Discurso no Senado Federal

DENUNCIA DO DEPUTADO ESTADUAL EDIVALDO MAGALHÃES, DE PRATICA DE PIRATARIA GENETICA NO ESTADO DO ACRE, NA REGIÃO DO VALE DO JURUA, PELA ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL SELVAVIVA, DIRIGIDA POR UM AUSTRIACO NATURALIZADO BRASILEIRO, DE NOME RUEDIGER VON RENINGHAUS.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA SOCIAL.:
  • DENUNCIA DO DEPUTADO ESTADUAL EDIVALDO MAGALHÃES, DE PRATICA DE PIRATARIA GENETICA NO ESTADO DO ACRE, NA REGIÃO DO VALE DO JURUA, PELA ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL SELVAVIVA, DIRIGIDA POR UM AUSTRIACO NATURALIZADO BRASILEIRO, DE NOME RUEDIGER VON RENINGHAUS.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1997 - Página 7925
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), CONTRABANDO, ESPECIE, VEGETAIS, BIODIVERSIDADE, ESTADO DO ACRE (AC), UTILIZAÇÃO, MEDICINA, TRADIÇÃO, INDIO, DESTINATARIO, LABORATORIO FARMACEUTICO, EMPRESA ESTRANGEIRA.
  • COMENTARIO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DO ACRE (AC), IRREGULARIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • NECESSIDADE, AUMENTO, CONTROLE, FISCALIZAÇÃO, GOVERNO, SUGESTÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ENTIDADE, UTILIDADE PUBLICA.

O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero chamar a atenção para a denúncia feita, em março último, pelo deputado estadual Edivaldo Magalhães (representante do Partido Comunista do Brasil) e que está sendo investigada por autoridades locais:

Trata-se da informação de que a Organização Não-Governamental Selvaviva, dirigida por um austríaco naturalizado brasileiro chamado Ruedíger Von Reninghaus, com residência em São Paulo, estaria praticando pirataria genética no Acre, na região do Vale do Juruá, nas áreas dos índios Caxinawa, Katukina e Poyanawa.

Segundo o deputado, a organização estaria cadastrando as plantas, frutos, cascas, resinas, entre outros produtos utilizados na medicina indígena e oferecendo estas informações para laboratórios farmacêuticos como Johnson & Johnson, Hoescht, Bayer, Ciba-Geisy, Sandoz e Lilly. Estas empresas estariam financiando o trabalho da organização.

O austríaco, conhecido pelos índios como Rogério, estaria oferecendo alimentos, medicamentos e insumos agrícolas às comunidades locais em troca dos conhecimentos dos pajés indígenas, incluindo nomes das plantas e todos os outros produtos usados para cura, como os utilizam e onde encontrá-los.

A organização estaria mantendo até seis viveiros das plantas medicinais coletadas pelo austríaco com base nas informações dos índios: três em Tarauacá, dois em Cruzeiro do Sul e um em Mâncio Lima. A intenção seria instalar minilaboratórios das empresas abastecidas com as informações passadas por Ruedíger, que iriam estudá-las e enviar os resultados para suas sedes.

Existe um prospecto de propaganda - que deu origem às denúncias -, onde a Selvaviva oferece, aos laboratórios interessados em financiá-la, o acesso a estes viveiros. Seriam exatamente os laboratórios abastecidos com as informações de Ruedíger que estariam fornecendo os medicamentos que ele dava às comunidades locais em troca dos conhecimentos indígenas.

Há, inclusive, suspeitas de que integrantes desta organização estariam adquirindo uma extensa área ao longo do rio Azul, na região da Serra do Moa - hoje transformada no Parque Nacional do Divisor e considerada área de maior biodiversidade do Planeta.

Uma comissão de sindicância da Assembléia Legislativa do Acre investiga o caso. Já ouviu lideranças da União das Nações Indígenas (UNI), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), Instituto de Meio Ambiente do Estado (IMAC), Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o próprio Ruedíger Von Reninghaus.

Conforme foi apurado até o momento, desde 1988 Ruedíger atua na Região, sendo que a atuação da Selvaviva é notada a partir de 1992. Todavia, a entidade não tem autorização dos órgãos ambientais federais ou estaduais para fazer expedições ou visitas científicas à região, conforme exigido por lei, e nem autorização da Funai para entrar em áreas indígenas.

A Selvaviva sequer existe juridicamente. No prospecto de propaganda que distribui, a entidade afirma ser registrada no Cartório de Cruzeiro do Sul. Lá, porém, não existe qualquer registro da organização.

De concreto a seu respeito há somente a publicação, no Diário Oficial do Estado, do que seria seu estatuto, sendo que até o endereço que a organização informa como sendo local de sua sede, em Cruzeiro do Sul, não existe.

Descobriu-se, ainda, que a Selvaviva também tem atuação nos municípios de Porto Walter e Thaumaturgo, na fronteira do Acre com o Peru, para onde representantes da sindicância deverão ir em busca de mais informações.

Conforme o deputado Edivaldo Magalhães, integrante da comissão de sindicância, o depoimento de Ruedíger foi contraditório. Ele não conseguiu explicar os objetivos do seu projeto. Mas confirmou que os medicamentos que fornece às comunidades locais são dos laboratórios já citados, principalmente da Bayer.

Disse que a Selvaviva é composta por sete membros que, como ele, vivem em São Paulo. Dois deles realmente seriam proprietários de dois seringais na região da Serra do Moa, onde deveriam implantar o que denomina de projeto piloto de resgate da medicina tradicional da região, mas com a transformação da área em parque nacional, a área foi desapropriada. Então, passaram a atuar nos Municípios onde mantêm os viveiros.

Sobre a inexistência da sede da organização em Cruzeiro do Sul, disse que a entidade não tem sede para não gastar dinheiro e que as visitas às comunidades são feitas, em média, de três em três meses.

Quanto ao financiamento da Selvaviva, Ruedíger -que diz ter sido diretor-executivo da Wolkswagem do Brasil durante 30 anos, estando atualmente aposentado - assegurou apenas que tinha peças valiosas em casa e foi vendendo para investir na região.

O Ministério público do Acre também já abriu inquérito para apurar o caso, atendendo representação do deputado Edivaldo Magalhães, CIMI e UNI. Inclusive, na semana passada, também ouviu o representante da Selvaviva.

Como se pode ver, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é uma denúncia grave e que precisa ser investigada, também, pela Polícia Federal. Até porque denúncias semelhantes não são raras na região. Autoridades que investigam o caso, crêem, inclusive, que a Selvaviva é apenas o fio da meada.

Tudo isso, portanto, deixa claro a necessidade de um controle da atuação das organizações que atuam na região. Até mesmo para facilitar o trabalho daquelas em situação regular e que prestam bons serviços à comunidade.

Isso, Srs. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vale para todo o Brasil e traz uma certeza: é preciso uma legislação que regulamente a atuação das ONGs no País.

O assunto, aliás, foi levantado há pouco tempo pela presidente do Conselho Cumunidade Solidária, Ruth Cardoso. Ela pretende propor ao Legislativo mudanças na lei que dispõe sobre a concessão de títulos de utilidade pública, de forma que estas organizações, sendo registradas no Ministério da Justiça, submetam-se a alguma espécie de controle oficial.

Hoje, na verdade, o Brasil não tem idéia de quantas organizações estrangeiras trabalham no País. E nem controle sobre as instituições que possuem autorização para atuarem em território brasileiro. Há alguns meses, o Ministério da Justiça divulgou que iria fazer o cadastramento de todas estas entidades, mas ainda não se sabe os resultados.

É certo que dentre estas instituições, há as que, mesmo sendo de origem estrangeira, têm reconhecido serviço prestado à população. No entanto, existem as que ninguém sabe a origem ou atuação, como esta, denunciada no Acre, que coloca em xeque as demais que fazem um trabalho sério.

Isso sem contar com as várias entidades religiosas que atuam na área indígena. Ao que se sabe, nem a própria Funai tem controle de quem está nessas áreas, a forma de trabalho desenvolvido, quem são, de onde vêm e o que querem. O pior é que tais entidades são conhecidas pelo Governo Federal que, no entanto, não as controlam.

As únicas instituições atualmente controladas, mesmo assim precariamente, são as entidades detentoras de títulos de utilidade pública federal. Digo precariamente porque, segundo se tem informações, no Ministério da Justiça, de onde parte a fiscalização , não há pessoal suficiente para este trabalho. Das vezes que houve uma investigação, diversas entidades irregulares tiveram títulos cassados.

No entanto, é preciso que o Brasil adote medidas de controle das Organizações Não-Governamentais. As sérias, sabe-se como agem. As suspeitas, pouco ou quase nada se sabe.

A única legislação existente no Brasil sobre o assunto é a Lei que regulamenta a concessão de títulos de utilidade pública pelo Governo Federal. Mesmo assim, é completamente ultrapassada. Datada de 1935, só foi regulamentada na década de 60. Desse período até hoje, nada mais apareceu para modernizar a política de controle destas instituições.

Enquanto isso, repousa no Gabinete Civil da Presidência da República, um projeto do próprio Governo modernizando a concessão de títulos de utilidade pública. Torna mais severo o controle, tira o conceito paternalista do Estado - que em muitos casos isentavam instituições de impostos e taxas previdenciários.

Isso tornou-se tão costumeiro que, hoje, existe até plano de saúde, de renome nacional, considerado como entidade de utilidade pública. Ou seja, uma empresa privada que cobra por seus serviços e não faz caridade e que, pela lei, iguala-se a uma Santa Casa de Misericórdia que faz trabalho sem fins lucrativos e meramente filantrópico.

É preciso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não confundir entidades sérias com as não sérias. É preciso que as ONGs sejam tratadas da mesma forma que as entidades sem fins lucrativos, a quem são dadas concessões de títulos de utilidade pública. E que estas instituições sejam fiscalizadas com seriedade.

É necessário, além de tudo, que o Governo faça, o mais rápido possível, um sistema de controle e leis que possam reger as ONGs instaladas no Brasil, ou mesmo as brasileiras. Esta medida não será boa somente para a população e para o Governo, mas também para as próprias organizações. Separando-se o joio do trigo, aquelas regulares e que prestam realmente serviços à população, com certeza terão maior credibilidade e facilitadas suas ações.

Há que se ver, inclusive, que o quadro social do Continente Europeu, de onde provêm a quase totalidade dos recursos absorvidos pelas ONGS do Terceiro Mundo, vem determinando uma drástica redução dos financiamentos, o que tem resultado no cancelamento de programas, demissão de pessoal e até mesmo o fechamento de muitas organizações.

Por outro lado, são poucos os investimentos do empreendedor privado brasileiro nesta área. Há que se observar, porém, que o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE, fundado em 1981, pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, na década de 80 tinha 90% de suas despesas custeadas por financiamentos de fora. Atualmente, sobrevive com 70% do seu orçamento coberto por recursos que arrecada no país, enquanto a própria legislação brasileira dificulta a participação de pessoas físicas nesse tipo de atuação.

Certamente, além da competência, a credibilidade pessoal do Betinho influenciou nesse avanço. Creio, assim, que, a partir do momento em que se identificar quais as Organizações Não-Governamentais que realmente atendem à população, estas terão o apoio que precisam e poderão ajudar ainda mais a comunidade brasileira.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1997 - Página 7925