.

      Estava irreconhecível, o resto desfigurado deu meia-noite

      e o corpo ainda estava lá coberto com lençol

      Ressecado pelo sol, jogado o I.M.L. estava só 10 horas atrasado

      Sim ganhar dinheiro, ficar rico enfim quero que meu filho

      nem se lembre daqui

      tenha uma vida segura não quero que ele cresça com um

      oitão na cintura e uma PT na cabeça e o resto da madrugada

      em dormir ele pensa, o que fazer para sair dessa situação

      desempregado então

      Por má reputação

      Viveu na detenção

      Ninguém confia não

      E a vida desse homem para sempre foi danificada um

      homem na estrada

      Amanhece mais um dia

      E tudo é exatamente igual calor insuportável, 28 graus

      faltou água já é rotina, monotonia não tem prazo pra voltar

      já fazem 8 dias.

      São 10 horas a rua está agitada uma ambulância foi

      chamada com extrema urgência, loucura, violência,

      exagerada, estourou a própria mãe e estava embriagado

      Mais bem antes da ressaca ele foi julgado, arrastado pela rua

      O pobre do elemento inevitável linchamento imagine só

      ele ficou bem feio não tiveram dó.

      Os ricos fazem campanha contra as drogas e falam sobre

      o poder destrutivo delas

      Por outro lado promovem e ganham muito dinheiro com

      álcool que é vendido na favela.

      Impapuçado ele sai vai dar um rolê não acredita no que vê.

      Não daquela maneira crianças, gatos, cachorros disputam

      palmo a palmo seu café da manhã.

      Na lateral da feira molecadas sem futuro eu já consigo

      ver só vão na escola para comer apenas nada mais.

      Como é que vão aprender.

      Sem incentivo de alguém.

      Sem orgulho.

      Sem respeito.

      Sem saúde.

      Sem paz!

      Um mano meu tava ganhando um dinheiro.

      Tinha comprado um carro até Rolex tinha

      Foi fuzilado a queima roupa num colégio

      Abastecendo a playboisada de farinha

      Ficou famoso virou notícia

      Rendeu dinheiro aos jornais

      Cartaz a polícia

      20 anos de idade alcançou os primeiros lugares

      Super star do Notícias Populares uma semana depois

      chegou o crack

      Gente rica por trás, diretoria aqui periferia miséria de sobra.

      Um salário por dia garante a mão-de-obra.

      A clientela tem grana e compra bem

      Tudo em casa costa quente de sócios:

      A playboisada muito louca até o ossos vender droga por

      aqui grande negócio.

      Sim ganhar dinheiro ficar rico enfim.

      Quero um futuro melhor.

      Não quero morrer assim

      Num necrotério qualquer

      Um indigente sem nome, sem nada.

      Um homem na estrada

      assaltos na redondesa levantaram suspeitas

      Logo acusaram a favela para variar.

      E o boato que corre é que o homem

      Está com o seu nome lá.

      Na lista dos suspeitos.

      Pregada na parede do bar.

      A noite chega e o clima estranho no ar e ele sem desconfiar

      de nada vai dormir tranqüilamente.

      Mais na calada caguetaram seus antecedentes.

      Como se fosse uma doença incurável no seu braço a

      tatuagem, D.V.C. uma passagem 157 na lei

      Ao seu lado

      Não tem mais ninguém a Justiça Criminal é implacável

      tiram a sua liberdade família e moral mesmo longe do

      sistema carcerário

      Te chamaram pra sempre

      de expresidiário não confio na polícia raça (...)

      Se eles me acham baleado na calçada

      Chutam minha cara e cospem em mim

      E eu sangraria até a morte

      Já era, um abraço

      Por isso a minha segurança

      Eu mesmo faço

      É uma hora parece estar tudo normal

      Mas esse homem desperta

      Pressentindo o mal

      Muito cachorro latindo ele acorda ouvindo

      Barulho de carro e passos no quintal

      A vizinhança está calada, insegura

      Premeditando um final

      Que já conhecem bem

      Na madrugada da favela

      Não existe leis

      Talvez a lei do silêncio

      A lei do cão talvez

      Vão invadir o seu barraco

      É a polícia

      Vieram pra arregaçar

      Cheio de ódio e malícia

      (...)

      Comedores de carniça

      Já deram a minha centença

      E eu nem estava na treta

      Não são poucos e já vieram muito loucos

      Matar na crocodilagem

      Não vão perder viagem

      15 caras lá fora, diversos calibres e eu apenas com uma

      13 tiros automática

      Sou eu mesmo e eu meu deus e meu orixá

      No primeiro barulho eu vou atirar

      Se eles me pegam meu filho

      Fica sem ninguém

      O que eles querem mais um

      Pretinho na Febem

      Sim ganhar dinheiro, ficar rico enfim a gente sonha a vida

      inteira e só acorda no fim

      Minha verdade foi outra

      Não dá mais tempo pra nada não."

Assim, Sr. Presidente, aqui estão, na poesia das pessoas que moram na periferia de São Paulo, os sentimentos sobre a realidade que estão vivendo.

Diversos abusos estão ocorrendo na Polícia Militar há bastante tempo. Antonio Claudio Mariz de Oliveira e outros secretários dizem hoje à Folha de S.Paulo que a PM é incomandável. Diz o próprio Antonio Mariz de Oliveira: "A PM tem espírito de casta organizada e voltada para si mesma; é um estado dentro do Estado".

Sr. Presidente, ontem perguntei ao Presidente Fernando Henrique Cardoso se porventura havia ordenado à Polícia Militar ou a alguém fazer escuta dos líderes do Movimento dos Sem-Terra. Sua Excelência disse-me que não. Informou-me ainda que transmitiu ao General Alberto Mendes Cardoso, Ministro Chefe da Casa Militar, que de forma alguma use a escuta telefônica em qualquer circunstância, a não ser com autorização judicial.

No Parlatino, por ocasião do pronunciamento do Presidente sobre o balanço de dois anos desde o encontro de Cúpula Social de Copenhague, em conversa com o Governador Mário Covas perguntei se, porventura, havia ordem para alguém da PM realizar a escuta telefônica. S. Exª informou-me que de maneira alguma e que não sabia. Então, disse-lhe que havia obtido informações de oficiais da Polícia Militar, que obviamente preferem ser preservados, que não estão de acordo com a transgressão do capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição, que fala dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no seu art. 5º, Inciso XII, onde se lê:

      É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Ora, eu obtive a informação precisa de que a Polícia Militar, por seu serviço reservado, desde antes da decretação da prisão preventiva de José Rainha e posteriormente, encaminha com freqüência o conteúdo transcrito das conversas telefônicas desse líder do Movimento dos Sem-Terra. A Polícia, portanto, tem acompanhado os seus passos e os seus telefonemas. O Governador disse: "Se eles sabem, então o prenderiam, porque a prisão preventiva foi decretada." Não foi feita a prisão, ainda que tivessem conhecimento de onde ele está. Pouco mais à noite, conversei com o Secretário da Justiça, Belisário dos Santos, que também ficou surpreso com a informação, e, em seguida, com o Secretário de Segurança, José Afonso da Silva, que diz que não sabia desse fato. Transmiti-lhe que ele pode perfeitamente conhecer os fatos. Essa informação pode ser encontrada na Segunda Seção do Estado-Maior da PM, no Quartel-General da Polícia Militar, em São Paulo.

Queremos aqui, Sr. Presidente, chamar a atenção de como, em São Paulo, está havendo um abuso extraordinário por parte de policiais militares, com a conivência do comando da Polícia Militar.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, expressa em seu discurso a multiplicidade das linguagens, por meio das quais a sociedade sofrida brasileira tenta expressar as suas angústias, o seu protesto contra a violência sistêmica, a violência institucional, como aqui se referiu há poucos dias o nobre Senador Josaphat Marinho. São essas diversas linguagens que tentam traduzir os mesmos sentimentos. Em alguns lugares essa linguagem é mais veemente. Na Coréia do Sul, os trabalhadores vítimas do mesmo enxugamento, da mesma redução do custo Coréia, do mesmo desemprego neoliberal, vão para a rua com coquetéis Molotov. Essa é a sua linguagem, a linguagem do fogo, do coquetel Molotov, que se repete no Equador, quando Bucarán, El Loco, paga U$500 mil para o que o Sr. Domingo Cavallo repita a dose aplicada no Brasil e em diversos países da América do Sul sobre o povo equatoriano. E a resposta, a linguagem encontrada no Equador, foi justamente a mesma que se pronunciou nas ruas da Coréia do Sul: os coquetéis Molotov e a expulsão da Presidência da República do Sr. Bucarán, El Loco, e assim por diante. Parece-me que estamos diante de situações muito semelhantes. Há uma globalização da violência, há uma globalização da barbárie, que se intensifica principalmente em condições sociais como as existentes no Brasil, em que esses ex-trabalhadores marginalizados que se encontram nas favelas foram expulsos do campo, em Minas Gerais, no Nordeste, quando não se quis fazer uma reforma agrária nos anos 60. Foram expulsos para as indústrias então florescentes e, depois da exploração, subiram o morro e se transformaram em favelados. A classe média, também desempregada, segue a mesma trilha de amargura. Portanto, é óbvio que, numa sociedade como esta, ao contrário do que pensa o letrista a que se referiu V. Exª, não há ninguém mais que tenha segurança. Não adianta ficar rico, porque os ricos também estão inseguros; só aqueles que andam acima do nível do povo, aqueles que se dirigem de helicóptero para seus escritórios ou para suas indústrias e pousam nos heliportos de seus prédios fantásticos é que podem se considerar mais ou menos imunes. Então, me parece que realmente é um problema social. Esta sociedade violenta produz, entre os marginalizados, a multiplicação da violência. Não há uma linha ideológica para dirigir essa agressividade reativa, a ideologia foi também amassada, e realmente é uma luta desorganizada, bagunçada; é uma luta bárbara para a sobrevivência a qualquer custo. Uma sociedade violenta produz um governo violento, uma polícia violenta, institucionaliza a violência e somatiza essa violência a que V. Exª, com muita perspicácia e oportunidade, se refere. Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço ao Senador Lauro Campos e incorporo as reflexões de V. Exª, porque mostra a sua sensibilidade em relacionar esses episódios de violência que ocorrem no Brasil, como em outros lugares onde se desenvolve uma política econômica e social que acaba resultando em mais violência.

Sr. Presidente, o Corregedor da Polícia Militar, Benedito Domingos Mariano, informou-me hoje que, perguntado sobre o episódio de Diadema - como o episódio nº 501, de circunstâncias semelhantes -, tem ouvido denúncias sobre casos como o de Diadema, que se têm seguido, um após o outro, fazendo-se necessário uma cirurgia no âmbito da Polícia Militar.

Mas é preciso que o Governador Mário Covas e que o Secretário José Afonso da Silva certifiquem-se de que está havendo a informação ao próprio comando da Polícia Militar sobre a escuta telefônica - uma transgressão à Constituição - e sobre as conversas que, por aparelho celular, estariam sendo efetuadas pelo líder José Rainha. É preciso se fazer muito mais do que até agora foi feito pelo Governador Mário Covas e pelo Secretário José Afonso da Silva, porque, de outra forma, aqueles que estão no comando da PM vão-se sentir sempre como poderosos, não havendo a capacidade de o Governador e de o próprio Secretário de Segurança terem o controle sobre esses abusos de autoridade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/1997 - Página 7286