Discurso no Senado Federal

CONTRASTES ENTRE AS DIVERSAS REGIÕES DO PAIS NA AREA DE SAUDE PUBLICA. DESVIO DE RECURSOS DA CPMF PARA OUTROS FINS, EM PREJUIZO DA SAUDE.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CONTRASTES ENTRE AS DIVERSAS REGIÕES DO PAIS NA AREA DE SAUDE PUBLICA. DESVIO DE RECURSOS DA CPMF PARA OUTROS FINS, EM PREJUIZO DA SAUDE.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/1997 - Página 7676
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • DENUNCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, ACESSO, SAUDE, BRASIL, DISCRIMINAÇÃO, SAUDE PUBLICA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, ESPECIFICAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • ANALISE, ESTATISTICA, CONCENTRAÇÃO, MEDICO, CAPITAL DE ESTADO, CARENCIA, INTERIOR, NECESSIDADE, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, PROGRAMA DE INTERIORIZAÇÃO, SAUDE, INCENTIVO, MEDICINA PREVENTIVA.
  • ANALISE, ESTATISTICA, GASTOS PUBLICOS, SAUDE, BRASIL, COMPARAÇÃO, AMERICA LATINA, CRITICA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).
  • CRITICA, UTILIZAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), PAGAMENTO, DIVIDA, SAUDE, FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (FAT), NECESSIDADE, MELHORIA, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), APLICAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, RECURSOS, ERRADICAÇÃO, DOENÇA.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é mesmo um País de vários contrastes: aqui convivem, lado a lado, a opulência e a miséria; bem nutridos e famintos; alguns poucos que moram em palacetes e aqueles muitos que, por não terem onde se abrigarem, moram em barracos improvisados ou se acomodam debaixo de pontes e viadutos; alguns que se cercam da devida proteção e segurança e outros que nem sequer podem contar com a segurança que o Estado deveria dar-lhes.

Desejo chamar a atenção dos meus Pares nesta Casa para outro contraste que muito entristece a sociedade e a todos deixa corados de vergonha: a saúde pública. Nesse particular, a situação é gritante: enquanto alguns têm acesso fácil aos melhores tratamentos em centros hospitalares que se equiparam aos melhores do mundo, uma leva enorme de brasileiros morre de diarréia, dengue, malária, febre amarela, hepatite, cólera, tuberculose ou é segregada pela lepra.

Efetivamente, em grandes centros podem ser encontrados hospitais que praticam medicina sofisticada e ultramoderna. Entretanto, se caminharmos um pouco para o interior ou se nos voltarmos para os Estados da Região Nordeste, Norte, Centro-Oeste, e mesmo na Região Sul, vamos encontrar outra realidade, que, em alguns casos, pode ser classificada de verdadeiro horror, em que as pessoas procuram e não encontram uma maneira simples de curar uma desnutrição crônica, uma diarréia, uma verminose, doenças típicas da pobreza, da falta de higiene e da ausência de hábitos sadios de vida.

É triste ver que, enquanto o mundo discute a clonagem de seres vivos, tornada realidade na pele de uma ovelha ou de um macaco, no Brasil nós tenhamos que nos preocupar com o avanço desenfreado, incontido, da dengue e com a fúria da malária.

Enquanto no mundo se analisa se é ético ou não criar dois seres humanos geneticamente iguais, aqui no Brasil a discussão ética é outra: como tirar o médico do beco sem saída de ter de escolher nos precários hospitais públicos do País aquele paciente que deve ou não morrer.

Essa é a situação que temos de enfrentar: enquanto se discute, em vários lugares do mundo, se é ético ou não a clonagem, nós aqui temos de discutir a questão ética do médico, se pode ou não fazer com que um paciente sofra menos.

Em termos de saúde pública, o Brasil ocupa um dos últimos lugares no cômputo geral das nações, apesar de a relação médico/habitantes aqui existente atender plenamente às recomendações mínimas da Organização Mundial de Saúde. Enquanto o recomendável é ao menos um médico por mil pessoas, aqui essa relação é de 1,37 por mil. Não faltam médicos, se analisarmos a média mundial. O contraste ocorre se observarmos grandes centros como Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, em que essa relação sobe para cerca de 3 médicos por mil habitantes, e as cidades pequenas do interior, onde a média cai para meio médico por mil brasileiros.

No Brasil, há uma concentração de médicos nos grandes centros, enquanto o interior é carente, não atende àquilo que é recomendado, o que é uma tristeza para nós.

Sr. Presidente, nobres Colegas, enquanto se discute se é ético ou não a clonagem no mundo, aqui temos que discutir se é ético ou não atender a quem está morrendo.

A Organização Mundial da Saúde recomenda que a média seja de um médico por mil habitantes, e o Brasil tem 1,37 médicos por mil habitantes, só que nos grandes centros. Nas três maiores capitais, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, há cerca de 3 médicos por mil habitantes, ao passo que no interior do País não chega a praticamente meio médico por mil habitantes.

É preciso que o Governo Federal, num entrosamento com os governos estaduais e municipais, leve a saúde, leve o profissional da saúde para as pequenas cidades.

Este estudo levou tempo, mas estamos trazendo hoje ao conhecimento da Casa e do Brasil.

O Sr. Ramez Tebet - V. Exª me concede um aparte, Senador Casildo Maldaner?

O SR. CASILDO MALDANER - Com muita honra, Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Casildo Maldaner, sou um homem muito identificado com o elevado espírito público de V. Exª.

O SR. CASILDO MALDANER - Muito obrigado. A recíproca é verdadeira.

O Sr. Ramez Tebet - Sei que V. Exª é um representante do seu Estado, do seu povo, voltado para as questões sociais. Por isso não estranho que V. Exª esteja hoje a ocupar a tribuna para abordar esse problema crucial do nosso País - e o fazendo com categoria -, lembrando que alguns países estão preocupados com a clonagem, se é ético ou não, enquanto no Brasil a saúde pública falece a toda hora e a todo instante. Ocorrem mortes por hemodiálise, por doenças infecciosas, vamos ser até um pouco incisivos, até de fome está se morrendo em muitas regiões do nosso País. Isso é fruto, naturalmente, das desigualdades regionais, da concentração de renda. V. Exª lembra que os médicos estão concentrados nos grandes centros. Eu fico pensando no meu Mato Grosso do Sul, eterna preocupação, assim como V. Exª tem a grande preocupação de representar o Estado de Santa Catarina. Sei que lá no meu Estado - quero dar esse testemunho a V. Exª - há municípios onde os prefeitos oferecem salários de três, quatro, até cinco mil reais para levar médicos para seus municípios e não conseguem fazê-lo. Isso significa que há municípios no Brasil que não dispõem de hospital, como não dispõem de médicos. É de grande oportunidade o discurso que V. Exª faz. É certo - se V. Exª me permite mais trinta segundos - que votamos recentemente aqui, o Congresso Nacional votou, no afã de produzir mais recursos, a CPMF, que mal vai dar para pagar as contas do Governo Federal com os hospitais. É preciso, urgentemente, que façamos alguma coisa pelo social, que isso deixe de ser retórica e que possamos fazer um mutirão - outro dia fiz um discurso aqui sobre o mutirão da cidadania. Um mutirão significa força de vontade de todos os setores da sociedade, dos governos em todos os níveis e da sociedade, para solucionarmos um problema tão angustiante quanto esse que V. Exª, com muito propriedade, aborda da tribuna.

O SR. CASILDO MALDANER - Acolho com muita honra o aparte de V. Exª, Senador Ramez Tebet.

Na verdade, sobra em alguns centros e falta na grande parte do Brasil. A capital do Estado de V.Exª, Campo Grande, pode estar dentro da média mundial ou até superando. Pode Bonito, que é atração turística, também se encontrar em tal situação, mas não sei se Pontaporã, Rio Pardo, cidades do interior do Mato Grosso do Sul estão na média. Talvez Belém, a capital do Estado do Senador Coutinho Jorge, esteja bem, esteja sendo atendida. Como também Campina Grande, no interior da Paraíba, terra do Vice-Presidente do Senado. Mas as outras cidades do interior da Paraíba, assim como a maioria das cidades do meu Estado, sofre os mesmos problemas do resto do Brasil. Temos que fazer com que o médico sinta-se motivado a ir para o interior praticar a medicina preventiva, para que não haja essa concentração registrada pelo levantamento que se fez no Brasil, que não atende à média recomendada.

V. Exª lembrou que votamos aqui a CPMF para atender o SUS, o Sistema Único de Saúde do Brasil, mas devemos levar o atendimento a todas as camadas. É preciso interiorizar a saúde no Brasil. É claro que, junto com a saúde, há outros aspectos que são fundamentais, como educação e emprego. É a isso que temos que dar atenção, incentivar, a começar pelo Governo Federal.

No que tange aos gastos com saúde, o índice brasileiro está bem abaixo daquele da América Latina como um todo. Enquanto a média latino-americana é de US$198 por habitante, a cada ano, no Brasil, o Governo só aplica o corresponde a R$118,90 por habitante, um dos índices mais baixos da região. Então, estamos bem abaixo da média, quase um terço abaixo da média da América Latina. Vejam bem! Na Argentina, por exemplo, esses valores ascendem a US$625 por habitante, mais de cinco vezes os gastos efetivados no Brasil. Quer dizer, na Argentina, um país lindeiro, nosso coirmão, são gastos US$625 por habitante, enquanto aqui são gastos R$118,00 por habitante.

Os valores pagos aos médicos e aos hospitais pelo Sistema Único de Saúde estão bem aquém do desejável, do recomendável. Há casos em que são pagos R$2,00 por uma consulta, R$58,00 por um parto, R$3,24 por uma diária hospitalar. Por isso a maioria dos hospitais quer se desvencilhar do SUS. O número de médicos que cobra um adicional por consulta é cada vez maior, a ponto de se flagrarem até profissionais do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo adotando essa prática. É por isso que, a cada dia, se inventam novas formas de lesar o sistema público de saúde.

O Governo anunciou que 1997 será o ano da saúde no Brasil. Como colocar a saúde em primeiro lugar, se a determinação do Governo de alocar recursos ao setor é teórica? Precisamos sair da teoria para a prática! Não basta falar! Como colocar a saúde em primeiro lugar, se não há ação firme para coibir os desvios daquele pouco dinheiro que lhe é destinado? É fundamental que se cuide para que não haja desvio de recursos. Como colocar a saúde em primeiro lugar, se o preço pago pelas ações ligadas à saúde é desestimulante e ridículo?

No ano passado, o Legislativo deu o seu aval para uma medida antipática e impopular, que foi a ressurreição da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Argumentava-se que sem ela o caos da saúde seria ainda maior.

Todos nós nos deixamos convencer pelo "canto da sereia governamental". Mas, em todo caso, fomos ao encontro disso. Agora se vê que fomos ludibriados, pois o dinheiro da CPMF não será aplicado integralmente na recuperação da saúde, como se previa, mas será usado para saldar dívidas do sistema com o Fundo de Assistência ao Trabalhador. Como se tomou dinheiro emprestado, agora há que devolver com a arrecadação do CPMF, que é um empréstimo feito à saúde, o que faz com que se acabe não melhorando o atendimento.

Enquanto isso, os brasileiros continuarão a morrer nas filas dos hospitais, como vem acontecendo todos os dias; crianças continuarão a ser infectadas nos berçários, como ocorreu agora no Ceará e em Roraima, por mosquitos de várias espécies, que continuarão a sua marcha sobre o Brasil, conduzidos pela falta de higiene e de saneamento básico, tendo inclusive alcançado as grandes capitais.

Onde está a seriedade dos nossos governantes no campo da saúde? Onde está o Ministério da Saúde, que só reclama de verbas e não otimiza os recursos que lhe são destinados? Que não adota medidas eficientes de fiscalização dos recursos que transfere a outras entidades? Como é que vamos fiscalizar isso mais de perto? Temos de descruzar os braços e ir a campo; senão, não tem jeito.

O nosso povo, Sr. Presidente, demais colegas, clama por uma decisão firme do Governo no campo da saúde; clama por ações que minorem o seu sofrimento e que previnam doenças já erradicadas em outras partes do mundo.

Trago aqui o exemplo da febre aftosa. Estamos, em termos mundiais, bem colocados em relação à erradicação da febre aftosa no Brasil, doença que assola a criação de gado vacum. Estamos cuidando da imunização para poder levar a nossa carne ao primeiro mundo. O Estado de Santa Catarina, há vários anos, conta com um atestado de saúde mundial que garante a carne ali produzida.

Estamos cuidando dessa imunização. Dá-se mais atenção a isso do que às pessoas nessa imunização, pois a febre aftosa está praticamente erradicada no Brasil. Isto veio-me à mente, agora, porque há uma dedicação, uma vigilância firme em eliminar a febre aftosa, que atinge diretamente a arrecadação do Governo: é a saída do produto, que é a mercadoria, através da qual entram os recursos; é o equilíbrio da balança ou a incidência do ICMS: enfim, é o dinheiro que o Governo arrecada da carne. Há uma vigilância no tráfego de um Estado para outro.

Recentemente, houve uma questão do Paraná com Santa Catarina. Numa região do Paraná constatou-se um pequeno foco da febre aftosa. Santa catarina fez uma barreira na qual não passava nenhum caminhão sem ser imunizado, sem examinar-se o gado, qualquer terneiro, novilha ou mesmo recém-nascido. Era um cuidado extraordinário para entrar no território catarinense. Firmou-se ali uma barreira. Os cuidados foram maiores em relação à febre aftosa, neste particular, do que às pessoas, que têm alma, sentimento.

Se analisarmos o pessoal da Vigilância Sanitária do Brasil com relação aos animais e mesmo a alguns produtos e a Vigilância do Ministério da Saúde e do Ministério da Agricultura, veremos que é muito mais forte a Vigilância Sanitária do Ministério da Agricultura do que a do Ministério da Saúde.

Precisamos analisar isso mais de perto. Caem todos em campo, não dormem, trabalham no fim de semana, e a fiscalização é rígida.

V. Exª deseja acrescentar mais alguma coisa, Senador Ramez Tebet?

O Sr. Ramez Tebet - Não há o que acrescentar ao pronunciamento de V. Exª. O exemplo de V. Exª é altamente significativo. Agora mesmo, V. Exª me dava oportunidade de falar um pouco de meu Estado. Com relação à febre aftosa, Mato Grosso do Sul já a erradicou completamente. Todavia, no setor de vacinação, sabemos que no Brasil estão faltando vacinas para as nossas crianças. Veja V. Exª a que ponto chegou a saúde no Brasil.

O SR. CASILDO MALDANER - O aparte de V. Exª só vem ilustrar e enaltecer.

Todos os setores relacionados com o saneamento, com a saúde, com o bem-estar dos cidadãos precisam se empenhar para que essa iniciativa realmente dê certo. Termos centros de excelência médica ou hospitalar no País não pode se constituir em acinte àquela grande parcela da população mais desprotegida e menos assistida. Os serviços públicos de saúde precisam, ao menos, garantir proteção contra as agressões mais corriqueiras ao bem-estar físico da população. O brasileiro não pode continuar exposto aos males dessas doenças medievais em pleno século XXI que se avizinha.

O século XXI se avizinha e precisamos controlar mais esse intercâmbio de doenças que vêm acontecendo desde a época medieval e ainda arrasam o Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eram essas as considerações que eu queria trazer na tarde de hoje, com base numa pesquisa em que foram levantados esses dados, comparando com aquilo que a Organização Mundial da Saúde compreende e recomenda aquilo que temos no Brasil, em relação a profissionais que lidam com as pessoas, e até uma comparação que fiz, en passant, em relação ao atendimento para conter esses males nas pessoas, no Brasil, e em relação à vigilância sanitária.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/1997 - Página 7676