Discurso no Senado Federal

REGOZIJO PELA POSSE, AMANHÃ, DO GOVERNO DE UNIDADE E RECONCILIAÇÃO NACIONAL, NOS TERMOS DO PROTOCOLO DE LUSAKA, ASSINADO EM 1995 ENTRE O MOVIMENTO NACIONAL PELA LIBERTAÇÃO DE ANGOLA - MPLA E A UNIÃO NACIONAL PELA LIBERTAÇÃO TOTAL DE ANGOLA - UNITA. CONSEQUENCIAS MALEFICAS DA COLONIZAÇÃO EUROPEIA NA AFRICA.

Autor
Abdias Nascimento (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Abdias do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REGOZIJO PELA POSSE, AMANHÃ, DO GOVERNO DE UNIDADE E RECONCILIAÇÃO NACIONAL, NOS TERMOS DO PROTOCOLO DE LUSAKA, ASSINADO EM 1995 ENTRE O MOVIMENTO NACIONAL PELA LIBERTAÇÃO DE ANGOLA - MPLA E A UNIÃO NACIONAL PELA LIBERTAÇÃO TOTAL DE ANGOLA - UNITA. CONSEQUENCIAS MALEFICAS DA COLONIZAÇÃO EUROPEIA NA AFRICA.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/1997 - Página 7491
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, POSSE, GOVERNO ESTRANGEIRO, POSSIBILIDADE, EFETIVAÇÃO, PAZ, PAIS ESTRANGEIRO, ANGOLA.
  • COMENTARIO, HISTORIA, FORMA, COLONIZAÇÃO, ORIGEM, EUROPA, PREJUIZO, POVO, CULTURA, GRUPO ETNICO, NEGRO.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), VOTO, CONGRATULAÇÕES, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ANGOLA.

O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ. Para uma comunicação inadiável.) - Sr. Presidente, Srsªs e Srs. Senadores, acostumado, nos últimos tempos, a esperar más notícias sempre que o assunto é África, foi com muita satisfação e esperança que recebi a boa nova de que amanhã, 11 de abril, terá lugar, em Angola, a posse do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, nos termos do protocolo de Lusaka, assinado em 1995 entre o MPLA - Movimento Nacional pela Libertação de Angola e a UNITA - União Nacional pela Libertação Total de Angola. Acontecimento há muito esperado pela comunidade internacional, a posse do novo governo pode sinalizar uma efetiva era de paz naquele país da África Austral, envolvido há décadas numa luta sangrenta, primeiro para se libertar do jugo português, depois em função da disputa pela hegemonia entre as duas maiores facções envolvidas na luta de libertação.

Para nós brasileiros, de modo geral, e afro-brasileiros em particular, a solução da guerra civil angolana é motivo de regozijo, pois os laços que nos unem àquele país vão muito além da solidariedade genérica entre povos distantes. Somos na verdade, brasileiros e angolanos, muito próximos, seja do ponto de vista geográfico - apenas seis horas de vôo nos separam de Luanda -, seja do ponto de vista cultural, humano e até mesmo sangüíneo. Afinal, os africanos escravizados que construíram este país eram oriundos, predominantemente, da região do Sul da África que um dia seria Angola, o que por si só revela o imenso débito que temos para com aquela nação.

Embora estejamos acostumados a uma imagem negativa do Continente e do povo africano, tão difundida e reiterada que assume ares de verdade, o fato é que a África não foi, historicamente, o continente sombrio que a história etnocêntrica escrita por europeus nestes dois últimos séculos praticamente nos impôs. Ao contrário dessa visão não apenas preconceituosa, mas, pior ainda, intencionalmente distorcida com o objetivo de negar aos africanos a própria humanidade, e assim justificar a escravidão e o colonialismo, a história da África é pelo menos tão rica quanto a de qualquer outro continente. Lá floresceram o Egito dos faraós, a Núbia, os reinos de Axum e de Kush, os impérios de Mali e de Songhai. Estados cuja riqueza material e cultural não deixa de assombrar os estudiosos que sobre eles se debruçam. No caso particular de Angola, releva lembrar a luta da Rainha N'Zinga, no Século XVII, contra os invasores portugueses, num processo que demonstra a capacidade de organização e o espírito de luta do povo africano. Um povo que - diferentemente do que ensinavam, até pouco tempo atrás, nossos livros escolares - jamais se submeteu passivamente ao domínio de quem quer que fosse. Exemplo disso, no Brasil, foi a epopéia de Palmares, escrita a ferro e fogo por homens e mulheres, em sua maioria, da etnia Banta, originários exatamente da África Austral.

É a história, com efeito, que nos mostra também a forma como a chamada colonização européia, aliada à terrível drenagem de cérebros e músculos promovida com a escravização, acabou produzindo a maioria dos males de que hoje padece a África. Afinal, nenhum povo, cultura ou grande civilização poderia dar continuidade ao seu processo histórico sofrendo uma guerra constante, além da perda de dezenas de milhões de seus habitantes, levados numa viagem sem volta através do Atlântico. Mas os europeus não se contentaram em promover o continuado massacre de africanos, explorar suas riquezas materiais e expropriar sua cultura - hoje "preservada" em museus de Paris e de Londres. Como se tudo isso não bastasse, as nações européias, ao fazerem, no início do século passado, a partilha da África, sem levar em conta as fronteiras historicamente traçadas pelos próprios africanos, plantaram as sementes dos conflitos étnicos que até hoje continuam assolando o Continente. Conflitos como os de Biafra, nos anos 70, de Ruanda ou do Zaire, nos dias de hoje, resultado direto das fronteiras artificiais impostas pelos europeus, que fragmentaram nações velhas de séculos ou juntaram, numa mesma divisão territorial, grupos étnicos tradicionalmente rivais. Não foi diferente o caso de Angola, onde a solução dos problemas deixados pelos europeus demandou uma guerra civil cujos prejuízos deverão se fazer sentir ainda por muito tempo, embora encerrado o conflito.

Apesar dos laços humanos e culturais e da irresgatável dívida que tem com Angola, o Brasil desempenhou um papel no mínimo ambíguo, e freqüentemente reacionário, durante a longa luta de libertação travada na então chamada "África Portuguesa", que também compreendia Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Transcrevo aqui as palavras do eminente historiador José Honório Rodrigues, descrevendo esse período sombrio de nossa diplomacia: "Votamos sempre com as potências coloniais nas Nações Unidas, cedíamos a todas as pressões portuguesas, a do governo oligárquico de Salazar ou da Colônia, e vez por outra disfarçávamos nosso alinhamento colonial com as abstenções. Não tínhamos uma palavra de simpatia pela liberdade africana." Assim, de 11 resoluções das Nações Unidas apoiando a independência dos territórios africanos sob domínio português, o Brasil votou três vezes contra, absteve-se (o que equivalia a votar contra) seis vezes e apenas duas vezes votou a favor. A primeira em 1967, aprovando um relatório da ONU, a outra em 1974 - às vésperas, portanto, da independência.

Mais, talvez, do que qualquer outro fato, esse voto de 1974, bem como a rapidez em reconhecer a independência de Angola e Moçambique, no ano seguinte, revela-nos a verdadeira natureza da posição das elites governantes brasileiras em relação não somente a Angola, mas à África como um todo. Enquanto o colonialismo salazarista mostrava sinais de vigor, o Brasil o apoiou vergonhosamente, sustentado na teoria do "lusotropicalismo", versão internacional do mito da "democracia racial", não por acaso também formulado pelo mesmo ideólogo Gilberto Freyre. Ao perceberem a iminente vitória das forças nacionalistas, os policy makers do Itamaraty não tiveram o menor pudor em inverter seu curso de ação, passando a adotar o que chamaram "pragmatismo responsável". Tratava-se, agora, de assegurar para o Brasil uma fatia significativa desses mercados potenciais, bem como um papel proeminente na geopolítica do Hemisfério Sul, fator importante para um país que almeja o status de potência regional. Curiosamente, os diplomatas - brancos, é claro - encarregados dessa tarefa empregaram como justificativa exatamente os laços históricos que unem os dois países, laços esses anteriormente ignorados em nome de nossas então privilegiadas relações com Portugal. Tão privilegiadas que chegaram a gerar um certo tratado "de amizade e de consulta", cujo resultado prático foi o atrelamento da política externa do Brasil - um gigante com pretensões a grande potência - aos interesses daquela minúscula nação européia.

O fato é que Angola, diferentemente de outros países africanos, cujas riquezas quase se exauriram no processo de rapinagem chamado "colonização", é uma nação potencialmente muito rica, talvez a mais rica de toda a África. Ouro, diamantes, petróleo - os minerais mais preciosos e cobiçados são abundantes na região, o que explica o interesse das potências neocoloniais por esse país africano, fonte maior do sofrimento que tem sido imposto ao seu povo nas três últimas décadas. Um interesse que nós, por sinal, conhecemos muito bem, porque é o mesmo que se manifesta pela privatização, a preço vil, da lucrativa Companhia Vale do Rio Doce. Pois foram potências e grupos empresariais estrangeiros - em especial, dos Estados Unidos e da África do Sul pré-Mandela - os responsáveis pelo financiamento da guerrilha e da contra-revolução, cujas feridas, na forma de milhares de mutilados, de uma infra-estrutura arruinada, sem falar das minas que impedem a agricultura em suas melhores terras, ainda vão levar muito tempo para cicatrizar.

E é nisso que o Brasil pode contribuir, emprestando o seu know-how e a sua tecnologia, sobretudo a chamada "tecnologia intermediária", mais adaptada às condições daquele país africano, para que o processo de recuperação de Angola se faça de modo menos doloroso e mais acelerado. Já temos empresas em ação por lá, e não necessariamente com a visão predatória que, por motivos históricos, poderíamos esperar. É o caso da empresa brasileira que co-participa, com financiamento, técnicos e tecnologia, da construção da barragem hidroelétrica de Capanda. Tive a oportunidade de visitar essa importante obra, antes que os guerrilheiros da Unita paralisassem os trabalhos. É nossa expectativa que essa barragem seja concluída rapidamente por esse governo que amanhã se inicia, sob os auspícios da reconciliação, e resolva as necessidades de energia para a reconstrução do país.

Quero, assim, desta tribuna, saudar o governo de unidade e reconciliação nacional de Angola e manifestar ao povo irmão angolano o nosso regozijo e os melhores votos àquela nação irmã. Manifesto ainda minha esperança e dos afro-brasileiros de que o Brasil possa, finalmente, à luz de uma diplomacia mais comprometida com as nobres causas da liberdade e do desenvolvimento solidário, retribuir ao menos uma parcela da enorme contribuição que Angola prestou à construção do nosso País.

Hoje, pela manhã, a Comissão de Relações Exteriores aprovou o voto de congratulações ao Governo de Unidade e Reconciliação Nacional de Angola, a ser instalado amanhã. Estará representando o Presidente Fernando Henrique Cardoso, naquele ato, o Embaixador Paulo Cannabrava Filho, uma feliz escolha, já que esse Diplomata, além da competência profissional, possui um relacionamento de amizade com o povo angolano e o povo africano, em particular.

Estou muito feliz com esta indicação, pois a sua experiência e a sua sensibilidade muito o recomendam para tal missão.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/1997 - Página 7491