Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE AS RAZÕES PELAS QUAIS A CARAVANA DOS SEM-TERRA DESLOCA-SE PARA BRASILIA. INSUFICIENCIA DAS MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO, VISANDO GARANTIR A EXECUÇÃO DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REFLEXÃO SOBRE AS RAZÕES PELAS QUAIS A CARAVANA DOS SEM-TERRA DESLOCA-SE PARA BRASILIA. INSUFICIENCIA DAS MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO, VISANDO GARANTIR A EXECUÇÃO DA REFORMA AGRARIA.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1997 - Página 7935
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, DEMORA, OMISSÃO, GOVERNO, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, EFEITO, MARCHA, SEM-TERRA, CAPITAL FEDERAL.
  • CRITICA, FALTA, INFRAESTRUTURA, GARANTIA, PRODUÇÃO, FIXAÇÃO, TRABALHADOR, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA.
  • NECESSIDADE, GOVERNO, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, EFICACIA, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, PREVENÇÃO, TENSÃO SOCIAL.

DISCURSO PRONUNCIADO PELO SR. JOSAPHAT MARINHO NA SESSÃO DE 15/04/97, E QUE, ENTREGUE À REVISÃO DO ORADOR, SERIA PUBLICADO POSTERIORMENTE.

O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, decorridas que sejam mais algumas horas, estarão em Brasília os integrantes do Movimento dos Sem-Terra.

Não cabe, neste momento, examinar critérios técnicos a respeito da reforma agrária. Mas, nesta hora, cabe fazer uma reflexão e para ela pedir a atenção do Governo: por que se desloca a caravana para Brasília? Por que vão ocupar os grandes espaços desta área central da Capital os caravaneiros da reforma agrária? Parece que não há dúvida que assim o fazem porque o problema da reforma agrária não foi, em tempo, devidamente encaminhado.

Não se trata de apontar falha apenas no atual Governo. As falhas se sucederam e se multiplicaram ao longo de diversos governos, mas isso não reduz a responsabilidade do atual.

Se a Constituição e as leis vigentes houvessem sido postas em prática devidamente, de certo não haveria o deslocamento da caravana para a Capital do País. A discussão se daria nos diferentes pontos do País em que fosse necessária a providência do assentamento, seguida das medidas adequadas à execução, propriamente, da reforma agrária. As medidas, porém, não se processaram.

O Governo teve a impressão de que, fazendo assentamentos aqui e ali, e quase sempre sob a pressão dos que invadiam propriedades, estaria dando a solução própria ao problema. Equivocou-se por inteiro.

Na medida em que retardou a prática, propriamente, da reforma agrária, gerou a irritação no campo; essa irritação desdobrou-se em múltiplas ações nos diferentes pontos do País. E por falta do estancamento devido, com as providências que fossem adequadas, tudo resultou na marcha para Brasília.

Sob a pressão dessa marcha, que agora já se aproxima da Capital, o Presidente da República, em discurso há uma semana, anunciou que estava fazendo o que lhe era possível e que se a sociedade queria mais providência preciso será que novos impostos fossem adotados. A Nação já está sobrecarregada de impostos. Sobretudo, grave será qualquer aumento de tributo neste instante diante da redução da atividade econômica no País.

Não importa também que o Governo declare que a reforma agrária não é problema apenas dele, mas de toda sociedade. Sim. A reforma agrária é problema de toda sociedade na medida em que a consciência coletiva a reclama. Mas, o homem comum, o cidadão, não tem condições de operar as medidas para execução da reforma agrária. Essas medidas cabem ao Governo; ele que detém o poder e detém os recursos é que deve adotar os mecanismos de ação próprios para reduzir as desigualdades sociais, notadamente as que estão se verificando no campo.

O Governo não apurou seguramente que não bastava cuidar de assentamento. Assentamento é apenas uma providência preliminar da reforma agrária. Reforma agrária não é. A reforma agrária desdobra-se no conjunto das medidas de ocupação da terra, de fornecimento de condições adequadas para explorá-la e de garantir a permanência no solo dos que propriedade não tinham. Fazer assentamento apenas, sem assegurar as condições de assistência técnica e financeira, não conduz à redução do grave problema do desequilíbrio da vida no campo. Fazer assentamento com algum auxílio, como se fosse ato meramente assistencial e não garantia de exploração da terra para fazê-la produtiva e de aumentar a produtividade, se assim não for, reforma agrária não é.

Mas não se atentou neste problema. E ainda há poucos dias ilustre representante da Bancada do Governo assinalava como se esvaziaram vários assentamentos ao longo do País, por falta da assistência técnica e financeira adequada.

Por outro lado, é impróprio acusar-se, como a acusação se fez, de falta de ação dos Estados e Municípios. Estados e Municípios não têm recursos financeiros para sustentar as soluções da reforma agrária. Podem ajudar a União, mas não podem ser os instrumentos essenciais para o desenvolvimento da reforma agrária.

Demais, num regime como o nosso, em que o Governo prega o regime da economia liberal, de não-intervenção do Estado, não há como garantir a Estados e Municípios a atuação própria para corrigir as desigualdades no campo.

E tudo quanto está nas linhas mestras da Constituição Federal, é para atribuir à União a responsabilidade das providências fundamentais que conduzam a regular a ocupação da terra de modo a fazê-la produtiva e garantir a presença de quem nela foi localizado, em condições de preservar a subsistência do trabalhador e de sua família.

Por falta da orientação adequada, o Governo aprovou a condenação geral da grande propriedade. Ora, o problema não está apenas em condenar a grande propriedade, mas, sobretudo, em condenar a grande propriedade na medida em que ela, não sendo produtiva, não assegurando a permanência do trabalhador no campo, se torna um problema social. Isso é o que se verificou e que continua se verificando no País.

A garantia, portanto, para a solução do problema, está em assegurar a ocupação do solo e o seu aproveitamento, com a produção e o aumento da produtividade.

Nesse trabalho, o esforço do Governo há de ser, sobretudo, no sentido de que a ocupação da grande propriedade inexplorada deve servir de garantia à localização do homem no campo e à produção dos recursos necessários a sua subsistência e de sua família. Tal não se dando, não se cuida de reforma agrária.

Em realidade, isso não se deu; faltou a assistência técnica, faltou a assistência financeira, faltou o que se poderia dizer, em conjunto, a segurança do crédito agrícola que permitisse àquele que antes não tinha propriedade, obtê-la regularmente e nela trabalhar, aumentando a produção, inclusive para aumentar a produção dos alimentos destinados à população de todo o País.

Enfim, o que se observou é que não houve essa tomada de posição. Não se adotaram as providências adequadas a garantir a execução da reforma agrária. Como não se adotou a providência adequada ou não se adotaram as providências adequadas, tudo resultou no crescimento do Movimento dos Sem-Terra e, afinal, no seu deslocamento de vários pontos do País para esta Capital.

O problema então serve de advertência para os dias de hoje e para o futuro.

Hoje, deslocam-se os sem-terra e vêm à Capital da República para reclamar as providências, que a seu tempo não foram devidamente adotadas.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª tem o aparte.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador Josaphat Marinho, V. Exª, com a seriedade e com a serenidade que o caracteriza, chama a atenção do Congresso e do País para a importância desse movimento. O que lastimamos, Senador, é que no final do ano passado comentávamos, aqui no Senado, que nunca havíamos tido uma oportunidade tão positiva de encaminhar essa questão. O Exército havia colocado suas terras à disposição; a Igreja do mesmo modo, havia colocado suas terras à disposição; o Congresso Nacional votou alguns projetos que há muito tempo não andavam, e que passaram a andar; o novo Ministro da Reforma Agrária, um homem identificado com o problema, um homem progressista, falava uma linguagem positiva. De repente, não mais que de repente, as questões tomaram um rumo que ninguém imaginava. Quiseram isolar os sem-terra, colocá-los como inimigos, como pessoas que são radicais, que não querem reforma agrária. E na verdade eles não ficaram nesse isolamento. O que se assistiu, ao contrário, foram forças as mais variadas, inclusive Parlamentares de forças ligadas ao próprio Governo, darem seu apoio a esse movimento. Volto a lembrar, querido Senador Josaphat Marinho, pronunciamento feito dali pelo nosso saudoso Senador Darcy, Ribeiro, quando chamava a atenção do País dizendo: "Nós estamos vivendo momentos muito sérios - falava S. Exª há dois anos - estamos assistindo, mais ou menos, a unificação, o entendimento, o diálogo dos sem-terra com os sem-emprego. De um lado os sem-terra, em busca de terra; do outro, os marginalizados da cidade, que não têm emprego. Eles estão dialogando, estão discutindo". E veja, Senador Josaphat, que não se diga que é um movimento esdrúxulo, anormal, que é um movimento formado com qualquer outro objetivo, porque a grande verdade é que na maioria das grandes cidades, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, a maioria dos sem-emprego são ex-sem-terra; são pessoas expulsas da terra ou saíram dela em direção à cidade buscando outras oportunidades, outra chance. E, porque trabalharam na indústria de construção civil, na indústria mais modesta, são os primeiros colocados no desemprego. Então, de certa forma, o Movimento dos Sem-Terra com os sem-emprego não é um fato anormal, imprevisível, mas, como dizia o Senador Darcy, facilmente previsível. E alertava o Senador Darcy de que isso era muito perigoso, que o Governo tinha de interceder porque eram milhares de reuniões de grupos que estavam a se formar e que no futuro poderiam criar um problema social neste País. Na verdade, lamentavelmente, essas afirmativas que deveriam servir de alerta para nós e para o Governo não foram ouvidas. Na minha opinião, o Governo estava num caminho positivo, estava debatendo, analisando, mas se deteve a meio caminho. O Ministro da Reforma Agrária rompe e diz que não conversa mais com os sem-terra, e o Governo fica naquilo a que V. Exª se referiu: dizendo que distribuiu tantos hectares, fez tantos assentamentos. Na verdade, a questão nunca esteve tão séria como agora. Se não me engano, o Presidente Antonio Carlos, da Casa, - pelo menos assim li na imprensa - está disposto a receber os sem-terra e sentar-se à mesa com essa gente. Seria muito bom se o Presidente da República agisse da mesma forma, reunisse a sua gente e fosse lá para a Granja do Riacho Fundo ou outro lugar conversar com os sem-terra. Sua Excelência, com a sua competência - pelo menos de falar e argumentar - deveria debater com essas pessoas, discutir, abrir portas, analisar melhor a questão. Seria altamente positivo que assim se procedesse, ao invés de confronto ou coisa que o valha. Eles fazem questão de dizer que estão vindo desarmados, dispostos a chegar a um entendimento e se isso pudesse ocorrer seria muito bom. O Presidente do Congresso está disposto a um entendimento - se a informação for verdadeira, cumprimento o nobre Presidente - mas essa não é missão apenas de S. Exª; eles não vêm para conversar com o Presidente do Congresso, eles vêm para conversar com o Presidente da República. Seria muito proveitoso se o Presidente da República abrisse o debate, discutisse, permitisse que eles viessem e fizessem uma boa manifestação e apresentassem propostas que pudessem significar um novo caminho. Regozijo-me por estar aqui, ouvindo o profundo e respeitável, como sempre, pronunciamento de V. Exª. Obrigado a V. Exª e à Mesa pela extraordinária tolerância que tiveram para comigo.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Prorrogo por quinze minutos a Hora do Expediente, para que V. Exª termine o seu discurso, lembrando que ainda há mais dois oradores inscritos.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª será plenamente atendido, Sr. Presidente.

Agradeço-lhe, Senador Pedro Simon, o aparte, sobretudo porque V. Exª citou providências concretas que foram adotadas, inclusive pelo Congresso, e que, se executadas adequadamente, teriam concorrido para que a situação não alcançasse o quadro presente. Se se houvesse convertido tudo quanto se declarou em norma legal em medidas administrativas eficientes, os sem-terra não estariam se deslocando para Brasília. As providências estariam se processando nas diferentes regiões do País, com vantagem para a Nação e sobretudo para os que precisam da terra para trabalhar. Ao invés de estarem se deslocando caminho afora, cansando-se para vir reclamar em Brasília, já estariam trabalhando a terra, fazendo-a produzir, aumentando a produtividade e, ao mesmo tempo, o que é relevantíssimo: trazendo tranqüilidade ao País. Como assim não se procedeu, os sem-terras estão se deslocando para Brasília com o apoio geral das populações por onde passam. Já, agora, com o relevo geral da imprensa. Todos os meios sociais, enfim, verificaram que o problema tinha relevo além do que imaginou o próprio Governo. Daí a situação ter chegado ao que chegou.

É que não bastam anunciar-se medidas de reformas, providências institucionais. É preciso conjugar a estas as medidas administrativas eficazes. O Governo não pode viver de anunciar reformas de caráter institucional, apenas. As providências políticas são úteis, mas precisam completar-se com as decisões de índole administrativa, porque são estas que, efetivamente, servem de base às soluções humanas.

O Governo atente no que agora está ocorrendo para que, amanhã, não haja igualmente outro deslocamento para Brasília dos desempregados. E não haja, adiante, outro deslocamento dos comerciantes que estão fracassando em todos os pontos do País, pela política econômica que o Governo adotou.

Atente-se em tudo isto, não apenas para a segurança do Governo, mas sobretudo para a tranqüilidade do País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1997 - Página 7935