Discurso no Senado Federal

COMENTANDO O PRONUNCIAMENTO DO SENADOR EDUARDO SUPLICY. APOIO A UMA REFORMA AGRARIA PACIFICA NO PAIS, COMO FORMA DE MELHORAR A PRODUÇÃO NACIONAL SEM DESESTRUTURA-LA. IMPLANTAÇÃO DO ITR PROGRESSIVO. ASSENTAMENTO DE 105 MIL FAMILIAS NOS 2 ANOS DO ATUAL GOVERNO. CHEGADA DE INTEGRANTES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA EM BRASILIA.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • COMENTANDO O PRONUNCIAMENTO DO SENADOR EDUARDO SUPLICY. APOIO A UMA REFORMA AGRARIA PACIFICA NO PAIS, COMO FORMA DE MELHORAR A PRODUÇÃO NACIONAL SEM DESESTRUTURA-LA. IMPLANTAÇÃO DO ITR PROGRESSIVO. ASSENTAMENTO DE 105 MIL FAMILIAS NOS 2 ANOS DO ATUAL GOVERNO. CHEGADA DE INTEGRANTES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA EM BRASILIA.
Aparteantes
Humberto Lucena.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/1997 - Página 7686
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • DEFESA, REFORMA AGRARIA, OBJETIVO, JUSTIÇA SOCIAL, ANALISE, PRESENÇA, SEM-TERRA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), OPORTUNIDADE, REALIZAÇÃO, REVOLUÇÃO, PAZ, CAMPO.
  • ANALISE, DADOS, MELHORIA, GOVERNO FEDERAL, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, SUPERIORIDADE, NUMERO, ASSENTAMENTO RURAL, ASSISTENCIA, CREDITO AGRICOLA.
  • NECESSIDADE, APOIO, REIVINDICAÇÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, AGRICULTURA, FAMILIA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acabo de ouvir atentamente o pronunciamento do Senador Eduardo Suplicy sobre a questão da reforma agrária no Brasil e, particularmente, sobre a marcha dos Sem-Terra, que chegarão a Brasília nesta semana.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso ainda não confirmou a audiência na sexta-feira, mas os sinais são exatamente os emitidos pelo Senador Eduardo Suplicy: caminhando o Movimento pacificamente no sentido do diálogo e do entendimento, há, por parte do Governo Federal, disposição, como deve ocorrer no regime democrático, para a troca de idéias, que se espera positiva para a sociedade brasileira.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um ponto de partida em tudo isso, que reside justamente no fato de que não existe justiça social sem reforma agrária num país como o nosso.

A concentração de terras em mão de poucos é um problema secular. A maioria não dá a elas a destinação social prevista na Constituição. De outro lado, centenas de milhares de camponeses não têm um pedaço de chão para trabalhar e para produzir para si e para o País.

Há um momento histórico agora. Após cinco séculos, pela primeira vez, há todas as condições para se fazer uma revolução pacífica no campo. A concentração dos Sem-Terra em Brasília nesta semana simboliza de certa forma esse momento, e nós não podemos perder essa oportunidade, seja por omissão, seja, de outro lado, pela contaminação do Movimento por interesses políticos não próprios da reforma agrária.

É claro que o Movimento dos Sem-Terra tem sido o motivador da reforma agrária no Brasil. O Movimento é uma prova da urgência com que o assunto deve ser tratado. A entidade cresceu e, de certa forma, soube articular e defender os interesses dos trabalhadores rurais, a quem deve ser dado o direito de acesso à terra.

Essa urgência, porém, Sr. Presidente, não nos deve levar a esquecer os aspectos econômicos e legais da questão. A reforma agrária é importante para dar trabalho e terra ao trabalhador e para aumentar a produção, não para desestruturá-la. Não se pode ignorar que a atividade agrícola é o segmento fundamental e insubstituível para a produção de alimentos e para a macroeconomia brasileira, não sendo nunca demais lembrar que o sucesso do Plano Real e da política de controle da inflação se baseou em grande parte na produção agrícola.

O MST, de um lado, é um movimento social com profundas raízes em nossa realidade social. O MST não é mágica, não é invenção; ele tem bases em nossa realidade, tem, portanto, legitimidade para lutar pela reforma agrária. Por outro lado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Fernando Henrique tem a legitimidade que lhe foi conferida pelas urnas e, mais do que isso, no caso específico da reforma agrária, tem a legitimidade de uma política de promoção de assentamentos que deixou o campo da mera retórica para se traduzir em ações concretas.

Aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falo com humildade, mas com a autoridade de quem, como Líder do Governo no Congresso Nacional, enfrentou no final do ano passado uma dura batalha que, graças a Deus, terminou num entendimento sólido para se implantar no Brasil o Imposto Territorial Rural Progressivo.

Nunca, desde que Pedro Álvares Cabral chegou aqui, tivemos uma política de imposto que, efetivamente, promovesse a justiça social. Basta dizer, Sr. Presidente, que no ponto mais alto do quadro comparativo de terras e produção um proprietário de terras improdutivas, no Brasil, vai pagar, a partir deste ano, 20% do valor da propriedade como imposto anual.

Ora, Sr. Presidente, mais do que isso, as Lideranças dos partidos políticos que apóiam o Governo Fernando Henrique Cardoso e lhe dão sustentação nesta Casa foram sensíveis. Em conseqüência, aprovamos, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o rito sumário para facilitar a desapropriação de terras em áreas de conflito.

Nunca houve no Brasil um momento histórico em que tivéssemos instrumentos da grandeza e da importância do Imposto Territorial Rural Progressivo e do rito sumário. De outro lado, o Governo Fernando Henrique Cardoso, apenas, nesses dois anos, já assentou 105 mil famílias. Basta dizer, Sr. Presidente, que a média anual de assentamentos nunca foi superior a 12 mil assentamentos/ano, e em dois anos, este Governo já assentou 105 mil famílias. Mais que isso, foram destinados, ano passado, R$1,8 bilhão ao programa, para custear não apenas o preço da terra - e dizia bem aqui o Senador Humberto Lucena -, mas principalmente as benfeitorias, o crédito de implantação, a infra-estrutura básica, o financiamento, a assistência técnica, medidas sem as quais é absolutamente inócua a simples repartição de terra.

Sr. Presidente, em 1995, o Governo Fernando Henrique assentou 42.951 famílias; em 1996, 62.044 famílias. Nos dois anos, portanto, foram assentadas 105 mil famílias. No mesmo período, o Governo destinou 5,5 milhões de hectares de terras ao Programa Nacional de Reforma Agrária.

Toda a ação do Governo para promover efetivamente a reforma agrária obedece a um programa elaborado numa reunião, realizada em agosto de 1996, no Conselho do Programa da Comunidade Solidária, da qual participaram representantes do Governo e dos dois segmentos organizados da sociedade envolvidos com a questão: os trabalhadores rurais, Contag, MST e os proprietários de terras.

O Sr. Humberto Lucena - Senador José Roberto Arruda, V. Exª permite-me um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com o maior prazer, Senador Humberto Lucena.

O Sr. Humberto Lucena - Senador José Roberto Arruda, congratulo-me com V. Exª pelo discurso que faz nesta tarde. V. Exª, com grande veracidade, transmite ao Senado e à Nação o que vem ocorrendo no atual Governo em matéria de reforma agrária, mas, sem dúvida, essa ainda é uma postura um tanto tímida. Evidentemente, uma reforma como essa implica gastos financeiros bastante altos, como bem acentuou, em pronunciamento recente, o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso. O que não se pode negar é o aumento considerável dos assentamentos, desde 1995 até hoje, como também o custeio de outros investimentos para tornar efetiva a posse da terra por aqueles que estão recebendo esse benefício e que pretendem, realmente, produzir para a sociedade. Gostaria de lembrar a V. Exª, a respeito das despesas, que o Governo tem à sua disposição, conforme é do seu conhecimento, o direito de emitir os chamados Títulos da Dívida Agrária. Tenho para mim que esses papéis - e foi essa a nossa intenção quando os criamos nos anos 60 - vieram, justamente, para punir aqueles cujas propriedades são improdutivas e são, por isso, desapropriadas para reforma agrária. Não vejo por que o Governo gastar o dinheiro do Tesouro Nacional, de origem fiscal, para pagar desapropriações de terras improdutivas. O proprietário, cujas terras improdutivas, são desapropriadas deve receber, como pagamento, portanto, Títulos da Dívida Agrária com os respectivos deságios, por serem punidos, em nome da sociedade.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Agradeço a V. Exª pelo aparte. Eu consideraria, nobre Senador, que esse é apenas mais um problema herdado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, porque os TDAs perderam a credibilidade no momento que o Governo não os vinha honrando nos prazos pré-estabelecidos, ainda que com deságio, para que tivessem credibilidade. Mas não tenho dúvida de que o uso dos TDAs é legítimo e, como coloca V. Exª, é uma forma também de punição a grandes latifundiários que não dão o uso social à terra previsto na Constituição, não produzem e, portanto, estão no movimento contrário ao da justiça social.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, é preciso registrar que erram aqueles que não conferem legitimidade ao Movimento dos Sem-Terra. O Movimento dos Sem-Terra nasce de uma realidade brasileira que todos temos de reconhecer que existe.

Erram também aqueles que não querem conferir legitimidade ao Governo Fernando Henrique Cardoso, não só porque ele foi eleito pelo voto da maioria do povo brasileiro, mas também porque teve a coragem de usar a sua maioria parlamentar para aprovar, no Congresso Nacional, o Imposto Territorial Rural Progressivo e o rito sumário, ferramentas fortes, duras, mas fundamentais para que se possa fazer uma reforma agrária pacífica.

E erram, por último, os que não querem conferir legitimidade ao movimento organizado dos produtores rurais brasileiros. A âncora verde do Plano Real não pode ser esquecida. Não se pode esquecer que o Plano de Estabilização Econômica brasileiro só está sendo possível porque a produção agrícola é sua forte base de sustentação. A diminuição do preço dos alimentos, com o sucessivo aumento da produtividade e o aumento da safra - inclusive esperado para este ano - são variáveis que têm de constar nessa equação complexa da reforma agrária do campo brasileiro.

Tudo indica que a sociedade brasileira, amadurecida na sua vida democrática, vivendo agora um período de liberdades plenas, vivendo agora uma democracia madura e forte, vivendo um período de estabilidade econômica e, mais importante, além de ter liberdade, de ter democracia, de ter estabilidade econômica, vivendo um momento de reformas profundas na nossa sociedade pelo caminho democrático, pelo único caminho que lhe confere legitimidade, que é o caminho da discussão congressual.

A aprovação, no Congresso Nacional, do rito sumário e do ITR, que representam a verdadeira reforma agrária, aconteceu após grandes e férteis debates e depois de uma difícil votação. Não se pode esquecer que este Congresso Nacional votou a favor da reforma agrária. Não se pode esquecer que este Governo assentou 105 mil famílias e não se pode esquecer que a agricultura brasileira, principalmente o pequeno agricultor e a agricultura familiar precisam ainda de apoios fundamentais ao seu crescimento e ao seu fortalecimento, sem o que, aí sim, mais do que não levarmos famílias para o campo, vamos assistir a um continuado êxodo de famílias que vão deixar o campo para as periferias das grandes cidades.

Por último, não se pode negar a legitimidade do MST. O Movimento Sem-Terra nasceu de uma realidade palpável, de uma injustiça secular, de uma distribuição de terras injusta, que atravessou os séculos - herança que todos nós desejamos modificar. Mas isso não se faz do dia para a noite.

É preciso, portanto, que o esforço político do Congresso Nacional, do Governo Federal e, mais do que isso, dos governos estaduais e municipais, dos segmentos organizados da sociedade, aí incluídos a Contag e o MST, continuem nesse processo democrático de diálogo, de entendimento.

É por isso, Sr. Presidente, que registro aqui as posições democráticas, primeiro, do Presidente do Congresso Nacional e da Mesa Diretora do Congresso Nacional, que aceitou receber para o diálogo brasileiros que vêm a pé para a capital do País e querem dialogar com os Poderes constituídos, desde que em ordem, desde que nos limites exatos da legislação vigente. Assim é que deve ser!

O Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann, também deixam clara a disposição para o diálogo e para o entendimento. Penso eu que, louvando-me no discurso que foi proferido aqui pelo Senador Eduardo Suplicy e pelas informações que se têm, há todas as condições criadas para que a chegada das lideranças do MST em Brasília seja pacífica - e é assim que o Brasil deseja vê-la. Movimento popular legítimo, chegando pacificamente à capital do País e sentando à mesa dos Poderes Executivo e Legislativo, para uma fértil e profícua troca de idéias e, quem sabe, a busca de soluções consensuais para a continuada do projeto de reforma agrária do Brasil. Esse, sim, é o caminho.

E fazemos um alerta, Sr. Presidente: deve-se evitar - Governo, Movimento Sem-Terra e todos os movimentos que se juntam ao MST - qualquer tipo de provocação e de infiltração que não seja pacífica, não só porque isso não é desejo da sociedade brasileira, mas principalmente porque esse tipo de ação não contribui com a solução que todos almejamos.

O que todos almejamos - Congresso Nacional, Governo Federal e a grande maioria da sociedade brasileira -, com liberdade, com democracia, com o respeito entre os segmentos organizados da sociedade brasileira e dos poderes constituídos, é chegar a soluções objetivas, avançar efetivamente no projeto de reforma agrária, mas avançar com os pés no chão, pacificamente, sem invasões de um lado e sem terras improdutivas de outro, avançar com um programa com estratégia bem definida, com recursos efetivamente alocados e, mais do que isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tendo a compreensão de que o rito sumário e o ITR progressivo, votados no final de dezembro do ano passado, só produzirão efetivamente os seus efeitos a partir deste exercício. Os recursos advindos do novo ITR, alocados nos cofres federais a partir deste exercício, já poderão, em 1998, ter a destinação que lhes cabe, que é exatamente a reforma agrária. E não só por meio do Governo Federal, porque o ITR será descentralizado para os governos estaduais e municipais, a quem cabe também parte da responsabilidade de fazer, de fato, a reforma agrária.

E o que desejamos é uma reforma agrária pacífica, que não desestruture o campo, quem já produz. Ao contrário, faz parte da reforma agrária, o Pronaf - Programa Nacional da Agricultura Familiar; faz parte do projeto de reforma agrária o apoio que o Governo já vem dando, por meio do Comunidade Solidária, aos pequenos agricultores e à agricultura familiar; faz parte do projeto de reforma agrária não só a desapropriação e divisão de terras, mas a alocação de recursos para o treinamento de mão-de-obra, para a compra de maquinário, para o financiamento e para o armazenamento da produção; faz parte do projeto de reforma agrária um conjunto imenso de variáveis.

Essa é uma equação complexa, mas, no regime democrático, se tivermos o bom-senso e o equilíbrio, nós e todos os segmentos organizados da sociedade, de mantermos as postulações no nível pacífico do entendimento e do diálogo, não tenho dúvida de que todos poderemos comemorar a chegada do MST a Brasília como mais um ponto de avanço e de amadurecimento da democracia brasileira. Esse poderá ser um momento de diálogo, um ponto alto no entendimento do Congresso Nacional, do Governo Federal com segmentos organizados da sociedade brasileira.

Sr. Presidente, todos nós, com a responsabilidade que temos de vida pública, não só os que temos mandato popular, mas também aqueles que dirigem movimentos populares, todos nós, que de uma maneira ou de outra fazemos vida pública, não temos dúvida de que seremos julgados pela nossa postura neste momento importante da vida brasileira.

Este é o momento, Sr. Presidente, de desarmamento dos espíritos e de entendimento. Não há, portanto, razão para radicalizações ou rompimento do diálogo. Tanto o Governo como o Movimento dos Sem-Terra têm legitimidade para lutar pela reforma agrária e disposição para avançar.

Os primeiros passos foram dados. A curva de assentamentos é acrescente. Queremos, todos nós, no regime de liberdade, de democracia e de paz social, termos as condições histórias para avançar nesta direção.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/1997 - Página 7686