Discurso no Senado Federal

AUSENCIA DE RESULTADOS FAVORAVEIS, DESDE QUE O BRASIL ASSUMIU O COMPROMISSO DE ELABORAR UM PROGRAMA NACIONAL COM METAS RELATIVAS AO BEM ESTAR DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES, POR OCASIÃO DO ENCONTRO MUNDIAL DE CUPULA PELA CRIANÇA, REALIZADO EM SETEMBRO DE 1990, NA SEDE DA ONU, EM NOVA IORQUE. SOFRIMENTOS E VIOLENCIAS SOFRIDAS POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES AFRO-BRASILEIROS, EM DECORRENCIA DE ADVERSIDADES CAUSADAS PELAS POLITICAS SOCIAIS QUE VEM SENDO IMPLEMENTADAS PELO GOVERNO.

Autor
Abdias Nascimento (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Abdias do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • AUSENCIA DE RESULTADOS FAVORAVEIS, DESDE QUE O BRASIL ASSUMIU O COMPROMISSO DE ELABORAR UM PROGRAMA NACIONAL COM METAS RELATIVAS AO BEM ESTAR DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES, POR OCASIÃO DO ENCONTRO MUNDIAL DE CUPULA PELA CRIANÇA, REALIZADO EM SETEMBRO DE 1990, NA SEDE DA ONU, EM NOVA IORQUE. SOFRIMENTOS E VIOLENCIAS SOFRIDAS POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES AFRO-BRASILEIROS, EM DECORRENCIA DE ADVERSIDADES CAUSADAS PELAS POLITICAS SOCIAIS QUE VEM SENDO IMPLEMENTADAS PELO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/1997 - Página 7421
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • INEFICACIA, POLITICA SOCIAL, BRASIL, ALCANCE, COMPROMISSO, ENCONTRO, AMBITO INTERNACIONAL, DEFESA, CRIANÇA.
  • GRAVIDADE, CRISE, TENSÃO SOCIAL, ABANDONO, MISERIA, INFANCIA, ESPECIFICAÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, AMBITO, TRABALHO, PROSTITUIÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, HOMICIDIO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Com as graças de Olorum.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no início desta década, precisamente em setembro de 1990, o Brasil participou, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, do Encontro Mundial de Cúpula pela Criança. Como sempre ocorre nessas ocasiões que exigem do País um posicionamento ético sobre questões de cunho humanístico, o Brasil assumiu o compromisso de elaborar um programa nacional, com metas relativas ao bem-estar da criança durante a década de 90.

Não obstante a intenção do Poder Executivo, por meio dos seus Ministérios e Secretarias, de formular políticas e programas voltados para a população infanto-juvenil nas áreas da saúde, nutrição, educação etc., os resultados obtidos nos parecem muito aquém das metas mínimas estabelecidas, não podendo ser considerados nem mesmo razoáveis.

Segundo indicadores do IBGE para 1990, 58,2% da população infanto-juvenil brasileira era pobre, e 54,5% dela vivia em famílias cuja renda per capita não ultrapassava meio salário mínimo.

Esses dados, não podemos negar, refletem, dentre outros fatores, a falta histórica de uma justa distribuição de renda, resultado de um modelo econômico avalizado e sustentado pelo Governo, que se mostra absolutamente alheio às conseqüências da expansão da miséria sobre a população infanto-juvenil brasileira, hoje em torno de 11 milhões e 500 mil crianças e adolescentes.

Dissemina-se por meio de propagandas governamentais que o controle da inflação, com as medidas do Plano Real, seria um bom indicador sócio- econômico para comprovar um provável recuo da pobreza e da miséria nesta segunda metade da década. Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que percebemos em vários pontos deste País é o agravamento de uma crise social, de natureza estrutural e de fundo econômico, cujas conseqüências podem ser avaliadas observando-se os dramas vividos recentemente pela Argentina e pelo México.

Mas o que nos chama a atenção e o que nos preocupa é o papel do Estado brasileiro frente à tragédia a que estão submetidos milhões de crianças e adolescentes do nosso País; e não posso deixar de ser enfático ao manifestar que as crianças e os adolescentes afro-brasileiros, no enredo das tragédias nacionais, são os que mais têm sofrido, os que primeiro são atingidos pelas adversidades causadas pelas políticas sociais que vêm sendo implementadas.

O Brasil passa por esta década de 1990 vivendo a conturbação do que se convencionou chamar de abandono de crianças. Esse fenômeno, de difícil paridade com outros países, independentemente de refletir a ineficácia das políticas sociais brasileiras dos anos 80, nos remete ao século XIX, com a conhecida Lei do Ventre Livre, a qual estabelecia que as crianças nascidas de mãe escrava não seriam mais cativas, mas não libertava as mães. Criava-se assim o paradoxo da servidão voluntária, já que as crianças permaneciam sob a guarda das mães até a maioridade. Isso teve como conseqüência prática o Estado iniciando o abandono dos menores afro-brasileiros. É importante apontar que não faz parte da tradição e da cultura africanas o abandono de crianças, e só um processo histórico tão adverso e excludente nos submeteria a tal conflito e a comportamento tão estranho à nossa natureza.

Não se trata aqui de promover uma exaltação à miséria das crianças e adolescentes afro-brasileiros, como se fossem diferentes o sofrimento e a dor das crianças e adolescentes não-negros. Das causas e implicações que ferem o povo brasileiro, conheço quase todos os meandros e sei bem o quanto as injustiças são avassaladoras, visto que as mazelas da pobreza se sobrepõem às especificidades de etnia e de gênero, levando a condição e a dignidade humanas ao rés-do-chão.

Mas é fato, Sr. Presidente e ilustres Senadoras e Senadores, que, por longos anos, para atender as mais diversas conveniências dos mandatários do País - dentre as quais a malfadada segurança nacional da época da ditadura militar -, sempre houve uma postura deliberada em omitir o item cor ou raça, salvo raras exceções, do universo das estatísticas sociais brasileiras. Mas, ainda assim, com os poucos dados disponíveis, diversos pesquisadores das mais diferentes áreas têm-nos apresentado análises que demonstram as precárias condições sócio-econômicas da maioria dos afro-brasileiros.

Portanto, se as estatísticas sobre a população infanto-juvenil apontam que o Estado brasileiro é lesivo e negligente no amparo dessa população, tal situação se agrava sobremaneira quando se trata de crianças e jovens negros.

O quadro é crítico e vergonhoso, e esta Casa tem o dever de se posicionar politicamente, sob pena de ser questionada quanto aos seus princípios éticos, em relação ao futuro do capital humano do nosso País. Refiro-me também à distância e à indiferença de importantes setores do Estado, que relegam a infância brasileira ao plano das insignificâncias, impedindo dessa forma que o Brasil cumpra a sua trajetória e ocupe um lugar digno no cenário das Nações.

A violência contra crianças e adolescentes tem várias faces e graus diversos e específicos. Não posso abordá-los todos, mas destaco alguns que podem dar a dimensão da perversidade praticada contra a população infanto-juvenil de norte a sul do País.

Em 1990, mais de 7 milhões e meio de crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos vinham sendo explorados no campo e na cidade, trabalhando, em muitos casos - como no corte de cana, na produção de carvão e nas fábricas de calçados -, em condições insalubres e em jornadas de até 15 horas. Em fins de 1995, os Estados Unidos anunciavam que iriam boicotar os produtos brasileiros que utilizavam mão-de-obra infantil. Na Alemanha, no ano de 1992, pelo mesmo motivo, iniciou-se boicote aos produtos da indústria cítrica brasileira.

De acordo com pesquisa do UNICEF, em outubro de 1995, havia 2 milhões de crianças vivendo da prostituição no Brasil. A pobreza e a ignorância são as principais causas que levam esses jovens a se prostituírem; mas o que de fato agrava essa situação vergonhosa é a incapacidade do Estado de agir com rigor, tanto no sentido de oferecer políticas sociais quanto nos procedimentos coercitivos da Polícia e da Justiça. Foi preciso que organizações não-governamentais que trabalham com questões relativas à proteção da infância iniciassem campanhas de denúncia do turismo sexual e da exploração sexual de crianças e adolescentes para que o governo, timidamente, desse o ar da sua graça na forma de uma campanha publicitária e de algumas iniciativas demasiado modestas para a gravidade do problema.

Outro fato estarrecedor que corrói a moral brasileira é o extermínio de crianças e adolescentes, que, tal como a exploração do trabalho, a prostituição e o turismo sexual, atinge majoritariamente as crianças e adolescentes afro-brasileiros.

Uma Nação que incorpora o assassinato de crianças e adolescentes ao seu modo de vida e à sua cultura é uma Nação que caminha a passos largos para o obscurantismo. Esse tipo de crime, que por diversas vezes colocou sobre o Brasil os olhos incrédulos do mundo, pela sua freqüência nos noticiários e em nossas vidas, de há muito perdeu a excepcionalidade de fenômeno para se fixar, como rotineira pústula, nas relações e na dinâmica social brasileiras, em que a banalização da morte de crianças e adolescentes dá bem o grau da insensibilidade imperante.

De acordo com dados da Segunda Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, trabalhadas pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, das 1.226 mortes violentas de crianças e adolescentes registradas em 1994, 734 vítimas eram adolescentes com idade entre 15 e 17 anos; 574 foram causadas por projétil de arma de fogo, ou seja, 46,82% do total.

A cor como critério para o extermínio, mais uma vez comprovado pelos recentes episódios envolvendo a Polícia Militar de São Paulo e do Rio de Janeiro, ratifica a nossa preocupação com a prática do racismo em todos os espaços da vida nacional. Análise de uma amostra dos principais jornais do País, efetuada no ano de 1994, com aproximadamente 25% dessas amostra trazendo especificado o item cor, constatou que 59% dos homicídios dolosos de crianças e adolescentes correspondiam à categoria negro e 41%, à categoria branco. Já no Estado do Rio de Janeiro, observou-se que os homicídios contra crianças e adolescentes afro-brasileiros subiam para 75%, enquanto 25% correspondiam às crianças e adolescentes brancos.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, esses são os fatos tristes e alarmantes em que estão mergulhadas a infância e a adolescência do nosso País. Sabemos que uma Nação não pode ter dois futuros. Se não ousarmos estabelecer alternativas radicais, de curto prazo, para mudarmos de vez essa situação da juventude brasileira, o futuro que se avizinha será marcado pela desesperança e pelo fracasso social. Viveremos, então, num campo fértil para que todos os enfrentamentos se justifiquem em nome da luta contra as injustiças.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/1997 - Página 7421