Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/1997 - Página 7714
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL).

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há cem anos, um grupo dos mais respeitados escritores do País inaugurava a Academia Brasileira de Letras. A idéia de criar uma instituição com o objetivo de preservar a língua e a literatura nacionais partiu do pernambucano Medeiros e Albuquerque, mas a iniciativa coube principalmente a Machado de Assis, que liderou o movimento com a sua reconhecida autoridade intelectual.

A marca da personalidade de Machado de Assis, o denso prestígio do seu nome, foi fator decisivo naquele momento histórico em que os escritores, como todos os demais segmentos da população, estavam divididos entre os (ainda) adeptos da Monarquia e os da República recém-implantada.

Da plêiada de escritores de então, lembro (dentre outros) Joaquim Nabuco, José Veríssimo, Coelho Neto, Raimundo Corrêa, Aluísio Azevedo, Alberto de Oliveira, Rui Barbosa, Clóvis Beviláqua, Olavo Bilac, Oliveira Lima e Sílvio Romero.

Machado de Assis conseguiu superar obstáculos e vencer resistências. Aglutinou velhos e novos, republicamos e monarquistas, poetas e prosadores, a melhor nata de nossa elite pensante, para dar nascimento à imortal casa dos imortais. Uma corporação que trazia o destino simbólico e singular de ser, para sempre, como que o espelho da nossa identidade intelectual - e, por conseguinte, o espelho da própria alma do povo brasileiro. Uma corporação, em suma, como está resumido nos seus estatutos, voltada "à cultura da língua e da literatura nacional". Ou seja, a algo que mexe com os nossos próprios fundamentos, sendo a língua e a literatura o condão que nos eleva, o cordão que nos ata e nos une para o exercício da nacionalidade.

Eleito presidente, o autor de "Dom Casmurro" permaneceu, enquanto viveu, à frente da ABL. No discurso inaugural da Academia, em 20 de julho de 1897, frisou polidamente aos companheiros: "O vosso desejo é conservar, por meio da federação política, a unidade literária." Tal obra, lembra ele, "exige não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância." E foi com uma constância exemplar que a Academia Brasileira de Letras chegou à idade centenária.

Inicialmente sem sede, reunia-se na redação da "Revista Brasileira"; depois foi a vez do Colégio Pedro II, então chamando Ginásio Nacional; posteriormente, na Biblioteca Fluminense, no Ministério do Interior e no Real Gabinete Português. (E conto essas peripécias não por amor às filigranas do detalhe, mas para reiterar o papel da vontade obstinada na realização das grandes obras). A peregrinação durou sete anos. Em 1905, a Academia alojou-se no Silogeu Brasileiro, onde ficou por quase duas décadas. Em 1923, o Governo francês doou à entidade o Petit Trianon, construído para a representação da França na Exposição do Centenário da Independência, em 1922. E aí, pode-se dizer, a ABL alcançou a sua independência e a sua maturidade. Devendo-se, no caso, ainda consignar que a França já havia doado o próprio modelo em que se moldara a criação de nossa Academia de Letras.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs e Srs. Acadêmicos, minhas senhoras e meus senhores, o currículo de suas realizações traduz bem a contribuição da Academia Brasileira de Letras à cultura do nosso País e, em especial, à língua portuguesa. Entre outras ações, merecem destaque as reformas ortográficas que, há noventa anos, vêm sistematizando e atualizando as regras que regem as palavras de nosso idioma - "a última flor do Lácio ", na expressão do poeta Olavo Bilac.

Estudos lexicográficos ocuparam a agenda dos acadêmicos por longos anos. Graças a eles a bibliografia brasileira foi enriquecida com dois dicionários de inestimável valor - um, de brasileirismos; outro, de significados. Ainda na área do léxico, quero fazer referência especial ao "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa". Baseado em obra de igual teor da Academia de Ciências de Lisboa, a Comissão Acadêmica do Vocabulário - composta por Pedro Calmon, Barbosa Lima Sobrinho, Abgar Renault e Antonio Houaiss - deu, por assim dizer, certidão de nascimento ao vocabulário brasileiro.

Recolheu, tão exaustivamente quanto possível, o léxico da língua na sua feição escrita. Alcançou 400 mil registros com que formou o vocabulário comum. Depois, partiu para a sistematização dos onomásticos - antropônimos, topônimos, geônimos, antrônimos, intitulativos institucionais, comerciais, industriais e agrícolas. Só por esse trabalho, que prestou imensurável serviço à lexicografia e lexicologia da língua portuguesa, a Academia Brasileira de Letras já teria justificado a sua fecunda e gloriosa existência.

Mas a ABL também se empenhou na reedição de obras do período colonial. Entre elas, a Prosopopéia, de Bento Teixeira, o primeiro trabalho de cunho literário realizado no Brasil - sendo esse, permitam-me citar aqui, mais um pioneirismo pernambucano.

A Academia vem publicando uma conceituada revista e estimulando, abrangentemente, a produção de trabalhos literários. Distribui prêmios para as categorias de poesia, romance, conto e novela, crítica e história literária, história social ou política, memória, teatro, filologia, etnologia e folclore, crônica, livro de viagem e outros escritos. O maior deles é o que leva o nome do fundador e primeiro Presidente da Casa: o Prêmio Machado de Assis, para conjunto de obras.

Mas lembro ainda a biblioteca da ABL que abriga documentos de grande valor literário ou, mais amplamente, de grande valor cultural. Entre os quais, a documentação biográfica de todos os acadêmicos e respectivos patronos. Sem esquecer o precioso acervo sobre a história brasileira, em que se inclui, logicamente, a história da própria Instituição. Um verdadeiro memorial, em síntese, da inteligência de nosso País.

E também não posso deixar de assinalar que os discursos acadêmicos de recepção e posse formam, sem dúvida, um capítulo especial na melhor de nossas antologias literárias no tocante à arte da oratória - em que, no caso, sempre se conjuga a elegância do verbo à fecunda análise de textos e personalidades.

Quero assinalar, por outra parte, que a Academia Brasileira de Letras logo produziu rebentos em Estados e Municípios. Pernambuco, por exemplo, inaugurou a sua Academia três anos apenas após a criação da ABL - que, aliás, teve quatro pernambucanos entre os seus fundadores: Joaquim Nabuco, Medeiros e Albuquerque, Silva Ramos e Oliveira Lima.

A Academia Pernambucana de Letras ocupa um denso espaço sociocultural e tem como sede, hoje, um belo casarão, o Solar do Barão Rodrigues Mendes, tombado pelo Patrimônio Nacional. Possui essa bela sede, quero destacar, graças ao seu Presidente de então, Marcos Vinícius Vilaça - "tão jovem e tão presidente", no dizer de Gilberto Freyre - e à correspondente sensibilidade do Governador Paulo Guerra, que desapropriou o imóvel e o doou à Academia Pernambucana. Uma obra, diga-se de passagem, que vem sendo zelosa e diligentemente preservada e até ampliada - como outros o fizeram - pelo seu atual Presidente, o ex-Parlamentar- Constituinte e íntegro homem público, Luiz Magalhães Melo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srª Presidente Nélida Piñon, fiz essa digressão sobre minha terra para ressaltar a presença acadêmica de Pernambuco, que sempre teve uma representação muito significativa na Academia Brasileira de Letras. Além dos quatro fundadores, já citados, devo lembrar nomes da envergadura de um Olegário Mariano, Antônio Austregésilo, Múcio Leão, Manuel Bandeira, Mauro Mota, João Cabral de Melo Neto, Marcos Vilaça, aqui presente, Antônio Carneiro Leão, Arthur Orlando, Adelmar Tavares, Álvaro Lins, Celso Vieira, Dantas Barreto, Souza Bandeira, Martins Júnior e os seus ex-grandes Presidentes Barbosa Lima Sobrinho e Austregésilo de Athaíde. A estes poderíamos ajuntar, ainda, os nomes tão pernambucanizados de um Ariano Suassuna, de um Lêdo Ivo e - que me permitam a Bahia e o Presidente Antonio Carlos Magalhães - de um Eduardo Portella, que tanta afetividade, tantas ligações tem com Recife. Tanto é assim que, quando da sua eleição, coube à Bahia ofertar o seu fardão e a Pernambuco, através do Governador Marco Maciel, a espada tradicional da Academia Brasileira de Letras. Isso mostra, Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães, que se a questão da Comarca do São Francisco nos separa, Eduardo Portella nos une e nos engrandece, a nós, baianos e pernambucanos.

A propósito, gostaria de ressaltar que foi Eduardo Portella a primeira autoridade federal que um dia apostou no jovem Secretário de Educação envolvido com o cuidado de um milhão de crianças e quarenta mil professores. Foi graças a seu apoio que pude desempenhar essa missão, que o então Governador Marco Maciel me deu, de dirigir os destinos da Secretaria de Educação.

Devo muito da minha iniciação, inclusive política, ao apoio que recebi do então Ministro, e hoje Acadêmico, baiano e pernambucano, Eduardo Portella, que me propiciou, também, conhecer essa figura extraordinária que é Arnaldo Niskier, com quem aprendi muito nos nossos contatos para criar o Conselho Nacional de Secretários de Educação, naqueles tempos de Secretaria, há dezoito anos.

Poderíamos ainda, Sr. Presidente, juntar a esses pernambucanizados o nome do ex-Presidente do País e desta Casa, e também acadêmico, José Sarney, em cujas veias também corre, por via materna, sangue pernambucano.

Minhas senhoras e meus senhores, feito, em rápidas pinceladas, um breve painel das realizações da Academia Brasileira de Letras ao longo de um século de existência, quero dirigir uma saudação toda especial à ganhadora do prêmio Walmat, pelo seu livro O Fundador, a tão consagrada escritora Nélida Piñon, primeira mulher em todo o mundo, talvez, a presidir uma Academia de Letras de âmbito nacional. Esse toque de renovação, sem dúvida, é um dos segredos da forte presença viva, na densidade dos cem anos, de nossa Academia Brasileira de Letras.

À Presidente Nélida Piñon apelo, também, para se engajar cada vez mais, com a lucidez e a seriedade que lhes são peculiares e que vem desenvolvendo na Academia, na batalha pela atualização de dicionários e gramáticas, ou seja, pela preservação da língua que fundamenta o nosso próprio ser, não apenas como País, mas como Nação. ("A minha pátria é a língua portuguesa", já dizia o poeta Fernando Pessoa).

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srs. Acadêmicos, minhas senhoras e meus senhores, o Parlamento, como se sabe, "é a palavra da nação". Que a Academia Brasileira de Letras seja sempre, de modo cada vez mais lúcido e atuante, uma das guardiães dessa Palavra.

Viva a Academia Brasileira de Letras!

Viva a imortal Casa dos Imortais!

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/1997 - Página 7714