Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 14/04/1997
Discurso no Senado Federal
A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA NO BRASIL. A MARCHA DOS TRABALHADORES SEM-TERRA RUMO A BRASILIA. DEFINIÇÃO JUNTO AO PRESIDENTE DO CONGRESSO NACIONAL, SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, DO LOCAL DAS MANIFESTAÇÕES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA EM BRASILIA.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA AGRARIA.:
- A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA NO BRASIL. A MARCHA DOS TRABALHADORES SEM-TERRA RUMO A BRASILIA. DEFINIÇÃO JUNTO AO PRESIDENTE DO CONGRESSO NACIONAL, SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, DO LOCAL DAS MANIFESTAÇÕES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA EM BRASILIA.
- Aparteantes
- Antonio Carlos Magalhães, Humberto Lucena, Josaphat Marinho, Ramez Tebet.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/04/1997 - Página 7682
- Assunto
- Outros > REFORMA AGRARIA.
- Indexação
-
- REGISTRO, CHEGADA, MARCHA, SEM-TERRA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), COMENTARIO, APOIO, POPULAÇÃO.
- ALTERAÇÃO, POSIÇÃO, GOVERNO, NEGOCIAÇÃO, REFORMA AGRARIA, MOVIMENTO TRABALHISTA, REGISTRO, AUDIENCIA, LIDERANÇA, SEM-TERRA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRESIDENTE, SENADO.
- ANALISE, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, GOVERNO, OPORTUNIDADE, REALIZAÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, ASSENTAMENTO RURAL, ASSISTENCIA TECNICA, CREDITO AGRICOLA, EFEITO, CRIAÇÃO, EMPREGO, CAMPO.
O SR. EDUARDO SUPLICY - (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ronaldo Cunha Lima, Srs. Senadores, a marcha do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra pela reforma agrária, pelo emprego e pela justiça se aproxima do Distrito Federal.
Na manhã de hoje tive a oportunidade de participar de parte da caminhada, das 9h30min às 12h30min até que cerca de 800, quase 1.000 trabalhadores sem terra adentraram o Município de Valparaíso. Naquela cidade, pude testemunhar um fenômeno muito importante, qual seja de a população da cidade, os professores e professoras que saíram das escolas com todos os seus alunos, os comerciantes, os farmacêuticos, os barbeiros, nos restaurantes, nos bares, a população que saiu de suas casas veio às janelas, às calçadas e aplaudiram, deram as boas-vindas àquela marcha do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
À frente deste Movimento vinha o Sr. Luiz de Castro, aos 89 anos, marchando desde São Paulo. Impressionante a fibra, o senso de busca de justiça desses trabalhadores, todos eles extremamente simples, a maior parte deles sem grande formação escolar. Alguns deles sabem ler e escrever e fazer as contas, mas a maior parte deles não ultrapassou o primeiro ciclo.
Calejados, grande parte usando sandálias tipo havaiana, alguns até descalços, vinham com altivez, granjeando o respeito crescente da população brasileira. Não é à-toa, Sr. Presidente, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministro Raul Jungmann, do Ministério Extraordinário de Políticas Fundiárias, alteraram a sua postura e acabaram, com esse movimento, nessa marcha criativa, de natureza pacífica, obviamente notando a comoção do País, também se comovendo.
É interessante observar que nas últimas semanas, gradativamente mais, o Governo resolveu mudar e dá sinais de que considera o Movimento dos Sem-Terra o principal interlocutor na discussão da reforma agrária.
Hoje mesmo leguei para o Dr. Lucena Dantas, Secretário Particular do Presidente, aquele que trata da agenda de Sua Excelência. Ele me disse que está marcada para sexta-feira, mais para o final da tarde - o horário ainda será definido -, a audiência com a Coordenação Nacional do Movimento dos Sem-Terra para tratar do assunto da reforma agrária.
Pela palavra de João Pedro Stedile, Gilmar Mauro, Gilberto Portes de Oliveira, José Rainha e outros, reiterei ao Dr. Lucena Dantas que essa coordenação traria como tema, sobretudo, a análise da questão da reforma agrária. Não se tratará, portanto, de discutir a pessoa do Ministro Raul Jungmann ou de qualquer outra pessoa. Tratar-se-á de fazer uma avaliação crítica, podendo haver, obviamente, até referência à maneira como o Governo, por seus Ministros, conduz ou não conduz tão bem a reforma agrária.
O tema principal, contudo, será a questão dessa reforma como um todo. Isso, eu próprio transmiti ao Presidente Fernando Henrique no domingo retrasado e, hoje, reiterei ao Dr. Lucena Dantas. Este me disse que Sua Excelência quer dialogar o suficiente para discutir, em profundidade, a questão.
Já o Presidente do Senado, Senador Antonio Carlos Magalhães, marcou também uma audiência com os participantes da marcha do Movimento dos Sem-Terra para as 9h30min de sexta-feira próxima aqui no Salão Negro. S. Exª ofereceu a sala da Presidência, mas, como o número de pessoas que quer ouvir as palavras do Presidente, representando o Senado Federal e o Congresso Nacional, é bastante grande, o Presidente Antonio Carlos Magalhães houve por bem marcar a audiência no próprio Salão Negro.
Assim, também, autorizou que se usasse o parlatório construído aqui. Esse parlatório no gramado em frente ao Congresso Nacional foi uma iniciativa do hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, ex-Líder do PDT, Senador Maurício Corrêa, prevendo situações de manifestações como esta.
Vamos dialogar com o Presidente Antonio Carlos Magalhães e com o Movimento dos Sem-Terra, porque a idéia de se construir ali um palanque, prezado Presidente Antonio Carlos Magalhães, não é apenas porque alguns - e serão poucos - oradores convidados para expressar a sua opinião, mas também porque cerca de 40 artistas, dentre os melhores cantores e conjuntos brasileiros, ofereceram-se para também se apresentar na tarde do dia 17. Tenho a certeza de que...
O Sr. Antonio Carlos Magalhães - V. Exª me permite?
O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Antonio Carlos Magalhães.
O SR. Antonio Carlos Magalhães - Até aqui V. Exª estava relatando com absoluta correção. Combinamos receber a Comissão do Movimento dos Sem-Terra às 9h30min. Serão recebidos. Combinamos que o Senado daria o som, e o local da tribuna foi indicado por V. Exª, como acabou de citar, mas combinamos que não haveria equipamentos de outra sorte na área reservada ao Senado. Isso foi resolução da Mesa e que evidentemente vai prevalecer. Por que deve prevalecer? Porque não é possível que se ceda para o movimento mais forte e não se ceda para o movimento mais fraco. E a proibição, infelizmente, vai existir. Daí fazer um apelo a V. Exª para que dialogue, como dialogou com a Mesa, com o Movimento dos Sem-Terra porque todo apoio, dentro dessas circunstâncias, será dado. V. Exª salientou ainda há pouco que o som era deficiente para tanta coisa. Esse som, o melhor que houver em Brasília, arcaremos com as despesas para que V. Exª possa propiciar ao Movimento dos Sem-Terra uma audiência até maior. Agora, não podemos transigir com aquilo que foi deliberado pela Mesa. Daí eu apelar para V. Exª que nos ajude no cumprimento da lei.
O SR. EDUARDO SUPLICY - Vou transmitir à Coordenação Nacional do Movimento dos Sem-Terra a respeito disso, Sr. Presidente. Apenas gostaria aqui de transmitir a V. Exª que fui informado de que cerca de 40 cantores, artistas virão se apresentar, e quem sabe poderão fazer lá...
O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Para tantos artistas e tão bons podem fazer na Esplanada dos Ministérios, local muito mais amplo.
O SR. EDUARDO SUPLICY - Quem sabe?
O Sr. Antonio Carlos Magalhães - E aí provavelmente até o Governo lhe dará o som.
O SR. EDUARDO SUPLICY - Está bem, mas é que pelo menos já está acertado este lugar, e isto que foi acertado com V. Exª está bem definido; não vamos ter divergências com acordo fechado.
O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Acordo fechado!
O SR. EDUARDO SUPLICY - Agora, muito mais importante - se me permite então o Senador Antonio Carlos Magalhães - é a questão da reforma agrária. Avalio que a reforma agrária precisa ser feita numa intensidade muito maior, pois o próprio Presidente da República, ainda na última quarta-feira, expôs sobre o assunto.
E eu gostaria até de destacar uma frase do Presidente, quando ele falou no Itamaraty: "Às vezes, eu vejo números: ´Ah, tem que assentar 1 milhão de famílias...´ Perfeito! A sociedade quer? Eu quero. A sociedade quer assentar? Recursos, impostos correspondentes a R$25 bilhões para que nós possamos assentar. Se for para assentar corretamente, R$40 bilhões". Esse é o gasto da Previdência toda por ano.
Sr. Presidente, é preciso salientar que, para assentar as 104 mil famílias, das quais 23 mil foram apenas regularizadas, pois já estavam assentadas no Governo Itamar Franco, na verdade o Governo não gastou os R$40 mil por família; gastou um número menor. E esse cálculo do Presidente Fernando Henrique Cardoso nesse discurso está exagerado. Se o Governo resolver destinar algo como R$7 bilhões, já terá recursos suficientes para mais que dobrar sua meta. Quando o Presidente da República diz e quando a sociedade quer - e tenho a convicção hoje de que a sociedade realmente quer -, percebemos que ainda é preciso perguntar o que quer a base de sustentação do Governo, aquela que promove um verdadeiro cerco relativamente às ações sobre a reforma agrária com maior intensidade. Esse é o problema: o breque. Será importante saber da interação que, como Presidente do Congresso, o Senador Antonio Carlos Magalhães terá com o Movimento dos Sem-Terra, o conteúdo dessas palavras.
Sr. Presidente, há mais um sinal do movimento favorável de opinião pública. Está sendo lançado, nas principais capitais do País, o livro Terra, de Sebastião Salgado - extraordinário fotógrafo -, José Saramago - um dos maiores escritores da língua portuguesa - e Chico Buarque, que publicou nesse livro os seus poemas em homenagem ao Movimento dos Sem-Terra. Com o livro, pode-se também comprar um CD com as quatro músicas tão bonitas de Chico Buarque sobre o tema.
No último sábado, ouvi a entrevista coletiva de Sebastião Salgado, José Saramago e Chico Buarque. A certa altura, José Saramago disse que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, por ser Presidente do País, inevitavelmente já está na História do Brasil, mas Sua Excelência pode tornar-se o Presidente da República que fez a reforma agrária, e é preciso que haja decisão para isso. Sebastião Salgado afirmou que, quando jovem, morava na rua Maria Antônia, estudava na USP, mas sabia do que ocorria na rua Maria Antônia onde se situa a Universidade Mackenzie, que ficou famosa pela postura conservadora de seus estudantes. Ele ressaltou que justamente na Universidade Mackenzie será lançado, hoje e amanhã, terça-feira, o livro Terra; haverá um debate sobre o Movimento dos Sem-Terra e sobre a questão da reforma agrária. O fotógrafo se disse comovido de ver, em uma universidade de tradição conservadora, tanta simpatia pela reforma agrária. Acredita também que o Presidente Fernando Henrique Cardoso - a quem passara a respeitar e a admirar, quando o ouvira falar na Universidade, como sociólogo, da justiça e da necessidade de se fazer a reforma agrária - vai querer fazer a reforma agrária com mais energia.
Assim, Sr. Presidente, gostaria de concluir dizendo que essa é uma oportunidade expressa até por José Saramago: o Presidente da República tem toda a oportunidade de passar para a História como aquele que fez a reforma agrária. Todavia, Sua Excelência deveria ter o horizonte de quatro anos para essa avaliação, mas tem efetivamente um ano e oito meses, porque nos primeiros dois anos e quatro meses de seu Governo, embora tenha realizado em maior grau as desapropriações e os assentamentos do que no passado, não houve grande vantagem porque na história do Brasil, por séculos, não se fez reforma agrária.
Entretanto, agora o Presidente tem a oportunidade. Quem sabe possa o Presidente Fernando Henrique Cardoso, por ocasião do seu diálogo com o Movimento dos Sem-Terra, sexta-feira, duplicar suas metas de realização da reforma agrária. Se Sua Excelência pergunta se a sociedade quer, essa está respondendo por todo o Brasil.
O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. EDUARDO SUPLICY - Tem V. Exª a palavra.
O Sr. Ramez Tebet - Senador Eduardo Suplicy, entendo que V. Exª tem razão. A sociedade quer, todos nós queremos. Diria até que há quase uma unanimidade com relação à necessidade imperiosa que o Brasil tem de promover uma efetiva reforma agrária. Quero concordar com V. Exª, porque na próxima sexta-feira teremos uma grande oportunidade. Nessa oportunidade do encontro da classe política, do Presidente da República, com as lideranças dos Sem-Terra e com a participação do Congresso Nacional - que tem, sem dúvida, dado toda a cobertura aos passos em direção à reforma agrária -, teremos aquilo que é indispensável: se todos nós queremos a reforma agrária, urge que não percamos a oportunidade de estabelecer critérios para a sua realização. Estabelecendo-se os critérios, de comum acordo entre o Governo - o Poder Executivo, o Poder Legislativo - e o Movimento dos Sem-Terra, efetivamente a reforma deve se cumprir. Em outras palavras, essa é a grande oportunidade para se firmar um pacto a fim de que a reforma agrária possa sair do papel e se tornar uma realidade no Brasil.
O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador Ramez Tebet, o Governo tem a oportunidade, portanto. Não sei se pacto é a melhor palavra, porque o movimento social surge em função da necessidade, e é muito difícil dizer a um movimento social o que se deve fazer; ele surge naturalmente, as ações vão sendo criadas. O Movimento dos Sem-Terra percebeu que mais eficaz do que ocupar algumas sedes do Incra seria realizar essa marcha que acabou comovendo o País.
A revista Veja, como um sinal disso, fez uma reportagem de 21 páginas, nesta semana, em que ressalta aspectos positivos do Movimento dos Sem-Terra e do que ele realiza, sobretudo quanto aos assentamentos e à criação de movimentação nas áreas urbanas, onde começa a haver maior ativação econômica em decorrência dos assentamentos nas áreas rurais vizinhas.
Essa é a percepção de Sebastião Salgado, que percorreu inúmeros assentamentos em diversos lugares do Brasil, é a minha percepção e dos Prefeitos do Pontal de Paranapanema, que hoje, em grande número, estão apoiando a necessidade de se fazer a reforma agrária e os assentamentos com maior intensidade.
O Presidente da República tem a oportunidade de sua vida para transformar, aumentar suas metas e fazer com que o Brasil modifique a herança de termos tido este País tão imenso dividido em capitanias hereditárias e termos tantas leis da terra que a tornaram tão concentrada.
O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço V. Exª com prazer.
O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador Eduardo Suplicy, o Governo pode aproveitar a excelente oportunidade da presença dos Sem-Terra em Brasília para dar o testemunho definitivo de que não confunde reforma agrária com simples assentamento. Essa seria a hora de definir bem o quadro, de assegurar o auxílio financeiro e técnico para o desenvolvimento do trabalho nas áreas ocupadas. O Presidente da República, em discurso recente, disse que se a sociedade quer mais reforma agrária, o Governo precisa de mais recursos. O Governo poderia apressar a votação do projeto, por sinal de autoria do Presidente da República, então Senador, do imposto sobre grandes fortunas, para aplicar na reforma agrária, o que facilitaria a execução de uma medida de grande alcance social.
O SR. EDUARDO SUPLICY - Muito bem lembrado, Senador Josaphat Marinho. Muito consistente a observação de V. Exª. Quando o então Senador Fernando Henrique Cardoso propôs o imposto sobre grandes fortunas, claramente Sua Excelência tinha o sentido de realizar maior justiça. E como se nota na sociedade brasileira a vontade de que seja realizada a reforma agrária, que inclui não apenas o assentamento, mas também a assistência técnica e creditícia devidas, é preciso lembrar ao Presidente da República que essa parte do crédito e da assistência volta para o Governo. Não se trata apenas de uns 30 ou 40 mil, mas de sete mil ou algo assim que devem ser inicialmente gastos; depois, vem a parte que se refere ao adiantamento que a instituição financeira faz com o compromisso de receber o pagamento de volta, o que ativa a economia de forma saudável e realiza a efetiva distribuição de oportunidades na sociedade brasileira.
O Sr. Humberto Lucena - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy?
O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois não, nobre Senador Humberto Lucena.
O Sr. Humberto Lucena - Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento que tem o timbre da conciliação. V. Exª chegou a essa tribuna justamente fazendo um histórico de tudo que vem sendo anunciado sobre a marcha dos Sem-Terra até Brasília. Deu-nos alvissareiras notícias sobre a audiência marcada pelo Senhor Presidente da República, com a presença do Ministro Raul Jungmann, da Reforma Agrária, e a que o Presidente Antonio Carlos Magalhães agendou para às 9 horas e 30 minutos de sexta-feira com o comando dos Sem-Terra, dando assim a sua colaboração para que tudo termine bem. Na verdade, o que a todos nós preocupa é que uma massa humana composta de milhares e milhares de pessoas dos mais diversos recantos do Brasil não seja bem-recebida aqui pelas autoridades, que precisam dialogar com o comando dos Sem-Terra. Evidentemente que não será em 10, 15, 20 ou 30 minutos que se vai resolver o problema da reforma agrária no Brasil, o qual depende, como sabe V. Exª, da vontade política do Senhor Presidente da República. Na hora em que realmente Sua Excelência quiser fazê-la, Sua Excelência a fará. Evidentemente, a reforma agrária - como bem acentuou o nobre Senador Josaphat Marinho - não pode ficar restrita aos assentamentos. Ela é um processo muito mais complexo, sendo preciso que se leve em conta não apenas a assistência financeira, como também a assistência técnica àqueles que vão trabalhar a terra. Eu gostaria de lembrar a V. Exª, neste instante, uma entrevista que li há poucos dias que me sensibilizou profundamente, não só pela sua autoria - do ex-Ministro Celso Furtado, um dos maiores brasileiros vivos e profundo conhecedor da problemática nacional -, mas, sobretudo, porque foi justamente Celso Furtado que lançou nos idos de 60, tempo de Juscelino Kubitschek de Oliveira e depois no Governo João Goulart, algumas idéias sobre planejamento econômico no Brasil. Ele pregou insistentemente - o que era notório em todo o mundo e ocorreu nos Estados Unidos - a necessidade de se incentivar o processo de industrialização para diminuir a população rural. Quer dizer, o processo de industrialização traria para as metrópoles os trabalhadores do campo, porque estes seriam dispensados aos poucos, dentro de um processo de divisão da propriedade, e passariam a se integrar ao desenvolvimento econômico com seu trabalho nas indústrias. Ocorre, porém, como sabe V. Exª, que a alta tecnologia está levando o Brasil - não apenas o Brasil, mas todo o mundo - ao desemprego crescente. A automação industrial é um fato incontestável e nós, particularmente, estamos também pagando o tributo da política de combate à inflação, que tem feito com que dezenas senão centenas de empresas deixem o mercado ou entrem em um processo de ociosidade, aumentando o desemprego. É verdade que o atual Governo já dá sinais de que está combatendo o desemprego procurando incentivar a micro e a pequena empresa, inclusive sob o ponto de vista fiscal, com a adoção de várias medidas legais que já estão em vigor. Dizia o ex-Ministro Celso Furtado que, como não havia mais emprego na indústria, os que estavam nas grandes metrópoles em busca de emprego desejam voltar para o campo para trabalhar na terra. Por isso, o número dos Sem-Terra aumentou consideravelmente, decorrência direta do desemprego na zona urbana, mais especificamente nos setores industrial e de serviços. Trata-se de uma reflexão que precisamos fazer sobre o contexto do discurso de V. Exª e da discussão em torno da reforma agrária no Brasil. Nobre Senador, dou a V. Exª meu testemunho de que sempre fui favorável à reforma agrária, desde os tempos de 64. Gostaria, também, de dizer a V. Exª que vim recentemente de meu Estado profundamente preocupado com o grau de radicalização que começa a ocorrer entre as partes em litígio: os trabalhadores rurais sem terra e os proprietários rurais. É preciso muito cuidado para conduzir esse processo a fim de evitar-se novas vítimas, quando o que se pretende no País é justamente salvar vidas e não fazer com que alguns brasileiros, seja de um lado ou de outro, venham a perecer em face de um confronto que pode ser evitado, dependendo do grau efetivo de equilíbrio das autoridades e também de eficiência no comando da reforma agrária no Brasil.
O SR. EDUARDO SUPLICY - Prezado Senador Humberto Lucena, acredito que será muito importante a contribuição que os membros do Congresso Nacional puderem dar no sentido de procurar catalisar um entendimento entre o Executivo e a sociedade em prol desse movimento social que ganha importância.
E tem razão V. Exª. O economista Celso Furtado fez uma análise, que li nas páginas amarelas da revista Veja e em outras entrevistas, muito relevante, ressaltando que o Movimento dos Sem-Terra inclusive poderá contribuir com ações que venham a criar empregos no campo, o que propiciará um maior equilíbrio na oferta de empregos dada a dificuldade que existe para criá-las.
É preciso notar que a política governamental, nos últimos anos, tem levado à destruição - estima-se - de 400 a 800 mil empregos ou mesmo de pequenos agricultores no campo.
Se o Governo, de um lado, anuncia o assentamento de 100 mil famílias; de outro, há um número bem maior do que esse de famílias deslocadas da atividade agrícola, resultado, por exemplo, do que aconteceu com a cultura do algodão. É importante estarmos conscientes disso.
Muito obrigado, Sr. Presidente.