Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, ONTEM, DO DIA MUNDIAL DE COMBATE AO CANCER.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • TRANSCURSO, ONTEM, DO DIA MUNDIAL DE COMBATE AO CANCER.
Aparteantes
José Alves, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/1997 - Página 7427
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, CANCER, ANALISE, ESTATISTICA, DOENÇA, BRASIL, INEFICACIA, SAUDE PUBLICA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).
  • ANUNCIO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MELHORAMENTO, ATENDIMENTO, SAUDE, MULHER, PROGRAMA, COMBATE, PREVENÇÃO, CANCER, EXPECTATIVA, CAMPANHA, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este 8 de abril assinala a passagem do Dia Mundial de Combate ao Câncer. Doença insidiosa, com elevada taxa de morbidade, o câncer permanece desafiando a Ciência na busca da cura definitiva. Presente, ao que tudo indica, desde a mais remota antigüidade, tornou-se uma doença característica dos tempos modernos, em que industrialização e urbanização impuseram novos hábitos à humanidade, infelizmente propiciadores da expansão desse tipo de disfunção orgânica.

Seja pela dimensão alcançada pela doença em escala mundial, seja pela posição por ela ocupada na escala de internações e óbitos em nosso País, o certo é que o problema do câncer precisa ser encarado com determinação e firmeza, única forma de transformar o preocupante quadro com o qual nos deparamos, hoje, no Brasil.

Queremos aproveitar este Dia Mundial de Combate ao Câncer para trazer ao conhecimento dos nobres Colegas algumas informações sobre essa doença, seu impacto no conjunto da saúde pública brasileira e as alternativas existentes para minimizar seus efeitos. Creio que esta Casa, assumindo a causa e oferecendo sua contribuição para o necessário debate em torno da questão, cumpre seu papel de centro de reflexão de tudo aquilo que seja importante para a vida nacional.

O câncer é a segunda causa de mortes por doenças no Brasil. Pesquisa realizada recentemente (Estimativas Da Incidência Em Mortalidade Por Câncer No Brasil, 1997), pelo Instituto Nacional do Câncer (INCa), dá-nos uma idéia de como o câncer tem atingido a população brasileira.

Pelo menos 97 mil pessoas deverão morrer de câncer no Brasil em 1997; 3% a mais que em 1996. Até o fim do ano, 248.355 novos casos serão registrados no País.

Aproximadamente 85% dos casos de câncer são evitáveis, se forem diagnosticados precocemente por meio de exame preventivo. Tanto o câncer do colo do útero como o de mama podem ser tratados "com total sucesso".

Na distribuição por sexo, o câncer atingirá mais mulheres: 131 mil ou 52%; os homens serão 117 mil atingidos ou 47%.

O câncer de mama vai liderar a estatística com 28 mil novos casos.

O câncer de colo de útero será o segundo de maior incidência: 20 mil casos estimados.

30% dos óbitos terão como causa o fumo, que pode provocar outros tipos de câncer, além do de pulmão. Aproximadamente 12 mil pessoas deverão morrer este ano de câncer de pulmão, sendo que 19 mil novos casos devem surgir.

Para cada quatro novos casos de câncer de mama diagnosticados, uma pessoa morre. No câncer de pulmão, essa relação cai de duas pessoas para cada três casos.

A incidência do câncer de próstata, que atinge homens com mais de 50 anos, terá um crescimento gradativo neste ano.

O câncer de mama, no Brasil, tem maior incidência na classe média e está associado, na maioria dos casos, à má alimentação.

O Instituto Nacional do Câncer afirma que "não existe ainda uma explicação para o fato de o câncer atingir, no País, maior número de mulheres e, no entanto, causar mais morte entre os homens".

Para que se tenha idéia de como a população feminina tem sido atingida, basta dizer que cerca de 20% das internações de portadores de câncer correspondem a neoplasias sofridas por mulheres.

Em 1996, segundo o Ministério da Saúde, o total de gastos no Sistema Único de Saúde com internações por câncer correspondeu a 4,7% do total das despesas, algo em torno de R$150 milhões.

Em face desses números, não há dúvida quanto ao muito a ser feito: a sociedade e, muito especialmente, o Poder Público têm que se mobilizar para o enfrentamento desse mal que mutila e ceifa tantas vidas a cada ano.

O Governo Federal anunciou sua proposta de trabalho nessa área. Há poucos dias, quando do lançamento do programa "1997 - O Ano da Saúde no Brasil: Ações e Metas Prioritárias", o Ministério da Saúde destacou duas áreas de importância em termos de saúde pública. O Ministro Carlos César de Albuquerque afirmou na ocasião que, entre as prioridades do "Ano da Saúde", se inscreve a "Saúde da Mulher", envolvendo o aprimoramento da assistência ao pré-natal, parto institucional e pós-parto, além da ampliação da oferta de planejamento familiar.

Destaco, no documento, o seguinte trecho:

      "Será incentivado o programa Viva Mulher, de combate ao câncer do colo do útero, iniciando pelas regiões metropolitanas de Belém, Brasília, Curitiba, Recife e Rio de Janeiro, onde serão realizados exames preventivos em meio milhão de mulheres na faixa etária de 35 a 49 anos."

Em relação ao controle do câncer, "serão implantados 10 centros regionais de controle, para aperfeiçoar o registro dos casos de câncer, permitindo uma ação mais eficaz de combate à doença."

Essas propostas, sendo corretas na formulação, precisam ser implementadas, mesmo porque, sabemos todos, o Brasil está ainda muito atrasado na luta contra o câncer.

      Em reportagem da edição do último dia 26 de março, a revista Veja lembra que: "a mamografia é uma arma poderosa contra o câncer, mas o arsenal brasileiro ainda é insuficiente para essa guerra. Calcula-se que existem apenas 600 mamógrafos espalhados pelo País. A cada ano, eles realizam 4 milhões de exames - 600 mil deles pelo Sistema Único de Saúde, o SUS. É um índice muito baixo. Nos Estados Unidos, país rico, onde a preocupação com a saúde é grande, a maioria dos tumores é detectada ainda em fases iniciais, quando o tratamento pode ser mais eficaz e menos doloroso. Mas a quantidade de exames realizados em relação à população feminina lá é três vezes maior do que aqui".

Penso que, ao lado das medidas anunciadas pelo Governo Federal, amplas e bem estruturadas campanhas de esclarecimento dirigidas ao grande público precisam ser feitas. Essas campanhas precisam ser mais freqüentes, objetivas e diretas. Afinal, para quase todas as cerca de cem variedades de câncer, há fatores de risco que podem e devem ser combatidos. Por exemplo, cerca de 90% dos casos de câncer do pulmão estão relacionados ao cigarro; logo, o melhor a fazer para evitá-lo é não fumar.

Quanto mais cedo for descoberto, maiores as chances de o câncer ser curado. Basta essa certeza para não admitirmos mais o absurdo que acontece em nosso País: em cada dez diagnósticos, sete são feitos quando o Câncer está em estágio avançado. Assim, precisamos vencer duas terríveis barreiras: a desinformação da população brasileira quanto à prevenção da doença e a persistente deficiência da infra-estrutura indispensável para os exames e tratamento.

Nessa perspectiva, lembro que a mamografia é fundamental para a prevenção do neoplasma mamário. Como sempre repetem os mastologistas, esse exame deve ser feito a partir dos trinta e cinco anos, de forma rotineira, por todas as mulheres. Será que nosso sistema de saúde pública está em condições de prestar esse serviço essencial? Será que as mulheres brasileiras estão sendo informadas corretamente sobre a necessidade do exame? Infelizmente, sabemos que as respostas são negativas.

Não é possível receber com naturalidade a estimativa de que, ao longo deste ano, mais de vinte e oito mil mulheres brasileiras descobrirão que sofrem do câncer de mama. De igual modo, não se pode aceitar passivamente que se estime, para o corrente ano, quase sete mil mortes causadas por essa doença.

Espero que o Estado assuma suas responsabilidades. Que postos de saúde e hospitais públicos sejam convenientemente aparelhados para a prevenção e o tratamento do câncer. Que campanhas de esclarecimento substituam enganosas propagandas institucionais e auxiliem a população no combate à doença.

Espero que esta data não passe despercebida por todos nós, porque, inconscientemente, estamos vendo o câncer tomando conta dos lares. Estamos vendo perdas enormes neste País. E este assunto que hoje trago, no Dia Mundial de Combate ao Câncer, deveria ocupar as preocupações dos debates políticos no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas, nas Câmaras Municipais; deveria ocupar a primeira página dos jornais de nossas cidades, assim como as televisões e rádios, pois estamos tendo uma diminuição da população através desse instrumento terrível que se chama câncer.

Estou muito sensibilizada porque tenho freqüentado os hospitais, pois minha irmã está em fase terminal de câncer. Lamento profundamente que não tivéssemos tido sequer a preocupação de fazer os exames que devem ser feitos cotidianamente, para detectar, ainda em fase de tratamento, essa doença. Lamentavelmente, ao chegar ao hospital, nada mais se podia fazer.

Chamo a atenção para um outro problema, por estar freqüentando o INCa e casas de apoio que dão sustentação e terapia psicológica a fim de que possamos suportar esses momentos finais. Não temos verdadeiramente neste País, casas ou hospitais de apoio suficientes para o número de pacientes. É cruel ver as pessoas sendo mandadas embora para os seus lares - quando os têm -, e saber que estão sofrendo de asfixia e que não podem ter na estrutura do lar um tratamento adequado; é igualmente cruel saber que algumas delas, generalizado o câncer, não podem alimentar-se senão por soro e não têm condições de comprá-lo ou condições sequer de manter alguém ou o chamado médico de família para um tratamento.

Estou vivenciando isso há muitos anos, por ser da área de saúde, como auxiliar de enfermagem e como assistente social. Estou vivendo essa dor também porque lamento profundamente o fato de ser a quarta vez que essa doença bate à porta de minha família e está levando minha quarta irmã. Lamento profundamente que esse assunto tão importante não tenha encontrado eco, ou melhor, não tenha encontrado sequer um orçamento digno para a área de saúde, para combater o câncer e também para dar sustentação aos que já estão com a doença em fase terminal.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna - Senadora Benedita da Silva, condoeu-me o discurso de V. Exª e tocou-me muito fundo, porque isso também aconteceu com a minha família. Minha mãe e três tias tiveram o mesmo problema, pura e simplesmente porque não fizeram a profilaxia. Portanto, é muito importante o alerta de V. Exª. Penso que as mulheres brasileiras devem fazer os exames de prevenção, a mamografia - e os homens que têm responsabilidade devem lembrá-las disso -, para que não venham a sofrer esse mal, que é terrível e abala enormemente a família por todo o período que dura. É muito triste ver o definhar de uma pessoa querida. Solidarizo-me com V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Sei que esta é uma campanha de todos nós. Precisamos conscientizar a população, pois ela é desinformada, não apenas o universo feminino, como também o masculino. Às vezes, durante uma campanha de combate ao câncer, não encontramos eco, porque nossa inconsciência, o caso do fumo e outros interesses econômicos, impedem que esta campanha alcance a eficácia necessária.

Há uma ignorância entre nós porque aceitamos quase que naturalmente todos esses mecanismos que transmitem essa doença. E não conseguimos, do ponto de vista político, fazer uma campanha esclarecedora, informativa e radical de combate ao câncer em nosso País.

Concedo o aparte a V. Exª, Senador José Alves.

O Sr. José Alves - Inicialmente, quero agradecer à Senadora Benedita da Silva a gentileza do aparte. Gostaria também de parabenizar V. Exª pelo importante pronunciamento que faz no final da tarde, neste plenário, ao traçar um quadro grave, delicado e dantesco do que seja a saúde em nosso País, especialmente para os pacientes portadores desse mal terrível para os quais cada dia mais vêm avançando os diagnósticos, o que permite que mais casos venham a ser precocemente tratados e que menos casos sejam perdidos pela ciência médica. Quero felicitar V. Exª pela clareza e pela emoção com que traz a este plenário um depoimento sobre uma situação muito grave e muito delicada, qual seja, a da saúde pública de um modo geral em nosso País, principalmente no que diz respeito à especialização que trata dos pacientes de câncer. Meus parabéns a V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª que enriquece, juntamente com o aparte do Senador Ney Suassuna, o discurso que faço hoje.

Na data de 8 de abril não poderia deixar de manifestar-me, não só pelo fato de estar sentindo na pele o que significa um câncer na família, mas porque tenho acompanhado o assunto e interesso-me por essa área. Nós nos interessamos tanto, V. Exª, eu e os demais Srs. Senadores, que estamos neste momento convidando a todos os membros da Comissão Especial que trataram de investigar a situação das clínicas, e, em particular, da Clínica Santa Genoveva no Rio de Janeiro, por ocasião daquela grande mortalidade de pacientes da terceira idade. Hoje, na comissão, teremos a leitura do relatório final, que será feito por V. Exª, que é o nosso relator.

Aproveitamos esse momento para alertar os membros da comissão especial que trata dessa questão que, dentro de cinco minutos, daremos início a nossa reunião.

Espero que possamos encontrar eco nesse nosso pronunciamento, nessa nossa campanha, que é em defesa da vida.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/1997 - Página 7427