Discurso no Senado Federal

VIRTUDES E PERIGOS DA INTERNET. PROJETO DE LEI DE S.EXA. EM TRAMITAÇÃO NO SENADO FEDERAL, SOBRE BANCO DE DADOS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • VIRTUDES E PERIGOS DA INTERNET. PROJETO DE LEI DE S.EXA. EM TRAMITAÇÃO NO SENADO FEDERAL, SOBRE BANCO DE DADOS.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/1997 - Página 7422
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CIRCULAÇÃO, INFORMAÇÃO, DIVULGAÇÃO, PORNOGRAFIA, NAZISMO, DISCRIMINAÇÃO, INCENTIVO, SUICIDIO, ABORTO, INDUÇÃO, MORTE, MOTIVO, DOENÇA.
  • ANALISE, AUSENCIA, CENSURA, LEGISLAÇÃO, CONTROLE, INTERNET, AMBITO INTERNACIONAL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, SIGILO, INFORMAÇÃO, BANCO DE DADOS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, abordo, no dia de hoje, um assunto que tem merecido muito da minha preocupação: notícias, matérias divulgadas por essa formidável rede de comunicação e disseminação da informação que é a Internet.

Em primeiro lugar - evidentemente, é um truísmo - não custa repetir o que significa a Internet como meio de aproximação das pessoas, de difusão do conhecimento e da informação, como meio de disponibilização da informação, enfim, aproximação das culturas, das sociedades e dos países, e o formidável progresso tecnológico que isso significa para o mundo.

Todavia, é de se assinalar que nem tudo que se divulga pela Internet é bom ou é de boa qualidade. Poderíamos até falar em uma espécie de lixo que também circula nessa imensa rede de comunicação. Não podemos confundir informação com conhecimento. Há muitas informações divulgadas pela Internet que não têm nenhuma sustentação, nenhuma consistência do ponto de vista do conhecimento no sentido científico da palavra.

Entre as divulgações da Internet, há algumas que me preocupam: uma delas é a pornografia. A quantidade de matéria pornográfica que há na Internet é de assustar.

É evidente que, à medida que a informática se banaliza, que os computadores estão em quase todas as escolas, em residências, à medida que crianças cada vez mais se familiarizam com o seu uso, fica mais fácil o acesso a esse tipo de informação, que é extremamente danoso a personalidades em formação. Há divulgações sobre o nazismo, discriminação, enfim, todas essas outras formas de perversão do pensamento e de perversão cultural.

E há uma que particularmente me preocupa, porque fui designado - depois declinei e devolvi o processo à Comissão - relator de um projeto do Senador Gilvam Borges sobre a eutanásia. O meu parecer já estava elaborado, e era contrário à proposta. Considerei-a inconstitucional. Nem sequer cheguei a entrar no mérito.

Como o Senador Gilvam Borges desejava que o projeto fosse mais discutido, mais analisado, eu, que já tinha a minha convicção firmada, atendendo a um pedido de S. Exª, devolvi-o à Comissão, sem parecer. Conseqüentemente, deve ter sido designado um outro relator, e não tenho conhecimento de quem terá sido.

Fui então fazer os primeiros exames sobre essa questão da eutanásia. Verifiquei, por exemplo, que na Internet há uma série de informações sobre a eutanásia, informações divulgadas por uma sociedade chamada Hemlock Society, dos Estados Unidos. Isso significa sociedade da cicuta, para lembrar Sócrates, o grande filósofo grego que foi obrigado a suicidar-se tomando infusão de ervas, a tal cicuta. Criaram então a Hemlock Society, que tem justamente o objetivo de difundir, de defender, de fazer proselitismo da eutanásia - trata-se do suicídio assistido ou da chamada informação que alguém em vida pode fazer. Por exemplo, um documento, lavrado em cartório, segundo o qual a pessoa declara que, se estiver inconsciente, se o cérebro estiver irrecuperavelmente danificado, poderão ser desligados os aparelhos. Enfim, é uma questão muito momentosa e difícil. Mas a Constituição Brasileira e as nossas leis, o nosso Código Penal não permite isso. É crime induzir ao suicídio pela Legislação brasileira.

Preocupado com isso, mandei fazer um exame dessa situação. Verifiquei que estamos diante de um dilema, porque, se essa informação, que se propaga com muita eficiência, com muita rapidez pelo mundo, se difunde e estimula prática considerada criminosa pelas leis brasileiras, qual será a nossa postura diante disso? Há um livro chamado A Solução Final - que, de início, pensei tratar do genocídio terrível dos judeus, que aconteceu por ocasião do nazismo -, o qual é a apologia da eutanásia. Foi escrito por um jornalista inglês, que fez o suicídio assistido da sua mulher, depois, junto com sua segunda mulher, fez o suicídio assistido dos pais da sua mulher, e, mais tarde, da sua segunda mulher, e que está sendo processado. Não quero entrar no mérito da questão, mas o que me chama a atenção, e de certa maneira é uma perplexidade, é como lidar com essa situação.

A Internet, sabem os que se dedicam ao assunto e o conhecem, é uma rede estabelecida no auge da guerra fria pelos americanos do Departamento de Defesa, conectando computadores no mundo todo de maneira descentralizada, justamente para impedir que, atingindo-se um centro nevrálgico, se destruísse toda a rede. Em conseqüência dessa descentralização, ainda que se quisesse praticar algum tipo de censura não seria possível, porque não se tem um mecanismo central que controle a divulgação dessas mensagens, principalmente na WEB, a grande rede onde todas essas matérias são difundidas.

Estamos numa situação difícil, mais uma vez, diante dessas questões transnacionais: como aplicar leis de Estados nacionais a alguma coisa que, na verdade, é internacional? O que vale: a lei do Estado Nacional, onde a mensagem está chegando, ou a do lugar de onde ela é emitida? Isso está criando uma situação extremamente complexa, que nos leva a esse debate, a essa discussão que estou querendo fomentar.

Os americanos criaram a chamada "Lei da Decência", ou "Communication Decency Act", aprovada pelo Parlamento para impedir a pornografia na Internet, entre outras coisas. Essa lei está sub judice na Suprema Corte americana, porque foi arguído que se tratava de um cerceamento da liberdade de expressão e de comunicação, e que, portanto, constituiria uma censura, o que a Constituição americana não agasalha e não poderia aceitar.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª esta abordando dois temas - Internet e eutanásia - que merecem um aprofundamento sério. Com relação ao problema da Internet, fico até sem saber como poderíamos intervir, porque mesmo nos Estados Unidos, apesar de se estar buscando uma solução, tem-se dúvida a respeito de como se devem cercear as informações, uma vez que a todo momento estão sendo jogadas na rede. Então, a medida para evitar isso não poderia ser profilática, mas aplicada posteriormente. Já o caso da eutanásia é outro problema sério, porque cada um tem a sua consciência cristã, ou judaica etc. No entanto, essas consciências se modificam, dependendo do estágio de saúde em que o cidadão esteja. Esses são problemas em que temos que nos aprofundar. Acho que V. Exª faz muito bem em nos trazer temas como esses, para que comecemos a pensar a respeito, a imaginar, a estabelecer ligações, porque, mais cedo ou mais tarde, teremos que enfrentá-los na nossa legislação, inclusive com a busca de soluções. Se disséssemos, hoje: "Não, não pode", com toda certeza, no caso da Internet, seríamos impotentes para frear os abusos. No caso da eutanásia, podemos proibir, sim. Podemos proibir, é uma coisa mais simples, mas também faço a pergunta: será que é justo proibir-se a discussão? Será que não devemos acompanhar as experiências que estão se sucedendo nos outros países, deixando um espaço maior para que, com o aprimoramento dessa discussão, cheguemos a conclusões? Parabenizo V. Exª por estar levantando os temas, mas, como eu, a maioria dos Senadores ou dos ouvintes de V. Exª, neste momento, com toda certeza estará ainda sem opinião formada a respeito. Esses temas ainda vão demandar muita discussão. Acho que aí está o mérito do discurso de V. Exª: puxar, aprofundar, trazer o tema à baila para que possamos matutar sobre ele. Parabéns.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Suassuna. V. Exª veja o seguinte: essa lei da comunicação da decência, nos Estados Unidos, responsabiliza os provedores por determinadas informações que poderiam ser veiculadas através da Internet, mas todo esse material sobre a eutanásia foi tirado dela.

Não quero nem discutir o mérito, porque é um problema muito complexo e envolve, como V. Exª disse muito bem, implicações de natureza religiosa, de natureza ética, profissional e isso demanda um debate muito mais profundo e mais demorado. Nesse particular, o projeto do Senador Gilvam Borges pode ter o mérito de iniciar essa discussão no Brasil.

Mas o que me chama a atenção é justamente a circulação dessas informações, que constituem infrações a normas legais, como o caso que citei, do Código Penal. Há quem diga que, no caso, a infração ao Código Penal só se daria se se dirigisse especificamente a alguém, quer dizer, conforme dispõe o art. 122: "Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio"; "Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça".

No caso, esse material sobre a eutanásia tem uma abrangência muito maior, porque explica como proceder, quais são os métodos de que se pode valer, quais são os procedimentos de que se pode lançar mão para se obter, por exemplo, o suicídio assistido, nome, inclusive, de profissionais que têm experiência, vamos chamar assim, nesse tipo de atividade.

Para que tenham uma idéia de como o mundo está mudando rapidamente - e a profissão médica, a minha, foi sempre em defesa da vida e de sua valorização - o chamado Dr. Jack Kevorkian, conhecido como Dr. Morte e que está sendo processado nos Estados Unidos, se intitula "obidiatra", quer dizer, é especialista em fazer uma política racional de morte planejada, "aconselhamento especial para a morte, somente com consulta marcada".

Então, todo esse material veiculado pela Internet está atingindo um amplo espectro de pessoas que, num País como o nosso, com escasso nível de conhecimento, de informação e de cultura, ficam muito mais suscetíveis de serem influenciadas. Além disso, é claro, também diz respeito às nossas leis.

Portanto, aqui há um problema. Estou citando o caso da eutanásia, como poderia citar o da pornografia, o do racismo e vários outros, todos com atitudes que contrariam as nossas leis.

É importante que esse debate comece, que isso seja discutido, para se verificar qual a melhor maneira de essa sociedade pós-moderna - que é a sociedade do conhecimento, da informação, da tecnologia - conviver com isso, porque estamos diante de um desafio novo, neste momento, o qual, certamente, requer a participação de juristas e de pessoas que conheçam o assunto.

Apresentei ao Senado - e está nas mãos do Senador José Ignácio - um projeto sobre banco de dados; o Senador Pedro Simon acabou de ver um projeto de sua autoria transformar-se em lei, que é o do número único, mas há uma série de procedimentos que se têm que tomar em relação ao sigilo de certas informações, pois esses bancos de dados estão à disposição de instituições financeiras, de serviço de proteção ao crédito, de editoras, que, muitas vezes, manipulam informações a nosso respeito sem o nosso conhecimento e sem a nossa autorização.

O meu projeto é no sentido de buscar uma norma que estabeleça regras para a acumulação desses dados, não só por parte do Estado, mas também de organizações privadas, e que discipline o acesso e a divulgação dessas informações. Há dados, por exemplo, sobre saúde, sobre convicções de ordem política; há dados sobre informações de convicções religiosas e assim por diante, que são, na verdade, indevassáveis.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Lúcio Alcântara, desculpe-me interromper V. Exª para cumprir um dever regimental de prorrogar a Hora do Expediente pelo tempo necessário para que V. Exª termine seu pronunciamento.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Obrigado, Sr. Presidente.

Termino meu pronunciamento com uma matéria publicada pela Folha de S. Paulo de ontem, que trata justamente da divulgação, pela Internet, de um laboratório que vende kit abortivo.

Sr. Presidente, não quero entrar no mérito do problema do aborto, porque tenho a minha posição, mas respeito a dos demais. Ocorre que o aborto no Brasil é crime, a não ser em determinadas condições muito bem estabelecidas, como estupro e risco para a vida da mãe.

Pois bem, segundo a matéria, o produto de firma norte-americana pode ser adquirido com cartão de crédito na rede mundial de computadores. Um kit abortivo está sendo oferecido, e está disponível para quem tem acesso à Internet.

Como fica a lei brasileira diante disso? Qual é o procedimento que devemos adotar em relação a uma questão dessa natureza?

São situações novas que estão surgindo enquanto ficamos nos batendo, por exemplo, com a reforma agrária, que é uma questão do século passado. Estamos vendo aqui questões do século XXI e ainda não conseguimos responder sequer as do século XIX!

Isso, evidentemente, é mais um sinal dessa sociedade esquizofrênica, que convive com problemas do século passado e já enfrenta desafios do século XXI.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/1997 - Página 7422